August Spies (1855-1887)
Jornal do Brasil, 01/05/2012
O trabalho e os pobres que fazem a História
Mauro Santayana
Até recentemente os historiadores desdenhavam os pobres. A crônica do passado se fazia em torno de reis débeis, alguns; corajosos, outros. Também os intelectuais, cientistas e artistas sempre estiveram na vanguarda da história oficial. A civilização se fazia também com os santos, mas os santos da Igreja, em sua maioria, eram recrutados entre os membros da classe dominante na Idade Média, ainda que renunciassem à riqueza, como Francisco de Assis, ou se fizessem mártires nas guerras que, de santas nada tinham, como as cruzadas. Os santos modernos, com raras exceções, são militantes políticos contra os pobres, como o fundador da Opus dei.
Hoje
cresce entre os acadêmicos a preocupação com a “História vista de baixo”,
embora a razão recomende não estabelecer o que seja alto ou baixo na construção
do homem. É bom olhar o trabalho dos pobres, e sua luta por justiça, como o
sumo da História. Não foram os faraós que construíram as pirâmides, mas, sim,
os escravos; as grandes cidades modernas podem ter sido imaginadas pelos
arquitetos geniais, mas não sairiam das pranchetas sem as mãos ásperas dos
pedreiros, armadores e carpinteiros. O mundo virtual, abstrato, dos pensadores,
prescinde do trabalho pesado, mas a doma da natureza, com a agricultura e o
pastoreio, e sua transformação em objetos tangíveis, são conquistas da
fadiga cotidiana.
Muitos
trabalhadores que hoje estão comemorando o primeiro de maio, não sabem
exatamente como surgiu essa tradição. Ela se deve a uma das primeiras greves
organizadas nos Estados Unidos, em 1886. No dia 3 de maio, parados havia algum
tempo, os trabalhadores de uma indústria de máquinas colheitadeiras de Chicago,
a McCormick Harvesting Machine Company, formaram piquetes diante dos portões da
fábrica e foram dissolvidos pelos policiais que protegiam os fura-greves, com a
morte de vários operários e dezenas de presos e feridos. Como protesto,
eles se reuniram, com o apoio de outros trabalhadores, no dia seguinte, na
praça do Heymarket, no centro da cidade.
Entre
outras reivindicações, os grevistas exigiam a fixação da jornada do trabalho em
oito horas diárias. Os patrões, como fazem até hoje, organizaram pelotões de
bate-paus, garantidos para ajudar a polícia. Houve o conflito, com os grevistas
se defendendo como podiam, e uma bomba explodiu, matando sete policiais. A polícia
atirou, matou muitos trabalhadores e buscou suspeitos. Um líder dos
trabalhadores, August Spies, embora provasse não estar no local, foi, com três
outros, também vistos como inocentes, condenados à forca, e executados em 11 de
novembro do ano seguinte. Um dos presos matou-se. Os três que conseguiram
escapar do cadafalso foram perdoados, em 1893, pelo governador de
Illinois, John P. Altgeld. O movimento sindical, que existia, de forma dispersa
e débil, desde a presidência de Andrew Jackson, tomou corpo a partir do
episódio, com a reorganização da American Federation of Labor.
O
século 20 começou com a criação de novos sindicatos de trabalhadores,
principalmente nos Estados Unidos e na Inglaterra ( já anteriormente com
o incentivo do conservador Disraeli), e na Alemanha. Foram as lutas dos
trabalhadores que moderaram, um pouco, a avidez dos capitalistas liberais.
Essas lutas se iniciaram em 1848 na Europa, tiveram impulso com a Comuna de
Paris, em 1871, e viveram a sua grande data no massacre do Haymarket e suas
conseqüências, em 1886.
Na luta
contra a Depressão dos anos 30, os países ocidentais (na União Soviética a
situação era outra) procuraram incentivar o sindicalismo e contar com seu
apoio. Hitler decretou, no dia 1º de maio de 1933, que a data seria festejada
sob o nazismo como o Dia do Trabalho. No dia seguinte, fechou todos os
sindicatos, prendeu seus líderes e iniciou a perseguição aos socialistas e
comunistas. Nos Estados Unidos e no Canadá, para desvincular a
comemoração do massacre de maio, a data escolhida foi a da primeira
segunda feira de setembro.
O
movimento sindical, para ser autêntico, não deve atrelar-se aos governos, ainda
que, na defesa do interesse dos trabalhadores, possa apoiar essa ou aquela
medida dos estados nacionais. Foi a luta dos trabalhadores ingleses que criou o
Labour Party na Inglaterra, em 1906, e conseguiu as reformas das leis do
trabalho que permitiram o desenvolvimento econômico e político da Grã Bretanha,
e a levaram ao forte desempenho bélico na Primeira e na Segunda Guerra
Mundial.
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