O Carlos errado: o dia que o Texas matou um inocente
Tese de universidade nos EUA mostra que um homem pode ter sido executado por engano
O GLOBO
Carlos DeLuna, à esquerda, e o provável assassino, seu homônimo Carlos Hernández
Reprodução
Com o título “Los Tocayos Carlos” (os homônimos Carlos, em tradução livre), a monografia do professor James Liebman e mais uma equipe de 12 alunos da universidade, descobre evidências de que Carlos DeLuna, um pobre homem hispânico e com inteligência infantil, era totalmente inocente. O levantamento, com 3.434 notas de rodapé, virou um site que mostra desde a cena do crime, com fotos e registros judiciais, até a cobertura completa feita pela imprensa na época do assassinato. O material inclui ainda uma fita cassete da polícia com o fim da caçada e prisão de De Luna, além de entrevistas gravadas em vídeo.
Desde o dia em que foi preso até os últimos momentos antes da injeção letal, DeLuna se declarou inocente. E até deu o nome do verdadeiro assassino de Wanda: o também mexicano Carlos Hernández. Quase 20 anos depois, uma testemunha que havia reconhecido DeLuna uma hora após o crime, assumiu que não estava certo da identificação feita à polícia na época “já que lhe custa muito diferenciar os hispânicos”.
De fato, a semelhança física dos dois Carlos, que se conheciam e haviam estado juntos em um bar na noite do crime custou a vida DeLuna. Em um dos depoimentos do site, o próprio advogado de Hernández chegou a confundir os dois. Liebman começou a investigar o caso quatro anos depois da execução, e, em pouco tempo, descobriu que Carlos Hernández realmente existia. Com a ajuda dos alunos, traçou o perfil do homônimo: um alcoólatra, com histórico de violência — foi preso 39 vezes, 13 por portar um faca — e que passou quase toda sua vida adulta em liberdade condicional. Como quase nunca foi condenado a prisão pelos seus crimes, Liebman acredita que Hernández agia como informante da polícia.
Amigos desde a infância
A história começa no dia 4 de fevereiro de 1983, quando Wanda López, uma mãe solteira e hispânica, foi apunhalada com uma faca enquanto trabalhava em um posto de gasolina no bairro texano de Corpus Christi. As facadas atravessaram o pulmão esquerdo e a jovem morreu em poucos minutos. Antes de ser assassinada, Wanda havia ligado para a polícia: “Podem enviar um agente a 2.602 Drive South Padre Island? Há um suspeito com uma faca dentro da loja, é um mexicano. Ele está em pé, aqui mesmo, do lado da caixa registradora”.
Os dois Carlos vivam na mesma cidade e se conheciam desde os 5 anos. Depois de se encontrarem em um bar, Hernández passou pela loja de conveniência do posto de gasolina para comprar alguma coisa. Quando DeLuna percebeu que o amigo demorava a voltar, resolveu ver o que havia acontecido. Ao chegar no bar, viu Hernández brigando com uma mulher, atrás do caixa. Como tinha alguns delitos sexuais no currículo, teve medo de se meter em problemas e ao ouvir a sirene da polícia, escondeu-se debaixo de uma caminhonete. Quarenta minutos depois, foi preso.
Os advogados de DeLuna basearam sua tese em apontar Carlos Hernández como o verdadeiro assassino, mas os fiscais ridicularizam a possibilidade. Chegou-se a conclusão de que Hernández era um invento, um fantasma que simplesmente não existia. Em outubro de 1989, apenas dois meses antes da morte de DeLuna, Carlos Hernández foi sentenciado a dez anos de prisão por tentar matar com uma faca a outra mulher, Dina Ybáñez. Mesmo assim, o caso não foi reaberto.
Em muitas ocasiões, Carlos Hernández chegou a confessar ter matado Wanda López, brincando com amigos e familiares que seu “homônimo” havia pagado o pato. As provas que não foram feitas pela perícia, como os restos de DNA ou de sangue, ajudaram na condenação injusta. DeLuna apresentou várias apelações, mas nenhuma o livrou da execução. “Passe o que passe, saiba que não cometi o assassinato”, repetia a sua irmã Rose no Corredor da Morte. Ela contou que em seu coração, Carlos DeLuna aceitou ser executado e que sabia que estaria bem.
“Quem sabe, algum dia a verdade venha à luz”, disse em uma entrevista a uma rede de televisão, atrás de um vidro grosso, dias antes de sua morte.
Nenhum comentário:
Postar um comentário