quarta-feira, 30 de maio de 2012

Demóstenes, eu seu último ato, revela a farsa do ‘mensalão’

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29/5/2012 23:36

Demóstenes, eu seu último ato, revela a farsa do ‘mensalão’


Por Gilberto de Souza - do Rio de Janeiro  


A guilhotina, durante a Revolução Francesa, era extremamente nervosa. Milhares perderam a cabeça por questões minúsculas, se comparadas ao que se assiste hoje nos julgamentos do bicheiro Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, no Judiciário, e de seu cúmplice no Senado, Demóstenes Torres. Sem a menor desfaçatez, Demóstenes dá de ombros, desdenha dos brasileiros ao presumir como uma questão menor, com os valores que o levaram à cadeira dos réus perante o Conselho de Ética da Casa mais alta do Parlamento, o fato de um criminoso condenado pagar-lhe a conta do telefone, entre outras contas mais de que ainda não se têm notícia. Em um julgamento político, cada um dos “R$ 30 ou R$ 50″ que custaram cada mensalidade do rádio, usado para se comunicar com a gangue, transforma-se em milhões de bofetadas na face da Nação.
Fato é que a Polícia Federal chegou ao ninho das vespas e o país, cada eleitor, cada brasileiro, resolveu correr o risco e terminar com a infestação. Não importa se há zangões no Supremo Tribunal Federal (STF), governadores corruptos em Estados da Federação, empresários endinheirados à custa dos cofres públicos e jornais, revistas e jornalistas preparados pela organização criminosa para vender o caos em troca de um novo golpe contra o governo eleito. Esta parcela, a ínfima parte da população representada por cada um dos envolvidos na fabricação de uma cortina de fumaça para os olhos do Brasil, à qual integram os mesmos algozes da democracia durante os Anos de Chumbo, está hoje nas páginas dos inquéritos em andamento, nas escutas telefônicas realizadas com a autorização da Justiça, nos autos dos processos que seguem adiante, no tortuoso rito das cortes penais.
Ministros, parlamentares e alguns governadores, aninhados na certeza da impunibilidade, aplicaram golpes milionários sim, mas a aparência de normalidade que buscam passar por atos torpes, de menor importância para verdadeiros atentados criminosos, o semblante de coitado, carola recém-devoto, insone fariseu no pântano da maledicência, esta atitude mereceria, por si mesma, levar quem a adota ao caminho que Luís XV percorreu tempos atrás, embora este o tenha feito com a altivez que falta às personagens da ópera bufa ora em serviço. Se lhes respeitaria muito mais a coragem, caso empunhassem a bandeira da insolência e do escárnio com que trocavam mensagens, cifradas no pueril código dos ladrões, com os risos escancarados nos telefonemas de parabéns por mais um assalto bem sucedido ao Erário, na sebenta troca de amabilidades entre os ímpios, após arrastar os nomes de seus inimigos na lama do esgoto que corre pelas páginas dos meios de comunicação de que são sócios. Assim, teriam o direito a uma despedida honrosa, ao invés da lenta dissecação, em vida, pela qual passarão até o último de seus dias.
Vem o ainda senador Torres cotejar o sofrimento da família dele ao seu próprio, diante dos pares, como se isso fosse argumento, desculpas para a sordidez com que enganou, mentiu e, em segredo de polichinelo, urdiu contra o país e a ordem democrática, em seu proveito próprio e de seus cúmplices. Agora, quando não conta mais com o escudo da moralidade e a armadura dos bons costumes, dos quais se autodeclarava prócer e campeão, despido de qualquer autoridade moral, preferiu o ato contrito à ferocidade com a qual detratou todos aqueles que ousaram se insurgir contra o império que, por décadas, manteve ajoelhadas as instituições nacionais. Parece mais claro, neste momento, descerrado o pano em seu último ato, o enredo da peça infame que deu origem ao processo ora em curso no STF. Esclarecem-se, diante desta pífia audiência do canastrão, as reais intenções daqueles que desenharam a cena habitada por corruptores maquiavélicos, prestes a transformar o Brasil na República dos iníquos. Tatuaram as próprias intenções na pele de seus detratores e, com ajuda profissional de bandidos travestidos em jornalistas, popularizaram em folhetins, com o título de ‘Mensalão’, as caricaturas dos homens públicos que o país elegeu, exatamente para extirpar todos eles, a casta que aqui governava desde o golpe de 64.
Caiu por terra, nesta terça-feira, a casa de caboclo que armaram contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e vários de seus ministros, entre eles o chefe da Casa Civil, José Dirceu. Ficou evidente o nível de interação entre as camadas que bradavam palavras de Liberdade e Justiça àquelas máfias formadas para sustentar os jatinhos e convescotes animados nas capitais europeias. Está escancarado, para quem quiser ver, o atrevimento da camarilha que ora se esfacela. Encerra-se, na lastimável performance do ex-líder da extrema direita, a falseta de um discurso que pecou contra os seus princípios. Mas é preciso ir adiante e, no rastro do bufão que entreteve a audiência dos telejornais, nesta noite, algemarem a mão que controla, ainda agora, os títeres abandonados à própria sorte, ainda que contem com o auxílio luxuoso dos mais caros advogados do país.

Gilberto de Souza é jornalista, editor-chefe do Correio do Brasil.

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