quarta-feira, 2 de maio de 2012

Sífilis e cinema


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Pessoal,

Há dias, assisti ao filme Heleno (grande jogador de futebol do Botafogo, 1920-1959).
Gosto muito de cinema, mas, honestamente, neste caso, meu interesse maior era ver a abordagem que seria dada à história de um astro que teve sífilis e dela morreu em um sanatório.
Não sou critico de cinema, todavia me sinto no direito de fazer alguns comentários.
Os autores fizeram um filme primoroso. Embora retrate a vida de um jogador de futebol, o esporte não é o foco principal. A meu ver, o filme é sobre comportamento humano – a história de um homem que escolhe um estilo de vida que define seu trágico futuro. Rodrigo Santoro, no papel de Heleno, tem desempenho digno das maiores premiações nacionais e internacionais. Com certeza, muitos e merecidos prêmios virão para a obra.
No entanto, cabem algumas reflexões de outro teor. A palavra sífilis só é pronunciada uma vez, ao longo de todo o filme. A abordagem dos médicos, em relação ao tema da DST, se não me engano, ocorre em apenas duas ocasiões. Ainda assim, foram observações apáticas, sem mostrar qualquer enfático interesse em que o cliente se tratasse. Nas entrelinhas, era como se lhe dissessem: "O senhor tem sífilis e trate-se se quiser." Em relação às pessoas com quem Heleno mantinha relações sexuais, os médicos não esboçaram qualquer preocupação. Ficamos sem saber se as mulheres com quem ele se relacionou sexualmente também contraíram a doença. 
Ainda não foi dessa vez que a sífilis e as DSTs conquistaram uma boa visibilidade, na tela maior. Não foi dessa vez que médicos apareceram com condutas proativas em relação às doenças sexualmente transmissíveis. 
Aprendi que a arte não tem o compromisso de responder a questões, tampouco de trazer explicações. A arte deve, sim, inquietar, levar o espectador a refletir.
De algum modo, Heleno me inquietou. Não por ter alertado sobre a gravidade das questões ligadas às DSTs, mas por ter silenciado a esse respeito.
Precisamos atuar em todos os cenários, para que menos pessoas sofram de flagelos que há milênios afligem os seres humanos, a despeito de todos os conhecimentos científicos e de todos os recursos disponíveis para combatê-los.
Por fim, vale ressaltar que, independentemente do meu forte, e, muitas vezes, chato, viés de especialista em DST, recomendo o filme. É obra imperdível e traduz com perfeição a alta qualidade do cinema brasileiro da atualidade.

Mauro Romero Leal Passos
Chefe do Setor de DST da Universidade Federal Fluminense
Editor-chefe do Jornal Brasileiro de DST

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