terça-feira, 22 de maio de 2012

Cachoeira se cala na CPI, mas afirma que tem "muito a dizer" à Justiça

Fotos comparam a fisionomia do bicheiro Carlinhos Cachoeira, à direita, em julho de 2005, durante depoimento à CPI dos Bingos, e à esquerda, nesta terça-feira, na reunião da comissão que investiga as relações do contraventor com empresas e políticos.


UOL, 22/05/201216h30  
 

Em depoimento à CPI, Cachoeira se cala, mas afirma que tem "muito a dizer" à Justiça

 

Do UOL, em Brasília e em São Paulo
Ueslei Marcelino/Reuters

O bicheiro Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, se negou a responder todas as perguntas feitas por congressistas durante depoimento na CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) mista que investiga suas relações com parlamentares e outros agentes públicos. “Ficarei calado como manda a Constituição”, repetiu Cachoeira ao longo de duas horas e meia de depoimento, que começou às 14h desta terça-feira (22).
Cachoeira foi preso em fevereiro durante uma operação da Polícia Federal --ele é acusado de comandar um esquema de jogos ilegais de azar, além de outros crimes. Grampos telefônicos da PF apontam que o contraventor tinha relações estreitas com parlamentares e governadores, além de outros servidores.
O depoimento foi encerrado por volta das 16h30, após votação e decisão da maioria dos presentes. Cachoeira, entretanto, deve ser convocado outras vezes para depor à CPI.
Mais magro, sem os óculos, com olheiras e cabelos grisalhos, Cachoeira não demostrou desconforto com as perguntas dos parlamentares. “Como manda a lei, responderei constitucionalmente. Fui advertido pelos advogados para não dizer nada e não falarei nada aqui”, afirmou o contraventor, ao lado do advogado e ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, após a primeira pergunta, do relator Odair Cunha (PT-MG).
Os primeiros questionamentos foram sobre seus bens, como uma casa em Miami, e relações com empresas, como a construtora Delta. Após as primeiras respostas, o bicheiro começou a ironizar as perguntas e afirmou que só falará em juízo. “Tenho muito a dizer, mas só depois da audiência [na Justiça de Goiás].”
A postura do contraventor irritou o deputado Fernando Francischini (PSDB-PR), que pediu à presidência da CPI que os parlamentares fossem tratados com respeito e não "como palhaços". "Não brinque conosco. O senhor não pode vir aqui para jogar com quem quiser, ou para salvar da fogueira quem o senhor quiser", disse o tucano. Cachoeira apenas respondeu: "Quem forçou [a ida dele à CPI] foram os senhores".
Já o deputado líder do PPS na Câmara dos Deputados, Rubens Bueno (PPS-PR), aproveitou a sessão para ironizar a mensagem do deputado federal Cândido Vaccarezza (PT-RS) enviada ao governador do Rio, Sergio Cabral (PMDB) na última quinta-feira (17), na qual o petista disse ao mandatário carioca “você é nosso, e nós somos teu (sic)”. “Nós não somos teu (sic)”, afirmou Bueno a Cachoeira.
O deputado Carlos Sampaio (PSDB-SP) fez perguntas sobre a relação de Cachoeira com secretários de Agnelo Queiroz, governador do DF pelo PT. O bicheiro, como esperado, não respondeu aos questionamentos. O deputado petista Paulo Teixeira (SP), por sua vez, questionou o contraventor sobre as suspeitas de ligação entre ele e o governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB). Mais uma vez, Cachoeira se calou, e exibiu um leve sorriso.
O líder do PSDB no Senado, Alvaro Dias (PR), também perdeu a paciência com as mesmas respostas e chamou o bicheiro de “marginal” e tomado da “arrogância” de “quem é livre, e não preso”, como Cachoeira. O senador Fernando Collor (PTB-AL) questionou Cachoeira sobre supostas relações entre o contraventor e o jornalista Policarpo Júnior, da revista "Veja", mas outra vez o bicheiro permaneceu calado.
O deputado Chico Alencar (RJ), líder do PSOL na Câmara, criticou o direito evocado pelo contraventor: "Esta sessão não foi inútil”, disse. "Este é um silêncio cínico, um silêncio desrespeitoso." O também deputado federal Sylvio Costa (PTB-PE) satirizou o andamento da reunião. “Este silêncio não é o ‘silêncio dos inocentes’ [em referência ao filme com mesmo nome], é óbvio”, afirmou.
A senadora Kátia Abreu (PSD-TO) pediu a suspensão da reunião. "Estamos fazendo um papel ridículo diante deste senhor, que está nos manipulando, [estamos] perguntando para uma múmia. O que as pessoas em casa vão pensar de nós? Não vou ficar dando ouro para bandido”, reclamou a líder do PSD no Senado, que abriu o requerimento que acabou encerrando a reunião.



Caso Veja: Ecos do passado

18/5/2012 13:10,  Por Denise Assis - do Rio de Janeiro 


A História tem seus ciclos e estes tendem a se repetir. Porém, quando não tratada com seriedade e atenção, quando os fatos evidenciados em algum período não são devidamente esmiuçados e levados em conta pela sociedade, eles se repetem mais rapidamente. Com este nariz de cera assumido, pretendo desaguar nos fatos vindos à tona agora, com a CPMI do Carlinhos Cachoeira, com relação à revista Veja.
O que a revista Veja fez, nada mais é do que a repetição dos métodos de atuação do Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (Ipês), no período compreendido de 1962 a 1964, quando amparado de forma escancarada pela mídia, atingiu o seu objetivo: o golpe.
Foi desta e de outras formas, tais como as gordas doações para reforçar os cofres do instituto, que a sociedade civil participou da derrubada do presidente João Goulart.
Tivesse ele um cenário intrincado para governar, ou limitações para conduzir o momento político delicado, foi a campanha desenfreada, custeada por empresários, multinacionais e simpatizantes (incluindo os donos de veículos de Comunicação), que minaram o seu poder e despertaram na sociedade a ânsia por mudanças. Fosse da forma que fosse.
E da maneira que foi, um golpe, os destinos do país caminharam para os rumos sombrios que agora conhecemos e começamos a autopsiar. Esse é o risco. No calor da hora ninguém vislumbra a tragédia que está a um palmo do nariz. Importa apenas impor seus interesses e surrupiar o poder. E poder, hoje, não se limita à cadeira de presidente. Já se sabe. Pelo muito ou pouco que se ouviu das gravações vazadas, sabe-se que o poder hoje é o casamento da política com a economia, e de forma espantosa.
Ao mapear pioneiramente o incrível sistema montado por Golbery do Couto e Silva no Ipês, que acabaria desembocando na vitória do golpe, o cientista político René Armand Dreifus, (1964: A Conquista do Estado – Ação Política, Poder e Golpe de Classe – lançado em 1981) nos apontou a fórmula que hoje é usada por Veja. Outros autores trataram do tema, e em meu livro: Propaganda e Cinema a Serviço do Golpe, lançado em 2001, o assunto voltou a ser enfocado, desta vez aproximando a lupa na direção desse resultado: a atuação da mídia e do cinema enquanto armas de convencimento. Para o bem ou para o mal.
Não foi, portanto, falta de aviso, de que o método era eficiente. Quero crer que houve, sim, um alheamento conveniente, já que “os tempos eram outros”. Eram, mas o vento sempre pode virar. Com outra roupagem, agora com o auxílio de tecnologias mais sofisticadas, mas a mesma intenção: o poder. O que o grupo de Cachoeira não avaliou, no entanto, foi que a tecnologia pode falhar (vide o Nextel que permitiu o grampo, quando não era o esperado), ou pode trabalhar, agora, a favor dos caluniados. Não apenas os “grampos”, que isto é do tempo dos arapongas, mas a Internet, que está aí para infernizar a vida dos que pensam poder articular à sorrelfa contra o poder constituído, instituições, pessoas. Não podem. Em tempos de Carolina Dieckmann e de internautas politizados, a verdade termina por vir à tona.
Denise Assis é jornalista e colaboradora do Correio do Brasil.

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CartaCapital, ed. 698


Editorial

Lâmpada ou lanterna?

Por Mino Carta



Roberto Civita é dotado exclusivamente de certezas. Talvez se deva ao QI. Há 52 anos, em um dia de abril ou maio, vinha ao lado dele pela calçada de uma rua central de São Paulo a caminho da Editora Abril, onde eu aportara pouco antes, e eis que pergunta qual seria meu quociente de inteligência. Declaro ignorar, de fato nunca me submeti a exames psicotécnicos. Sorriso cesáreo, pronuncia um número e esclarece: “É o meu”. “Satisfatório, imagino”, comento. Mais que isso, premia um ser humano a cada 25 milhões de semelhantes. O Brasil tinha então 70 milhões de habitantes, donde deduzo: “Só pode haver mais dois iguais a você”. “Pode – admite, plácido –, mas a estatística inclui todos os terráqueos, de sorte que eu poderia ser o único.”
Roberto Civita tende mesmo a se considerar único, um Moisés chamado a conduzir a Abril à terra prometida. Pronto a pôr em prática, assim como o herói bíblico dividia as águas, as artes da mídia nativa, inventar, omitir, mentir. Tropeço entre atônito e perplexo na última edição da revista Veja, a qual impavidamente afirma, entre outras peremptórias certezas, a autoria da derrubada de Fernando Collor da Presidência da República em 1992. Comete assim, entre a invenção e a mentira, o enésimo lance clássico do jornalismo nativo ao contar um episódio tão significativo da história do País.
Um ex-diretor da Veja, Mario Sergio Conti, escreveu um livro, Notícias do Planalto, para sustentar que Collor foi eleito pelos jornalistas. Não sei se Conti é mais um dos profissionais que no Brasil chamam o patrão de colega. Claro está, de todo modo, que a mídia naquela circunstância executou a vontade dos seus barões, a contarem com a obediência pronta e imediata dos sabujos. E à eleição de Collor Veja ofereceu uma contribuição determinante não menos do que a das Organizações Globo. Agora gabam-se pelo dramático desfecho do governo interrompido e omitem que lhes coube a criação do monstro.
Os leitores recordam certamente a expressão “caçador de marajás”. Pois nasceu no berço esplêndido da TV Globo e foi desfraldada à exaustão pela capitânia da esquadra abriliana. Ocorre que o naufrágio collorido não foi obra desta ou daquela, e sim do motorista Eriberto, que prestava serviço entre o gabinete presidencial do Planalto, o escritório de PC Farias e a Casa da Dinda. Localizado pela sucursal de IstoÉ em Brasília ao cabo de uma exaustiva investigação, trouxe as provas que a CPI não havia produzido. É a verdade factual, oposta à versão da última edição de Veja.
Lembro aquele sábado de 1992 em que IstoÉ foi às bancas com as revelações decisivas, de sorte a obrigar os jornalões, a começar pelo O Globo, a reproduzir as informações veiculadas pela semanal que então eu dirigia. A entrevista de Pedro Collor a Veja, do abril anterior, não bastaria para condenar o irmão presidente, tanto que a CPI se encaminhava para o fracasso. Pedro, de resto, nada de novo dissera na entrevista, a não ser a referência a certos, surpreendentes supositórios de cocaína. No mais, repetira, um ano e meio depois, uma reportagem de capa de IstoÉ.
No fim de setembro de 1990, Bob Fernandes passou a acompanhar os movimentos de PC Farias por mais de um mês para desnudar, ao fim da tocaia, que o levou inclusive a hospedar-se no mesmo apart-hotel da eminência parda do governo, a culpa em cartório do presidente e seu preposto à corrupção. No dia do fechamento de IstoÉ, tarde de uma sexta-feira, fui visitado por um ex-colega, intermediário da tentativa de impedir a publicação. Veio ele melífluo, portador de um pedido partido de altos escalões (depois naquelas alturas identificaria a ministra Zélia, mais talhada para dançar bolero do que carregar a pasta da Economia), e eu prontamente apontei-lhe o caminho da rua. Nem por isso deixei de declinar a minha condição de empregado e admitir que meu patrão quem sabe pudesse ser seduzido com ouro, incenso e mirra. Não sei por que evoquei os magos na noite de Belém.
Logo, na prática, a sedução foi ensaiada em dólares, a bem da contemporaneidade, e Domingo Alzugaray, dono da Editora Três, recusou dignamente de 1 milhão a 5 milhões, até hoje ignoro o nível atingido pela derradeira oferta. Constatei depois, na costumeira troca de opiniões com meus botões, que os dólares teriam sido gastos inutilmente. A reportagem de capa caiu como pedra no pântano, não houve quem a repercutisse. Foi um daqueles momentos em que se recomenda o recurso à omissão.
Era cedo demais, teve de passar um ano e meio para que a mídia da casa-grande se convencesse de que o pedágio cobrado por Collor e PC era exorbitante. Apelou-se para o Pedro rebelde. Este episódio, desdobrado em pouco mais de dois anos de governo do “caçador de marajás”, é simbólico dos comportamentos dos nossos donos do poder, a partir da própria opção por Collor como anti-Lula. A tigrada em risco se dispõe a agarrar em fio desencapado.
O emblema é, porém, mais abrangente. Na sua patética edição desta semana Veja consegue demonstrar apenas que a lâmpada da capa é a enésima mentira. A série de textos pendurada no varal vejano estica-se na treva mais funda. Não se trata simplesmente de um manual de como o jornalismo pátrio atua, a inventar, omitir e mentir, mas também de mediocridade, parvoíce e ignorância. Em matéria, nos deparamos com uma obra-prima recheada por capítulos extraordinários na sua capacidade de suscitar tanto a hilaridade quanto o espanto.
Sem pretender hierarquizar na avaliação do ridículo e do grotesco, vale a afirmação de Veja que se apresenta como vítima do ataque conjunto da imprensa ligada aos setores radicais do PT e pela internet, entregue a robôs de militância petista. Programados pelos cientistas (aloprados?) do partido da presidenta e do ex-presidente? O Brasil, segundo a semanal da Abril, confunde-se com Rússia, Cuba e Venezuela, onde a liberdade de imprensa é violentamente cerceada, e com a China, de internet robotizada. Talvez a rapaziada de Veja tenha de racionar suas idas ao cinema para assistir à ficção científica estilo Matrix. Claríssima é, contudo, uma área que a Skuromatic não logra alcançar: a proposta de censura à internet, estampada com todas as letras por quem se apresenta como paladino da liberdade de expressão.
Passagem empolgante aquela em que Veja define Antonio Gramsci, notável pensador do século passado morto na cadeia fascista às vésperas da Segunda Guerra Mundial depois de 11 anos de cativeiro, autor de uma obra monumental intitulada Cadernos do Cárcere, que ele considerava como ensaio daquela a ser escrita em liberdade. A revista da Abril decreta: Gramsci é um terrorista vermelho, não menos que Lenin e Stalin. Pois é do conhecimento até do mundo mineral que Gramsci plantou as raízes da transformação do partidão italiano, enfim capaz de abjurar os dogmas marxista-leninistas e de se afastar do Kremlin para desaguar no eurocomunismo de Enrico Berlinguer, de pura, autêntica marca social-democrática. Permito-me propor à redação de Veja os nomes de um punhado de terroristas: Sócrates, Jesus Cristo, Montano, Lutero, Maquiavel, Pascal, Voltaire, Caravaggio, Daniel Defoe, Jonathan Swift, Garibaldi, Bolívar, Dostoievski, Espinoza. Há muitos outros, mas são estes que me ocorrem de chofre.
Não faltam, para fechar o círculo, as omissões. Por que não consta entre as façanhas vejanas a fantástica revelação das contas clandestinas no exterior de figurões variados do governo Lula, encabeçada por aquela do próprio presidente? E por que não se evoca a reportagem de sete anos atrás, sobre os dólares destinados a abastecer as burras petistas, chegados de Cuba em garrafas, com as mensagens dos náufragos? De rum, imaginariam vocês. Nada disso, de uísque. Nunca fica tão evidente, de limpidez ofuscante, que Veja é a revista do inventor da lâmpada Skuromatic.
Quando me demiti da direção da redação de Veja e de integrante do conselho editorial da Editora Abril, disse ao chairman of the board, Victor Civita: “Por nada deste mundo hoje trabalharia na Abril, entre outros motivos porque seu filho Roberto é um cretino”. O patrão retrucou, sem irritação evidente: “Não diga isso, diga ingênuo”. Dois dias antes, fevereiro de 1976, o filho me confessara, candidamente, que o então ministro da Justiça (Justiça?) Armando Falcão pedia a minha cabeça como condição do fim da censura e de um empréstimo de 50 milhões de dólares pela Caixa Econômica Federal.
É uma longa história, que já contei mais de uma vez. E eu me demiti, ao contrário do que escreveu Mario Sergio Conti, sabujo emérito, pronto a adotar a versão patronal, porque não queria um único, escasso centavo do inventor da lâmpada Skuromatic. Ou não seria lanterna, com a vantagem de ser carregada onde o usuário bem entenda?

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