Gazeta do Povo (Original New York Times), 02/05/2012
A morte de um conto de fadas
Paul Krugman
Por dois anos, maioria das autoridades econômicas foi refém de uma doutrina destrutiva, a austeridade.
Primeiro a boa notícia: as pessoas enfim começam a admitir que as
medidas de austeridade não estão funcionando. Agora a má notícia:
parece haver pouca probabilidade de mudança de rumo no curto prazo.Abril foi o mês em que a fadinha da confiança morreu.
Pela maior parte dos dois anos passados,
a maioria das autoridades econômicas na Europa e muitos políticos e
sabichões nos EUA estiveram cativos de uma doutrina econômica
destrutiva.
De acordo com ela, os governos deveriam
responder a uma severa depressão econômica não da maneira que os
manuais de economia recomendam - gastando mais para compensar a queda na
demanda privada-, e sim por meio de austeridade fiscal.
Os críticos alertaram desde o começo que austeridade, em um momento de depressão, só agravaria ainda mais o problema.
Mas os "austeros" insistiam em que o
oposto ocorreria. Por quê? Por causa da confiança! "Medidas inspiradoras
de confiança fomentarão, e não prejudicarão, a recuperação econômica",
declarou Jean-Claude Trichet, então presidente do Banco Central
Europeu (BCE).
Quanto à doutrina: apelos que mencionam
as maravilhas da confiança teriam parecido naturais para o presidente
Herbert Hoover -e confiar na fadinha da confiança funcionou tão bem para
a Europa quanto havia funcionado nos EUA durante a presidência de
Hoover (1929-1933). Em toda a periferia da Europa, da Espanha à Letônia,
políticas de austeridade criaram crises econômicas dignas da
depressão.
Nada disso deveria surpreender, já que há muito tempo é evidente que políticas de austeridade jamais cumprem o que prometem.
Mas os líderes europeus passaram anos
negando o óbvio, insistindo em que suas políticas estavam para começar a
funcionar, e celebrando supostos triunfos, mesmo que as provas
concretas quanto a eles fossem quase invisíveis.
Um exemplo notável é a Irlanda, cujos
sofridos habitantes foram mencionados como exemplo do sucesso das
medidas de austeridade no começo de 2010 e no fim de 2011.
Nas duas ocasiões, o suposto sucesso se
provou miragem; passados três anos da adoção de seu programa de
austeridade, a Irlanda ainda não demonstrou qualquer sinal de
recuperação real de uma crise que conduziu o índice de desemprego a
quase 15%.
Economia deprimida
No entanto, algo mudou nas últimas
semanas. Vários eventos – o colapso do governo holandês por conta de
medidas de austeridade propostas, a forte demonstração de uma vaga
postura anti-austeridade por parte de François Hollande no primeiro
turno das eleições presidenciais da França e um relato econômico
demonstrando que a Inglaterra está com uma crise pior agora do que nos
anos 1930 – parecem ter finalmente trespassado a muralha da negação. De
repente, todo mundo está admitindo que a austeridade não está
funcionando.
A questão agora é o que eles vão fazer a respeito. E a resposta eu temo que seja: não muita coisa.
Pois, embora os austeros tenham
desistido da esperança, eles ainda não desistiram do medo – isto é, da
alegação de que, se não cortarmos os gastos, mesmo numa economia em
depressão, vamos ficar iguais à Grécia, com custos de empréstimo
estratosféricos.
Agora, alegações de que apenas a
austeridade pode pacificar os mercados de obrigações têm se provado tão
equivocadas quanto as alegações de que a fada da confiança traria
prosperidade. Quase três anos se passaram desde que o Wall Street
Journal cansou de dar avisos de que o ataque dos “vigilantes das
obrigações” sobre o déficit dos EUA havia começado; não apenas os
custos de empréstimo permaneceram baixos, como eles, na verdade, ainda
caíram pela metade. O Japão recebeu avisos terríveis sobre seu déficit
durante mais de uma década; e, se eles fizerem um empréstimo a longo
prazo esta semana, terão uma taxa de juros de menos de 1%.
E analistas sérios agora defendem que a
austeridade fiscal numa economia deprimida é algo provavelmente fadado à
derrota: ao encolher a economia e prejudicar a renda a longo prazo, a
austeridade provavelmente fará a perspectiva da dívida piorar em vez de
melhorar.
Mas, embora a fada da confiança pareça
estar completa e verdadeiramente enterrada, as histórias assustadoras
sobre o déficit continuam populares. De fato, defensores das políticas
britânicas descartam qualquer possibilidade de se repensar essas
políticas, apesar de seu evidente fracasso, alegando que qualquer
relaxamento da austeridade faria com que o custo dos empréstimos
subisse.
Vivemos agora, então, num mundo de
políticas econômicas zumbi – políticas que deveriam ter sido mortas
pelas provas de que todas as suas premissas estão equivocadas, mas que
continuam se arrastando ainda assim. E ninguém tem ideia de quando esse
reino de terror terminará.
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