Viomundo, 8 de maio de 2012
Delegado Paulo Lacerda espera pedido de desculpas de Gilmar Mendes e Demóstenes
Por Bob Fernandes, no Terra Magazine
O
delegado Paulo Lacerda, que por seis anos e meio dirigiu a Polícia
Federal e a Abin durante os governos Lula, aguarda um pedido de
desculpas. Ele espera (talvez sentado) que Gilmar Mendes, ministro do
Supremo Tribunal Federal (STF) e o senador Demóstenes Torres reconheçam
as respectivas responsabilidades nos seus dois anos e meio de exílio.
Início
da tarde de 9 de setembro de 2008. A sessão vai começar em instantes. O
delegado Paulo Lacerda, diretor da Abin, está na ante-sala da Comissão
Mista das Atividades de Inteligência do Congresso Nacional. Uma dezena
de parlamentares na sala. Sorrateiro, quase sem ser notado, o senador
Demóstenes Torres (DEM-GO), ex-secretário de Segurança Pública de Goiás,
aproxima-se de Paulo Lacerda e diz:
–
Eu o conheço. Sei que o senhor é um homem sério e, com certeza, não
está envolvido com estes fatos, com grampos. Estou aqui pessoalmente
para lhe prestar minha solidariedade e demonstrar o meu apreço…
Exatos
dois meses antes, a Polícia Federal havia prendido o banqueiro Daniel
Dantas na Operação Satiagraha, comandada pelo delegado Protógenes
Queiroz, hoje deputado federal do PCdoB (SP).
No rastro da operação, e tornados personagens de reportagem da Revista Veja de 3 de setembro,
o senador Demóstenes Torres e Gilmar Mendes, ministro do Supremo
Tribunal Federal (STF), denunciaram: tinham sido grampeados pela Agência
Brasileira de Inteligência, a Abin, dirigida por Paulo Lacerda.
O
juiz Mendes, em companhia de outros ministros do STF, fora ao Palácio
do Planalto “chamar o presidente Lula às falas”. Paulo Lacerda seria
temporariamente suspenso de suas funções; depois, sob intensa pressão
política, seguiu para o exílio. Por quase dois anos e meio, com a
família junto, Paulo Lacerda foi Adido Policial na embaixada do Brasil
em Portugal.
Nessa tarde de 9 de setembro de 2008, Lacerda ouve, perplexo, a manifestação de solidariedade sussurrada por Demóstenes,
justamente um dos homens que o acusam de ter comandado grampos durante a
Satiagraha. Acusam-no de ter ordenado, ou permitido, escuta ilegal
contra um senador da República e um ministro do Supremo Tribunal
Federal.
Recuperado da surpresa, percebendo a pressa de Demóstenes, prestes a deixar a sala, Paulo Lacerda responde ao senador:
–
Que bom que o senhor pensa assim, que vê as coisas desse modo. A
sessão já vai começar e aí o senhor terá a oportunidade de dizer isso,
de dizer a verdade, e esclarecer as coisas…
– Tenho um compromisso, vou dar uma saidinha, mas voltarei a tempo – promete o senador Demóstenes Torres.
A sessão arrastou-se por horas. O senador Demóstenes, o acusador, não voltou.
Naquela tarde, o delegado Lacerda foi duramente questionado. E acusado de ter montado um esquema de grampos ilegais na Abin. Em vão, ele repetia:
– Não comandei, não participei, não compactuei, nem tomei conhecimento de qualquer ilegalidade no procedimento da Abin…
Naquele
dia, a estrela da comissão foi o senador Arthur Virgílio (PSDB-AM). Às
16h53, Virgílio perguntou a Paulo Lacerda se o ministro da Defesa,
Nelson Jobim, tinha mentido ao dizer que a Abin possuía “equipamento de
escutas”. Lacerda pediu ao senador para “fazer a pergunta a Jobim”.
Levemente
exaltado, com um tom avermelhado na pele, o político amazonense bradou:
disse não ser um “preso”, nem estar “pendurado” num pau-de-arara. E que
Paulo Lacerda não estava “numa delegacia” e, sim, numa sessão do
Congresso. Como acusado.
Fim da sessão. O senador Arthur Virgílio se aproxima de Paulo Lacerda e discorre sobre o que é a política:
– O senhor entende… eu sou da oposição, temos que ser duros…
Paulo
Lacerda é o delegado que comandou a prisão de PC Farias e a
investigação do chamado “Caso Collor”, quando mais de 400 empresas e 100
grandes empresários foram indiciados num inquérito de 100 mil páginas.
Tudo, claro, dormitou nas gavetas do Judiciário, ninguém acompanhou nada
e tudo prescreveu.
Anos
depois, no governo Lula e com o Ministério da Justiça sob direção de
Márcio Thomaz Bastos, por quase cinco anos Paulo Lacerda dirigiu – e
refundou – a Polícia Federal. A PF teve, então, orçamento que jamais
teve ou voltaria a ter.
Mais
de 5 mil operações foram realizadas, centenas de criminosos de
“colarinho branco” foram presos, o PCC foi atacado em seu coração
financeiro. Na Satiagraha, a PF, já sob direção de Luis Fernando
Correa, dividiu-se. Uma banda trabalhou para prender Daniel Dantas e os
seus. Outra banda trabalhou contra a Operação; com a estreita
colaboração, digamos assim, de jornalistas e colunistas que seguem por
aí.
Paulo Lacerda, no comando da Abin, foi acusado por um grampo que nunca ninguém ouviu, que, pelo até hoje se sabe, nunca existiu. Demóstenes e Gilmar Mendes, por exemplo, nunca ouviram o suposto grampo; souberam por uma transcrição.
De resto, aquele teria sido um grampo inédito na história da espionagem. Não flagrou nenhum conversa imprópria. Um grampo a favor.
A
Polícia Federal, ao investigar o caso, não encontrou vestígio algum de
grampo feito pela Abin. Mas, claro, a notícia de inexistência do grampo
saiu em poucas linhas, escondida, aqui e ali.
Quase
quatro anos depois, caiu a máscara de Demóstenes Torres, o homem de
muitas faces. Uma delas abrigava em seu gabinete uma enteada do amigo, o
ministro Gilmar Mendes.
Paulo
Lacerda voltou do exílio. Toca sua vida. E aguarda que Demóstenes
Torres e Gilmar Mendes, entre tantos outros, lhe peçam desculpas.
PS do Viomundo:
O caso do grampo sem áudio e o exílio de Paulo Lacerda são dois dos
episódios mais grotescos da história recente do Brasil. Sabemos hoje que
Jairo Martins, o que grampeava, serviu ao mesmo tempo a Cachoeira (ou seja, a Demóstenes) e foi “personal araponga” de Gilmar, segundo o Estadão, citado no relatório da Procuradoria-Geral da República
sobre a operação Monte Carlo. Jairo poderia, em tese, ter gravado o
diálogo espírita entre Demóstenes e Gilmar, reproduzido por Veja para
comprometer a Satiagraha — livrando o banqueiro Daniel Dantas — e Paulo
Lacerda. Felizmente, Jairo poderá esclarecer o episódio quando for
chamado a depor. Quanto aos jornalistas e colunistas que, segundo Bob
Fernandes, “seguem por aí”, são aqueles que propagaram as versões
condenatórias de Paulo Lacerda de forma acrítica e sem ouvir o outro
lado, que tanto dizem respeitar. Basta consultar os arquivos.Por unanimidade, Conselho de Ética decide abrir processo contra Demóstenes
Luciana Lima
Brasília - Por unanimidade,
o Conselho de Ética do Senado decidiu abrir processo disciplinar por
quebra de decoro parlamentar contra o senador Demóstenes Torres
(sem partido - GO). Em votação aberta e nominal, os integrantes do
conselho aprovaram hoje (8) o relatório do senador Humberto Costa
(PT-PE).
Caso
seja decidido que Demóstenes faltou com o decoro, em sua relação com o
empresário de jogos ilegais de Goiás Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos
Cachoeira, a punição prevista é a cassação do mandato de senador.
Carlinhos
Cachoeira está preso desde o dia 29 de fevereiro, acusado de comandar
uma rede criminosa envolvendo políticos. Essas ligações foram
investigadas nas operações Vegas e Monte Carlo, da Polícia Federal, que
flagraram conversas entre Demóstenes e Cachoeira.
A
representação contra Demóstenes no Conselho de Ética foi apresentada
pelo PSOL. O parecer enfatizou o caráter político do processo no
Conselho de Ética e as contradições identificadas nas posturas adotados
pelo parlamentar em diferentes momentos de sua defesa.
Humberto Costa, no relatório, também fundamentou que o que está em jogo é a imagem do Senado e não só a do senador.
Ele argumentou ainda que Demóstenes entrou em contradição ao se dizer
contrário à legalização dos jogos e defender, nas votações do Senado, a
legalização dos bingos.
Também
hoje, na parte da tarde, a comissão parlamentar mista de inquérito
(CPMI) instalada para investigar os negócios de Cachoeira com agentes
públicos e privados tomará o primeiro depoimento. O presidente da CPMI
do Cachoeira, senador Vital do Rêgo, acompanhou parte da votação do
Conselho de Ética.
Os
deputados e senadores da comissão ouvirão o delegado da Polícia Federal
Raul Alexandre Marques Sousa, responsável pela investigação da Operação
Vegas, que desvendou um esquema de exploração de caça-níqueis e
contratos públicos comandado por Cachoeira.
Edição: Talita Cavalcante
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