sexta-feira, 31 de março de 2017

Dois juízes e a conta, por favor!


http://extra.globo.com/noticias/brasil/contra-a-corrente/dois-juizes-a-conta-por-favor-21141376.html




Extra, 31/03/17




Dois juízes e a conta, por favor!



Por Felipe Pena
 


Michel Temer pediu o cardápio. Gilmar Mendes se antecipou ao amigo e o tirou da mão do garçom: "posso pedir vistas, presidente?"

- Claro, meretríssimo – respondeu Michel.

- De entrada, que tal um queijo Gonzaga com lascas de tomate?

- Ótima escolha, Gilmar. Mas esse prato demora muito. Os tomates só estarão maduros no dia 16 de abril. Se quisermos algo pra hoje, terá que ser este outro aqui mesmo – disse, apontando para um queijo mais amargo.

- Calma, Michel. Quem está vendo o cardápio sou eu. Minhas vistas, minhas escolhas. OK? Apenas obedeça.

- Obedecer-te-ei, meu caro. Mas estou com fome. Veja o que temos como prato principal, por favor.

- Taquilpa, Michel!! Taquilpa!! Apressado come cru! Já disse que o pedido de vistas pode demorar o tempo que quisermos. A alta gastronomia é assim, lenta e conservadora.

- Vossa excelência frequenta a alta gastronomia há muito tempo. Eu o respeito. A escolha é sua.

- Então vamos pedir uma pizza de vieiras.

- Pizza? Mas esse é um prato rápido, Gilmar. E não tem nada a ver com a alta gastronomia.

- Só que a Vieira demora dois meses pra cozinhar. Fica pronta apenas em maio e dá um requinte especial à pizza.

- Mas será que podemos esperar tanto?

- Claro que podemos. Como disse, estamos apenas pedindo vistas, Michel.

- Muito bem. Então, deixa que eu pago a conta. Garçooom...!!!!

- Já está paga, Michel.

- Já está? Por quem?

- Olhe em volta, presidente. São eles que vão pagar.

E soltaram gargalhadas que ecoariam por todo o restaurante até o final de 2018.


*Jornalista, escritor e psicanalista. Doutor em literatura pela PUC-Rio, com pós-doutorado pela Sorbonne III, foi visiting scholar da NYU e é autor de 15 livros, entre eles o ensaio 'No jornalismo não há fibrose', finalista do prêmio Jabuti.

Desmonte do BNDES - Desenvolvimento para quem?

http://jornalggn.com.br/noticia/desmonte-do-bndes-desenvolvimento-para-quem

 



31/03/17



do Clube de Engenharia

Desmonte do BNDES - Desenvolvimento para quem?



Comunicado do Banco Central publicado hoje detalha os procedimentos para modificar item relevante da política operacional do BNDES, a taxa de juros de longo prazo (TJLP) aplicada aos contratos prioritários. É um golpe mortal na atuação do órgão que promove, há mais de sessenta anos, o desenvolvimento brasileiro.

O objetivo da alteração busca assemelhar a taxa de juros cobrada pelo BNDES - órgão de Estado - àquela cobrada pelos bancos privados, a taxa de Mercado. Embora pelas regras estabelecidas essa transição deva ocorrer em cinco anos, a medida constitui o inverso do que seria necessário para a retomada do investimento em atividades produtivas. Vem na contramão da retomada do desenvolvimento sustentável.


Ademais, busca-se também induzir a securitização da carteira de contratos ao BNDES, ampliando-se a oferta de títulos, de boa qualidade, no mercado financeiro. Isso corresponderá, inclusive, a um fortalecimento desse mercado. Para o BNDES significará uma mudança profunda na tradicional composição de seu funding reduzindo a necessidade de aporte de recursos do Tesouro Nacional.

É o Estado trocando o seu desenvolvimento econômico, soberano, sustentável e socialmente inclusivo pelo fortalecimento do mercado financeiro. Isso é inadmissível!

Gerando milhões de Daniel Blakes




 
 



http://www1.folha.uol.com.br/colunas/laura-carvalho/2017/03/1870968-exigir-25-anos-de-contribuicao-criara-milhoes-de-daniel-blakes.shtml





Folha.com, 31/03/17




Gerando milhões de Daniel Blakes



Por Laura Carvalho​



​Como já havia indicado na coluna "O velho Brasil", ajustes no sistema previdenciário serão sempre necessários para adaptar-se às mudanças demográficas de cada país. A pergunta crucial — e que, finalmente, vem ganhando algum espaço no debate brasileiro sobre a reforma da Previdência — é se as mudanças propostas pelo governo contribuirão para a ampliação das desigualdades ou, ao contrário, reduzirão sobretudo os privilégios. 
 
A resposta a essa pergunta e a eventual elaboração de propostas alternativas que confiram mais atenção aos efeitos distributivos do sistema previdenciário — evitando que os mais vulneráveis paguem o pato — devem distinguir entre os vários aspectos da reforma proposta. 

Quanto ao sistema previdenciário atual, como revela estudo de Marcelo Medeiros e Pedro Ferreira de Souza, do Ipea, é necessário analisar separadamente o RPSS (regime de previdência especial dos servidores públicos) e o RGPS (regime geral de previdência dos trabalhadores CLT). 

Os dados mostram que o sistema de servidores ainda contribui para elevar a desigualdade, enquanto o sistema geral contribui para reduzi-la. 

As aposentadorias de servidores com benefício acima do teto do INSS, que beneficiam 1% da população, são as principais responsáveis por esse resultado e respondem por 7% de toda a desigualdade de renda do país. 

Importante ressaltar, no entanto, que os funcionários civis da União que entraram depois de 2013 já não terão direito à aposentadoria integral: estão sujeitos ao teto do INSS e contribuem para uma previdência complementar. 

Ainda que leve algum tempo, essa mudança por si só resolverá não apenas o caráter concentrador de renda do sistema mas também boa parte do deficit previdenciário calculado pelo governo, do qual mais da metade refere-se ao sistema de previdência dos servidores federais. 

Quanto aos efeitos da reforma proposta, entre os diversos argumentos propagados pelos economistas do governo para defender que a reforma atacará sobretudo os mais privilegiados, há um que merece maior consideração: como a grande maioria dos mais pobres já se aposenta por idade, o estabelecimento de uma idade mínima de 65 anos afetará essencialmente aqueles que recebem benefício maior, que hoje se aposentam por tempo de contribuição. 

Ainda que a nova idade mínima também vá adiar a aposentadoria das mulheres mais pobres, é verdade que o problema maior da reforma, no que tange aos seus efeitos distributivos, não é a idade mínima de 65 anos. Os pontos que mais prejudicarão os mais vulneráveis são a exigência de tempo mínimo de contribuição de 25 anos para todos os trabalhadores e a desvinculação do BPC do salário mínimo. 

Dado o grau de informalidade do nosso mercado de trabalho, comprovar 25 anos de trabalho já não seria nada fácil para os trabalhadores mais pobres, sobretudo em áreas rurais. Exigir 25 anos de contribuição mensal desses trabalhadores equivale, na grande maioria dos casos, a eliminar totalmente sua possibilidade de aposentadoria.

Seriam milhões de novos Daniel Blakes na Amazônia, no sertão e nas favelas brasileiras. A maior parte deles migraria — aos 70 anos somente, pela nova regra — para o BPC, que se destina a todos os que têm renda per capita familiar inferior a um quarto de salário mínimo ou alguma deficiência comprovada. 

Receberiam então um benefício que, pela desvinculação proposta, pode vir a ser menor que um salário mínimo a depender da disputa pelas fatias do Orçamento. 

Os economistas do governo, pelo visto, querem que desconfiemos mais dos beneficiários mais pobres do que da boa vontade do Congresso. ​

*Professora do Departamento de Economia da FEA-USP com doutorado na New School for Social Research (NYC). ​

quinta-feira, 30 de março de 2017

Diretoria golpista da Petrobras esconde fatos para facilitar privatização

http://esquerdaonline.com.br/2017/03/30/indicados-de-temer-na-petrobras-escondem-fato-relevante-para-facilitar-privatizacao/



Esquerda on Line, 30/03/17





Indicados de Temer na Petrobras escondem fato relevante para facilitar privatização



Por Daniel Tomazine



Em 06 de outubro de 2016, a Petrobras anunciou que estava negociando a venda dos campos de águas rasas de Baúna (100%) e Tartaruga Verde (50%), situados nas bacias de Santos e Bacia de Campos, respectivamente.

Após ação judicial solicitada pelo SINDIPETRO Sergipe e Alagoas, no Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5), a venda foi suspensa, pois no entendimento dos magistrados de primeira, segunda e terceiras instâncias, a venda não cumpria critérios necessários para a sua legalidade, como a abertura de licitação. O caso foi parar nas mãos da ministra Cármem Lúcia, no Supremo Tribunal Federal (STF).

Agora, surge um escândalo. A Petrobrás, através de sua diretoria, escondeu dos tribunais, dos acionistas e, principalmente, de seus trabalhadores e do povo brasileiro, que a proposta da australiana Karoon Gas era falsa. Estava embasada na parceria da Karoon com a maior petroleira australiana, a Woodside Energy. Isto porque o capital social da Karoon é três vezes menor do que a oferta feita para os três campos juntos, que já estavam muito aquém de seu verdadeiro valor. Como uma empresa de U$ 450 milhões quer comprar ativos no valor de U$ 1,6 bilhões? A Karoon se apoiaria na Woodside. Porém, esta não participaria do negócio, como a mesma informou à Petrobras (ver cronologia e anexos).

A decisão da primeira turma do TRF-5 foi realizada no dia 15 do mesmo mês. A Petrobrás sabia, desde o dia 7 de outubro, que a proposta era insustentável, mas manteve esse segredo guardado até agora, após a Exmª Ministra Cármem Lúcia se manifestar contrária à venda.

Quatro perguntas ficam no ar:

1) Por que Pedro Parente e seus diretores não se asseguraram, como é usual no mundo dos negócios, com uma Letter of Compliance da Woodside endossando a proposta da Karoon?

2) Por que Pedro Parente e sua diretoria precisaram esperar fevereiro de 2017 para entender que a Woodside estava fora, se a própria empresa já tinha deixado claro desde a teleconferência de novembro de 2016 que “we could not support Karoon’s bid” (“nós não podemos apoiar a proposta da Karoon”)?

3) Por que a Petrobrás não revelou Fato Relevante ao Mercado a respeito disso, como determina a CVM e continua fingindo que o negócio transcorre regularmente?

4) Por que a Petrobrás juntou esses documentos no STF (querendo provavelmente evitar uma derrota na mais alta corte), mas segue sem informar o assunto ao TRF-5?

A camarilha que se apossou da direção da Petrobras não tem nenhuma responsabilidade com a soberania energética do país, ou com o patrimônio da empresa. Têm por objetivo a sua entrega ao capital estrangeiro a qualquer custo. O objetivo do governo Temer, operacionalizado por Pedro Parente e seus seguidores é o de enfraquecer a Petrobrás e torná-la apenas mais uma das empresas privadas que atuam no mercado de petróleo, deixando parte de suas atuais reservas para as gigantes imperialistas, como Shell, BP, Total, e até mesmo nanicas como a Karoon, que precisou simular uma parceria com uma empresa maior.

É urgente a responsabilização da diretoria da Petrobras por essas irregularidades. Há uma prova irrefutável da temeridade das transações realizadas a título de vendas de ativos. Todas devem ser suspensas e revistas pelo próprio vício do processo.

Por fim, o último balanço demonstrou que não é a venda de ativos que está alavancando o lucro operacional da companhia, e sim o aumento da produção no pré-sal, a recuperação parcial do preço do barril do petróleo e do valor do Real frente ao Dólar. Os ativos que estão sendo vendidos comprometerão a geração de caixa a empresa no curto, médio e longo prazo e pode, aí sim, inviabilizar a sustentabilidade do endividamento da Petrobras no futuro. O único efeito, portanto, da venda de ativos é a dilapidação do patrimônio da Petrobras, que por direito pertence ao povo brasileiro.

Abaixo, segue resumo da cronologia recente, em que se evidencia que Pedro Parente já sabia que o negócio era uma farsa, mesmo antes de recorrer com um agravo no STJ:
 
15 de fevereiro de 2017: a PETROBRÁS recebeu carta da WOODSIDE, onde essa afirmava que, desde 7 de outubro de 2016, a KAROON havia informado à PETROBRÁS que a primeira não fazia parte do negócio em questão;
 
22 de fevereiro de 2017: ainda no STJ, a PETROBRÁS interpôs Agravo Interno, para tentar reverter a decisão que suspendia a venda dos dois campos;
 
16 de março de 2017: após a declinação de competência, os autos são remetidos do STJ para o STF;
 
22 de março de 2017: a Exmª Ministra Carmen Lúcia proferiu despacho, sem deferir a liminar pretendida pela PETROBRÁS;
 
23 de março de 2017: no dia seguinte, a PETROBRÁS desistiu da ação.
 

ANEXO – Confira, abaixo, os documentos da Karoon e da Woodside para a Petrobras

Carta de WOODSIDE para PETROBRAS.pdf

Carta Woodside (traduzida)

Proposta da KAROON para a PETROBRAS.pdf

Proposta Karoon (tradução)

Moro dá às palavras o sentido que quer

http://www.conjur.com.br/2017-mar-30/senso-incomum-moro-palavras-sentido-direito-atraves-espelho





Conjur, 30/03/17



Moro dá às palavras o sentido que quer! O Direito através do espelho!



Por Lenio Luiz Streck*




Não bastassem tantas polêmicas o envolvendo, — como a recente ilegal e arbitrária condução coercitiva e a violação do sigilo da profissão do blogueiro Eduardo Guimarães — Sergio Moro não pode ficar 24 horas sem os holofotes. Falem mal, mas falem. Agora ele mesmo está deixando de cumprir algo que assinou. Incrível. E o que assusta é o modo como ele decide e o silêncio eloquente dos democratas. Poucos reclamam.

O que quero falar e denunciar é a ilegalidade flagrante da possibilidade do uso da imagem do ex-presidente Lula no filme sobre a Policia Federal (que por certo, dará o Oscar para Pindorama — já imagino a Glória Pires comentando o filme sem tê-lo visto). Já denunciei aqui que os atores do filme “oscarizando” fizeram um tour pelas celas, porque queriam ver os “dentes dos presos”.

Lembremos que no despacho em que autorizou a condução coercitiva de Lula, Moro afirmou que "NÃO deve ser utilizada algema e NÃO deve, em hipótese alguma, ser filmado ou, tanto quanto possível, permitida a filmagem do deslocamento do ex-presidente para a colheita do depoimento". Atenção: os dois “NÃOS” maiúsculos são da ordem original de Moro.

Pronto: não deve ser filmado em hipótese alguma. Não deve ser permitida, tanto quanto possível a filmagem (por terceiros e pela própria Polícia Federal) do seu deslocamento. O que se entende disso? Que qualquer filmagem do ex-presidente sendo conduzido estava proibida. Qualquer filmagem. E a filmagem de seu deslocamento (foi de carro até o aeroporto) também não devia ser permitida. Portanto, qualquer filmagem é ilegal. Írrita. Nenhuma. Ou seja; se em hipótese alguma deveria haver filmagem, mesmo que alguma fosse feita, por óbvio não poderia ser utilizada pela Polícia Federal. E nem cedida a qualquer diretor de filmes. Simples assim.

Pois bem. Diante de revelações feitas para diferentes veículos de comunicação, nas quais atores do já famoso filme e até mesmo o diretor afirmam — sem nenhum segredo — que tiveram acesso aos vídeos gravados pela Polícia Federal, a defesa de Lula apresentou nova petição no dia 27 de março de 2017. Os advogados de Lula juntam entrevista do produtor do filme, Tomislav Blazic, na qual afirma ao jornal Folha de S.Paulo que havia feito “acordo sem precedentes” com a Polícia Federal. Vejam: “acordo sem precedentes”. Sem querer, acertou: não há precedentes de tamanha bizarrice.

O que mais precisa demonstrar? O filme pronto e o estrago feito? Na Idade Média era permitida a tortura por ordem judicial. Mas o réu podia interpor recurso para a instância superior. Com um detalhe: não tinha efeito suspensivo. Bingo. Algo como o que está ocorrendo com os estragos feitos por determinadas decisões judiciais pindoramenses. Feito o estrago, depois vem ou um pedido de desculpas ou uma “explicação” tipo “dou-me conta de que, de fato, blogs podem ser equiparados a jornais”. Mas aí Inês já é morta.

A primeira petição dos advogados foi respondida com uma sutil ironia pelo juiz Sergio Moro, que afirmou que não podia impor censura a veículos de comunicação ou mesmo à produção de algum filme. Bingo de novo. Genial. Ele proíbe a filmagem e depois, uma vez usada à socapa e à sorrelfa essa filmagem, lava as mãos, posando de liberal porque não pode impor censura. Desta vez o Brasil ganha ou o Oscar com a película ou o Nobel pela decisão “anticensura”.

A parte melhor da decisão de Moro é quando afirma que a petição dos advogados de Lula se baseava apenas em reportagem jornalística, não sendo apresentada qualquer gravação durante a condução coercitiva. Para Moro, se qualquer veículo de comunicação ou produção do filme tivesse tido acesso às imagens, provavelmente estas já teriam sido disponibilizadas.

“Provavelmente” é bom, não? Mas o Direito lida com “provavelmente”? E se tivessem sido disponibilizadas as gravações? Isso resolveria o quê? Por óbvio que o tal filme não pode utilizar as imagens de Lula sendo conduzido coercitivamente. Mesmo que Moro não tivesse dito que NÃO (e disse), ainda assim não poderiam usar.

Há de ter um Tribunal neste país que barre esse tipo de autoritarismo e ilegalidade. O filme está quase pronto. Se for lançado e isso não tiver sido resolvido, estaremos em face do “fator tortura do medievo”: uma vez torturado, adianta ganhar o recurso se o ferro quente já lanhou o lombo do vivente?

Será que ainda há juízes em Berlim? Porto-me, aqui, como o Moleiro de Sans Souci (ver vídeo Direito & Literatura aqui — não é longo; podem olhar). O Imperador Frederico pode tudo ou pensa que pode tudo. Mas, como disse o pobre Moleiro, não tiro o meu moinho daqui nem a pau, Juvenal (essa parte do “nem a pau Juvenal” parece que não consta na frase original do Moleiro — não sou cineasta, mas faço minha licença poética). O Moleiro tinha certeza que, mesmo contra o poder despótico do Imperador da Prússia, haveria de ter um juiz que lhe daria razão. Bingo para o moleiro. Esse moleiro deveria vir ministrar aulas nas faculdades de Direito de Pindorama.

Enfim, a literatura sempre corre à frente do Direito. Por exemplo, as decisões de Moro parecem a manifestação do personagem Humpty Dumpty, de Alice Através do Espelho, de Lewis Caroll. Ali ele, o personagem Humpty Dumpty, dá às palavras o sentido que quer. Para quem não leu: discutindo sobre o papel do “desaniversário”, Humpty Dumpty diz para Alice que é melhor que haja 364 dias destinados ao recebimento de presentes — que são os desaniversários — e somente um de aniversário. É a glória para você, aduz Humpty, pois poderá receber, em vez de um, 364 presentes. Ela responde: mas isso não pode ser assim. E Humpty Dumpty complementa: “Quando eu uso uma palavra, ela significa exatamente o que quero que ela signifique: nem mais, nem menos”. Como consta no livro, é o fim “demolidor” de uma discussão.

Por isso, feliz desaniversário, Dr. Sergio Moro. Afinal, mesmo que hoje não seja o seu aniversário (que, como sabemos — e é também o meu caso — só ocorre uma vez por ano), podemos comemorá-lo em qualquer dia dos outros 364. Afinal, as palavras valem o que queremos que elas valham, certo?

Mundo, mundo, vasto mundo; se eu me chamasse Raimundo, seria uma rima... mas não seria uma solução, dizia Carlos Drummond de Andrade. Nem vou falar do juiz Azdak, do livro O Círculo de Giz Caucasiano, também adaptável à situação. Mas o texto ficaria longo e nestes tempos de pós-verdades, isso afasta o leitor, que gosta mesmo é de drops. De todo modo, para quem quiser, eis o vídeo do programa Direito & Literatura (ver aqui).


* Jurista, professor de Direito Constitucional e pós-doutor em Direito.

quarta-feira, 29 de março de 2017

O escárnio de Temer com as concessões de rádio e TV


https://www.cartacapital.com.br/blogs/intervozes/o-escarnio-de-temer-com-as-concessoes-de-radio-e-tv?utm

 




CartaCapital, 29/03/16




O escárnio de Temer com as concessões de rádio e TV




Por Bia Barbosa*





A imprensa toda noticiou e o empresariado de radiodifusão comemorou as mudanças no marco regulatório do setor, publicadas na quarta-feira 29 no Diário Oficial da União. Para a Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e TV (Abert), foi “a maior vitória dos últimos 50 anos”.

Quem quiser entender de fato o que mudou nas normas que as concessionárias devem respeitar – as poucas em vigor no país – não vai achar muita explicação nas matérias e reportagens. O discurso que prevaleceu foi o da “desburocratização para apoiar as empresas”. 

O ministro Gilberto Kassab falou em “liberdade para os empreendimentos”. E Michel Temer, na cerimônia de sanção da lei no Palácio do Planalto, chegou a afirmar que as novas regras são uma “contribuição à imprensa livre”. Com o perdão do trocadilho infame, só se for “livre de obrigações”.

Uma simples leitura do texto da Medida Provisória sancionada – que agora já é lei – revela o tamanho do escárnio com que este governo passa a tratar o serviço de radiodifusão. Entre o envio para o Congresso Nacional no final de 2016 e a sanção nesta terça-feira, a MP 747 ganhou requintes de crueldade para qualquer um que acredita que o interesse público deveria ser o condutor dos processos de licenciamento das outorgas de rádio e TV no Brasil.

Por incrível que pareça, num país em que as concessões sempre foram usadas como moeda de troca política, foi possível piorar o procedimento das licenças. E agora não é nenhum exagero afirmar que o empresariado da radiodifusão pode fazer o que bem entender com este bem que, vale lembrar, é público.

Vejamos:

1. Anistia nos prazos para renovação

Pelas novas regras, todo concessionário que tenha perdido o prazo para renovar suas outorgas ganha de presente 90 dias para fazê-lo. Não interessa se o atraso foi de um mês ou de dois anos. Todo mundo poderá fazer o pedido agora. Aquelas emissoras que já pediram a renovação, mas o fizeram fora do prazo – inclusive as que o Executivo já tinha revogado a licença justamente pelo atraso na solicitação da renovação –, também ganham mais uma chance para recolocar seus canais em funcionamento, caso o Congresso Nacional ainda não tenha se manifestado sobre o caso. 

E, daqui pra frente, se mais alguém se esquecer de pedir para renovar suas outorgas dentro do prazo, caberá ao Estado brasileiro a tarefa de avisar as empresas sobre isso.

Ou seja, em vez de retomar as outorgas que foram abandonadas pelas empresas que não pediram sua renovação e abrir novos processos de licitação, para que outras empresas ou atores possam participar da disputa por um espaço no espectro eletromagnético, o governo Temer “facilitará” a vida de antigos radiodifusores, para que eles voltem a operar, agora “dentro da lei”.

A mesma anistia foi concedida às rádios comunitárias, depois de muita pressão, sobretudo da Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (Abraço), porque a proposta inicial de Temer era conceder o benefício apenas às comerciais.


2. Renovação mais do que automática

Foi excluído do texto da lei a previsão de cumprimento de “todas as obrigações legais e contratuais” e o atendimento “ao interesse público” como requisito para o direito à renovação das outorgas. Já se sabe que o processo de renovação das licenças de rádio e TV no Brasil é quase automático, sendo necessário o voto aberto de dois quintos dos deputados e senadores, em sessão conjunta do Parlamento, para que uma concessão não seja renovada.

Agora, as obrigações que tinham de ser respeitadas – pelo menos segundo a letra da lei – desapareceram. Se o (antigo) Ministério das Comunicações (hoje Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações) já pouco fiscalizava o cumprimento dessas “obrigações legais e contratuais” e nada olhava para o atendimento “ao interesse público” no momento de renovar licenças, agora isso nem mais será solicitado.

Pelas mudanças que entraram em vigor, as empresas também não precisam mais demonstrar ou comprovar que possuem recursos técnicos e financeiros para participar de um edital de concessão de outorgas. Tudo em nome da “desburocratização” dos processos...


3. Cotas pra quem quiser

Pela regra em vigor antes da edição da Medida Provisória, qualquer alteração nos objetivos sociais das empresas concessionárias, assim como cessões de cotas e ações que alterassem o controle societário das empresas, deveria ser previamente autorizada pelo Executivo.

Isso porque, em teoria, há (mínimas) regras anti-concentração na propriedade dos canais que devem ser respeitadas no País. Mas isso também caiu com a nova lei de Temer. Agora, basta que as empresas informem o governo sobre as alterações feitas.
A cereja do bolo é que aquelas que fizeram alterações ilegalmente sem a autorização prévia do ministério, quando a lei anterior ainda valia, ganham agora 60 dias para informar o governo das mudanças, sem qualquer prejuízo para continuarem funcionando normalmente.

O que segue dependendo de autorização prévia do Estado é somente a transferência total e integral da concessão para outra empresa, numa prática já bastante conhecida, chamada “comércio de outorgas”. Na avaliação de procuradores do Ministério Público Federal, a venda e transferência total de licenças de rádio e TV para terceiros viola totalmente a legislação brasileira, ao ignorar processos licitatórios e permitir o enriquecimento ilícito de empresários da radiodifusão com a comercialização de um bem (a frequência eletromagnética) que é público.

Mas o governo federal sempre autorizou as transferências diretas e indiretas, e nada nunca foi feito. Isso continua como está, claro. Mas os radiodifusores também ganharam uma ajudinha: a transferência agora está liberada inclusive para as outorgas que estiverem funcionando em caráter precário, ou seja, que ainda não tiverem seus processos de renovação concluídos dentro do Estado brasileiro.


Ação entre amigos

É essa a “liberdade para empreender” que o ministro Kassab defende; é essa “a maior vitória dos últimos 50 anos” para a Abert: oficializar o uso e exploração privada e particular das outorgas por meio do mercado, reduzindo as obrigações que os concessionários devem respeitar, anistiando todos aqueles que não tiveram a mínima capacidade de solicitar a renovação de suas licenças dentro dos prazos e legalizando um verdadeiro balcão de negócios das concessões de rádio e TV.

Para não dizer que não falamos do único veto de Temer às normas que o Congresso pariu a partir de sua MP 747, segue o informe: por orientação da Casa Civil, foi excluído do texto sancionado a autorização para que políticos detentores de foro privilegiado pudessem ser diretores ou gerentes de rádios comunitárias.

Hoje a lei proíbe que eles exerçam essa função em qualquer tipo de emissora. O Congresso queria liberar os cargos em emissoras comunitárias – afinal, várias delas são de propriedade de políticos. O governo não concordou e manteve a proibição para todas, provavelmente atendendo a um pedido de sua aliada de primeira hora, a Abert, que sempre combateu ferozmente a concorrência das comunitárias.

E tem gente que ainda diz que não foi golpe. 


*Jornalista, mestre em Políticas Públicas (FGV), coordenadora do Intervozes e Secretária Geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação. 

terça-feira, 28 de março de 2017

O país do "somos todos Ronaldinhos"...

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Jornal GGN, 28/03/17





O país do "somos todos Ronaldinhos"...



Por Eduardo Ramos




...o país do "somos todos Ronaldinhos"... ou "do narcisismo nonsense enquanto doença social perversa..." . Não há muita diferença intelectual e psíquica entre Ronaldo-Fenômeno, cracaço de bola brasileiro e os brasileiros de nossa elite social e classe média alta. Se observarmos os argumentos de nossos amigos e familiares, mesmo os com grande cultura acadêmica, mestrados, doutorados, viagens pelo mundo afora, percebemos apenas que o "VERNIZ" destes últimos é mais requintado que o verniz do ex-jogador, apenas isso. No mais, são ABSOLUTAMENTE SEMELHANTES, no orgulho que sentem em pertencer à classe social dos dez milhões de brasileiros com mais dinheiro - em nossa cultura, significando tal fato, pertencer "à casta dos vencedores" - a turma NARCÍSICA por excelência.

Não preciso ler estatísticas para afirmar que a maioria desses brasileiros veio de uma condição social inferior à que ocupa hoje. Ora, conheci ao longo da vida milhares dessas pessoas, muitas com belas histórias de vida, de lutas, esforço, superação, vitórias justas, insofismáveis! Orgulham-se disso, e não consigo ver nisso um demérito, não mesmo. Vejo DEMÉRITO IMENSO, imperdoável, do que fizeram a si mesmos, por conta de suas vitórias pessoais na vida, os MUROS de indiferença que foram construindo em torno de si, suas famílias e de sua classe social. Veremos como tem muito a ver com o verdadeiro nojo, repulsa que sentem, por exemplo, em relação a Lula.... - um nojo jamais devotado ao repulsivo e inócuo Aécio Neves, que nada tem a apresentar de bom em sua biografia, pessoal ou política, um ser medíocre, violento, covarde, envolvido até a medula em diversas corrupções já provadas.

Apenas um exemplo óbvio, que todo o furor, a selvageria com que as vezes desperta essa nossa elite e classe média, NADA TEM A VER com "política" (apesar de suas ações serem políticas no sentido de destruir uma ideologia e levantar outra...) nem com "combate à corrupção" ou coisa que o valha, esses são apenas "motes", por eles levantados, para que sua nudez torpe, obscura, preconceituosa, narcísica, fanática, odiosa mesmo, não apareça a eles mesmos, diante dos espelhos.

Qual o significado para Ronaldinho, de ser aceito nas rodas sociais de Aécio, ser celebrado, amado, "fazer parte de..."? - Significa a superação de todos os complexos que vivenciou até os 17 anos, família paupérrima, o pertencer à classe social das pessoas "invisíveis", as que podem apanhar da polícia ou mesmo serem mortas, sem que ninguém se importe, o "Brasil que não conta" é alvo de crueldades, humilhações insuportáveis, torna a vida algo INDIGNO...

Ora, se Lula era o ícone da "MERDA" para os brasileiros dessas classes sociais finalmente a ele acessíveis, unamo-nos ao coro! - gritará sua mente, inconscientemente, por instinto de defesa, de sobrevivência, de não querer ser o "ET" do novo grupo, das boates caras, das mulheres lindas, de um status tão inatingível, e, finalmente, à mão.

Dos dez milhões de brasileiros com mais renda social entre os 40 e 60 anos, nem 10% tiveram pais com o mesmo grau de luxo e conforto que hoje usufruem, e são esses brasileiros, apenas CINCO POR CENTO de nossa população, os mais selvagens odiadores de Lula, PT, programas sociais. Entre estes, 85% mais ou menos votaram em Aécio nas últimas eleições, provavelmente, número igual dos que foram às ruas pelo impeachment, a prisão de Lula, o "fora PT", o endeusamento de Sérgio Moro.

O que essa turma tem de semelhança com Ronaldo? A auto-estima exacerbadíssima, o narcisismo elevado à lua, pela sensação de "vitória", de "ser exceção no país de perdedores", a sensação inebriante de "ter chegado lá pelos MEUS méritos..." - o que lhes dá esse desprezo inequívoco de quem precisa da presença do Estado, de cotas, de FIES, de PRÓUNI, para galgar os degraus que eles subiram, muitos, diga-se, realmente com esforço gigantesco. Essas pessoas SE RECONHECEM, frequentam os mesmos clubes, viajam as mesmas viagens, têm o prazer de trazer lembranças e fotos na bagagem, seus filhos se conhecem, estudam nas mesmas escolas, fazem parte do "Brasil que conta", não precisam, de fato, do Estado para nada, apenas para a segurança pública, seu único pedido real a qualquer governante, que mantenha suas ruas seguras e o rentismo de suas poupanças, o resto, "eles se viram".

O que Lula e seu jeito caipira, sua fala errada, sua figura tipicamente nordestina, seu jeito eminentemente simples de ser tem a ver com essa turma? Nada! Sentem por ele um desprezo inominável, beira ao NOJO, acham-no ABJETO, um usurpador, alguém que "jamais deveria ter chegado onde chegou", um "sortudo", um ser acanalhado, que "aproveitando-se do nível rasteiro desse contingente enorme de miseráveis", entrou na política "para se dar bem", o "ladrão, o canalha...." - é assim que Lula é visto por essa gente, em seu narcisismo doentio, maligno, perverso, preconceituoso, fanático!

São todos "Ronaldinhos", felizes, felizes, por se sentirem mais próximos da classe social de um Aécio, um FHC, do que dos "perdedores", os fracos, os pobres, os "sem força de vontade", que aceitam viver "porque assim querem", em condições sub-humanas! Meu coração entra no mais absoluto DESESPERO à medida em que penso em gente que amo profundamente, gente que respeito, admiro, chega a ser engraçado e paradoxal, gente que me faz "olhar para cima", porque melhores do que eu em pontos cruciais da vida... E no entanto, nessa área específica, tornaram-se monstruosos, toscos, ignaros, DESCONSTRUÍRAM parte de sua humanidade linda, tornaram-se esponjas vivas receptoras desse esgoto fétido que vem da mídia e de seus pares sociais, tornaram-se injustos, prepotentes, desejosos do mal alheio independentemente daquilo ser justo ou injusto, baseado em verdades ou falsidades, não lhes importa, uma coisa doida, perderam seus valores, desejam é que "SATANÁS SEJA DESTRUÍDO", ao preço que for...

Seguirão esses brasileiros nessa toada, não tenho mais esperança em relação a isso, virou doença psíquica e doença social! Seguirão votando em Dória Jr., Aécio, Bolsonaro, Serra, a escória da escória do nosso país, homens abjetos, que qualquer sociedade civilizada, com conhecimentos de Sociologia, História, rejeitaria como o lixo do lixo em seu meio...
Seguirão chamando a bolsa família de "bolsa esmola", numa indiferença desumana com os miseráveis, seguirão em sua ignorância enfim, seguirão sorridentes, ostentando camisetas como a de Ronaldinho, orgulhoso: "Eu não tenho culpa, eu votei no Aécio" - Jesus, dizer o que a quem tem a coragem de votar em Aécio Neves?!? - Pior, se orgulha disso?! Jamais saberão que destruíram nosso país, o jogaram numa vala fétida de esgoto moral, social, político, existencial. Jamais saberão que a dupla Moro/Janot quebrou nossas maiores empresas, esmagou nossa democracia, destruiu direitos fundamentais, fez com que nosso país se tornasse motivo de um espanto ruim lá fora, onde hoje, somos vistos com desprezo, com horror pelos povos civilizados...

Seu narcisismo primário, feroz, complexado, doentio, foi e é a porta de sua morte. Jamais apreenderão essa verdade, porque se acham "bons", "educados", "gentis", pela forma como se tratam uns aos outros, na família, nas rodas sociais..., eventualmente, alguns estendendo esse comportamento aos brasileiros que os servem, garis, porteiros, empregados domésticos, etc. etc. - no que, provavelmente, acham-se "o máximo".

Contra essa classe social, só cabe uma atitude: A MAIS RADICAL E DETERMINADA GUERRA POLÍTICA! Lula e Dilma acreditaram num "Brasil conciliatório", acreditaram no "republicanismo das instituições", deu no que deu..... uma golpeada, o outro massacrado, odiado, prestes a ser preso por Moro.

Somos um país ODIOSO, onde a luta de classes é UMA REALIDADE DRAMÁTICA, SECULAR! O narcisismo patológico desses brasileiros da Casa Grande impedirá sempre o diálogo, a luta é política, e politicamente deve ser lutada. Com todas as forças que puderem ser aglutinadas em torna das candidaturas progressistas, que representem aqueles que entre nós, de fato, precisam do Estado até para sobreviver, para que a miséria não os leve à morte, à indignidade absoluta. Lutemos por estes! É isso!

A Lava Jato e a economia três anos depois


http://www.m.vermelho.org.br/noticia/paulo_kliass_a_lava_jato_e_a_economia_tres_anos_depois/294932-2
 



Portal Vermelho, 28/03/17
 


A Lava Jato e a economia três anos depois


 
 
Por Paulo Kliass
 




Apesar de não ser correto creditarmos toda a responsabilidade da operação sobre o fraco desempenho do PIB, o fato é que as estatísticas apresentam uma elevada correlação entre ambos os fenômenos. Durante o primeiro ano de atuação da chamada República de Curitiba, o IBGE apurou a primeira retração significativa do produto brasileiro desde 2009. Assim, já em 2014 o PIB ficou praticamente estagnado, com crescimento de apenas 0,5%.

Ao longo de 2015, os efeitos foram mais evidentes. A partir de uma ação mais incisiva da força-tarefa liderada pelo juiz Sérgio Moro, os efeitos perversos sobre a capacidade de ação da Petrobras e das empresas do setor de construção civil se fazem mais nítidos. O PIB cai 3,8%. O movimento recessivo mais geral tem continuidade em 2016, e a Lava Jato também mantém suas atividades paralisantes sobre o setor real de nossa economia. Com isso, o ritmo da economia brasileira se vê retraído em 3,6%. Considerando todo o período, vivemos a maior recessão de nossa história.

Em seus primeiros meses de existência, a operação tinha um escopo bem mais restrito de atuação. Sua atribuição inicial era obter informações a respeito de um esquema de lavagem de dinheiro envolvendo um deputado paranaense já falecido e que teria ocorrido na cidade de Londrina (PR). Em 2014 pouco ou quase nada se falava a respeito das empreiteiras. No entanto, pouco a pouco a Lava Jato foi ampliando seu raio de investigação e passou a incorporar as denúncias de corrupção envolvendo a Petrobras e os grandes grupos oligopolistas da construção civil.

Por outro lado, a expansão das atividades do grupo comandado por Sérgio Moro se confunde com o período de aprofundamento das dificuldades na própria área da economia. A Lava Jato contribuiu para piorar o quadro, mas ela não pode ser considerada como o único fator a provocar a queda no ritmo da atividade por todo o País.

O fato concreto é que o início do segundo mandato de Dilma se confunde com a promoção do chamado estelionato eleitoral. A presidenta reeleita decide esquecer as promessas de campanha e embarca de cabeça na trilha do austericídio. Convoca Joaquim Levy para comandar a área econômica e delega ao indicado do Bradesco a autonomia para promover um ajuste fiscal de natureza conservadora e ortodoxa. Assim, a combinação perversa de taxas de juros elevadas e cortes nas despesas sociais do Orçamento da União lança as bases da recessão e do desemprego.

Na sequência, a opção de setores das classes dominantes por embarcar na aventura irresponsável do golpeachment também provocou um longo período de incertezas. As decisões de investimentos foram paralisadas e as repercussões das denúncias e indiciamentos provocados pela Operação também contribuíram para o contexto mais geral de imobilismo. A confirmação de Temer e a entrada em cena de Meirelles e Goldfajn no Ministério da Fazenda e no Banco Central reforçam a tendência austericida. No entanto, à ortodoxia sem vergonha na cara foi acrescentada a dedicação plena e detalhada pela implosão do Estado e dos mecanismos públicos de garantia dos direitos sociais básicos.

Além dos problemas inerentes à crise em que se via mergulhada a Petrobras, instalou-se na direção da maior empresa estatal brasileira uma direção que busca a privatização da mesma. No que se refere ao setor da construção civil, a opção por redução das despesas orçamentárias em setores estratégicos se combina ao imobilismo caracterizado pelas empecilhos de natureza jurídico-policial.

E o pano de fundo de tudo isso era a continuidade das sucessivas e intermináveis etapas da Operação Lava Jato. Foram 7 fases em 2014, 14 em 2015 e 16 em 2016, totalizando 37 fases de acordo com informações da Polícia Federal. A referência à Petrobrás aparece em 15 delas, enquanto o termo empreiteiras é localizado em 7 das fases deflagradas. Frente a tal estratégia devastadora, os efeitos sobre a atividade econômica nacional não poderiam passar incólumes.

A participação do setor da construção no PIB aproxima-se de uma média de 5% ao longo dos últimos anos. Assim, por exemplo, uma redução de 20% na atividade em determinado ano provoca imediatamente uma retração de 1% no produto anual. Além disso, o setor tem características próprias que fazem dele um amplificador dos fenômenos econômicos mais gerais. Assim, quando o PIB geral cresce, o PIB da construção civil tende a crescer em ritmo mais acelerado. Em sentido contrário, quando há recessão geral, o PIB da construção civil tende a cair de forma ainda mais acentuada. Foi o que aconteceu em 2015 e 2016, por exemplo. De acordo como gráfico abaixo, na recessão de 3,8% do ano retrasado, o setor caiu 6,5%. Para a queda do PIB de 3,6% do ano passado, a construção civil caiu 5,2%.


O caso da Petrobras também impactou de forma direta a atividade econômica de forma geral. Estimativas oficiais apontavam que o setor de petróleo e gás representava 13% do PIB em 2014. Essa taxa refletia uma performance expressiva de crescimento do setor no início do século XXI, em especial depois da confirmação das jazidas do Pré Sal. Esse importante ramo da economia brasileira havia saído da participação de 3% em 2000 para mais do que quadruplicar em 14 anos. E o carro chefe desse tipo de atividade aqui no Brasil é a Petrobras.

Até o momento anterior à entrada em vigor da Lava Jato, as previsões de investimento da empresa eram de magnitude elevada. Assim, o plano de investimentos da estatal para o período 2014/18 anuncia o montante de US$ 220 bilhões - ou seja, o valor anual de US$ 44 bi. Na sequência, surgem os efeitos combinados do austericídio tupiniquim, da queda do preço do petróleo no mercado internacional, da Lava Jato e da intenção privatizante dos governos por aqui. Assim, o plano de investimentos para o quinquênio 2015/19 reduziu esse valor total para menos da metade do anterior e ficou em US$ 98 bi - média anual de US$ 19,6 bi. Em 2016, a tendência do desmonte se acentuou e o plano quinquenal 2017/20 caiu para US$ 74 bi - média anual de US$ 4 14,8 bi.

Algumas estimativas apontam que entre 2% e 2,5% da queda geral de 3,8% do PIB em 2015 podem ser atribuídos à redução dos investimentos e das despesas da Petrobras. Naquele ano, a queda nos investimentos da empresa chegou a 42% e os efeitos são imediatos sobre o ritmo da economia de forma mais geral. A atividade empresarial da Petrobras proporciona um efeito econômico direto sobre as empresas de construção civil, sobre as encomendas dos navios em estaleiros, sobre as empresas fabricantes de sondas e plataformas, entre tantos outros seguimentos importantes do país.

Com a imobilização deliberada da iniciativa da Petrobrás por parte de seu atual corpo dirigente, a eventual retomada das atividades nesse importante setor de óleo e gás deverá ser patrocinada pelas empresas multinacionais, para as quais governo tem oferecido todo o tipo de benesses e favorecimentos. Além disso, a mudança na política de conteúdo local também direciona a demanda por esse tipo de serviço e equipamento para os fornecedores no exterior. A própria Associação Brasileira de Máquinas e Equipamentos (ABIMAQ) estima em 1 milhão o número de empregos serão destruídos aqui dentro caso esse tipo de medida seja mesmo implementada.


*Doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal.

Sem defender Lula não será possível defender mais ninguém

http://www.cartamaior.com.br/?/Editorial/Ao-golpe-so-resta-outro-golpe-Ao-Brasil-Lula/37898




Carta Maior, 28/03/2017 



Ao golpe só resta outro golpe. Ao Brasil, Lula



Por Saul Leblon




Apartados do fundamento das urnas, os golpes de Estado são reféns de uma natureza intrinsecamente canibal.

A mediação dos conflitos se dá pela espiral dos golpes dentro do golpe.

Não é uma surpresa histórica que o assalto ao poder consumado em agosto de 2016 acumule sinais desse encontro marcado com a própria sina.

Contradições insolúveis ameaçam romper a fina película da formalidade que orientou a ação inconstitucional desde a farsa do impeachment até aqui.

A violência do desmonte econômico a serviço do qual uma escória política e parlamentar foi alçada à capatazia do Estado brasileiro corrói rapidamente os laços da aventura com a sua própria base.

O fracasso das manifestações em apoio à Lava Jato, domingo, é um sintoma desse esfarelamento.

Nem mesmo a classe média que se avoca parte da elite dirigente encontra-se a salvo da demolição em marcha do Estado e das bases do desenvolvimento.

Em pior hora ela se percebe parte de uma nação.


A reforma da previdência expulsou-a da zona de conforto para um degrau de incerteza futura no qual se nivela aos segmentos dos quais sempre teve a obsessão de se descolar.

O desmonte dos instrumentos de comando da economia por Brasília e Curitiba devora o chão dos pés humildes, mas também o piso das varandas gourmets.

Desde 2014, 50 mil engenheiros perderam emprego no Brasil. Assim sucessivamente.
O relógio da crise avança em rota de colisão com o das urnas de 2018, que tem como favorito Luiz Inácio Lula da Silva.

Compreende-se a sofreguidão nervosa dos cronistas embarcados para trazer notícias frescas de uma recuperação econômica sempre adiada.

À falta dela, o cinismo cunhou o termo ‘despiora’.

É sintomático: enquanto a vida real acumula 13 milhões de desempregados e a taxa de ociosidade em alguns setores industriais chega a 50%, como nas fábricas de caminhões pesados, cronistas falam de um ‘fim de ano inédito, com inflação na meta e juro de um dígito’.

Enaltecem a paz salazarista que reina no cemitério das nações.

Essa que já destruiu a engenharia pesada brasileira, desmontou o setor naval, o de óleo e gás, entregou o pré-sal, descarnou a Petrobrás, implodiu a CLT, devolveu as relações trabalhistas a uma arena selvagem pré-Vargas e congelou direitos sociais por vinte anos.
 

A ação é de tal ordem irresponsável que mesmo retalhando o orçamento a conta não fecha, sob impacto do efeito contracionista na receita fiscal.

A queda da arrecadação empurrou o neoliberalismo aloprado a um cavalo de pau nos seus próprios termos.

Em meio à pior recessão em um século, recorre-se à elevação de impostos como recurso desesperado para conter o déficit na faixa de explosivos R$ 140 bilhões até dezembro.

Que chances teria nas urnas o candidato desse furdunço estratégico que golpeou a democracia em nome do mercado e agora ameaça enterrar os dois na mesma cova recessiva?

À falta de nomes, recorre-se ao recurso clássico: um golpe dentro do golpe.

O roteiro está nas entrelinhas do jornalismo embarcado.

Descarta-se Temer; consumada a vacância presidencial abre-se avenida da eleição indireta para a qual qualquer excrescência serve à sanção de uma escória parlamentar amarrotada no bote de salva-vidas.

A opção mais oferecida é a do incansável ‘garantia’ da ‘legitimidade’ em todas as frentes antissociais, antinacionais e antidemocráticas: Gilmar Mendes.

Respira-se esse cheiro azedo de togas e ternos empapados da sofreguidão nervosa que marca as escaladas de demolição do Estado de Direito nos solavancos da História.
 
Consulte os anos 30 na Alemanha, os 50 do macarthismo norte-americano, os 60 da ditadura brasileira, os 70 do massacre chileno...
 
Era esse o clima de dane-se o pudor por parte das elites e da escória que a serve.

 
Faz parte desses crepúsculos institucionais a perda dos bons modos e a convocação das soluções de exceção, enquanto o jornalismo isento finge não ver a curva ascendente do arbítrio.
 
Com a mesma desenvoltura com que se anistiou montanhas de dólares remetidos ao exterior, o ‘candidato’ Gilmar Mendes pilota sua quase-campanha impulsionado por duas bandeiras.

Bandeira 1: a anistia ao ‘caixa 2 do bem’ (o dos amigos);

Bandeira 2: a anulação de delações vazadas, que ora prejudicam círculos tucanos e assemelhados.


Quando a caixa d’água furada de Curitiba vazou velhacamente a gravação ilícita da conversa telefônica entre Lula e Dilma, a toga-mor reagiu diferente.

Achou ‘normal’.


Mais que normal: Gilmar recomendou ‘foco no conteúdo’. E a mídia foi para apoteose unida, com os desdobramentos sabidos.

É um padrão; que ora se repete.

Dá para ouvir os gritos da democracia sendo violada na sala ao lado, enquanto os jornalistas irradiam notícias da ‘despiora’ que, sugestivamente,  requer um impostaço de emergência.

A falta de escrúpulos reflete a antessala de uma truculência que sobe rápido os degraus da exceção; do golpe dentro do golpe.

Essa é a hora diante da qual a resistência progressista não pode mais piscar.

O óbvio hoje começa por defender Lula - presencialmente até e cada vez mais, diante do cerco do arbítrio que se intensifica.

Por quê?

Porque sem defender Lula não será possível defender mais ninguém, e mais nada, do galope desembestado da ganância rentista montada na cumplicidade togada.


Por ninguém, entenda-se o Brasil assalariado e o dos mais humildes.

A imensa maioria da população, enfim.

Aquela que vive do trabalho, depende de serviços públicos, tem seu destino atado ao do país, ao do pré-sal, ao da reindustrialização, ao da democracia social, carece de cidadania, respira pelo salário mínimo e enxerga na CLT e na Previdência os únicos anteparos ao infortúnio no presente e no futuro.

Lula é a espinha histórica das costelas que precisam se unir para conter a des-emancipação social fria e calculista em marcha no país.

Desempenha essa função por uma razão muito forte.

Essa que o milenarismo gauche parece ter esquecido - ou hesita em saber que sabe -  enquanto aguarda o juízo final  de Moro para recomeçar do zero.

‘Recomeçar do zero’ é a profilaxia recomendada pelos sábios do golpe em todas as frentes.

‘Sim, vamos esquecer o passado’.

Mas, principalmente: vamos esquecer Lula.

Porque ele é  – ainda é Lula - a inestimável  referência de justiça social a qual a imensa parcela dos  brasileiros de hoje e de ontem se reconhecem.

É dele a voz rouca que quando fala é ouvida  no campo e nas cidades.

Mais que simplesmente ouvida: respeitada e compreendida numa algaravia de credibilidades arrasadas.

A resiliência dessa voz é que ela não carrega só palavras.

Carrega experiência, luta, erros, acertos, raiva, riso, derrotas, vitórias, cujo saldo são conquistas coletivas encarnadas em holerite, comida, casa, universidade, emprego, autoestima e esperança.


Lula é a espinha dorsal de cuja destruição depende o êxito do torniquete de interesses mobilizados contra a construção de uma democracia social na oitava maior economia do mundo, principal referência da luta apelo desenvolvimento no Ocidente.

FHC disse-o em um debate no jornal O Globo, em outubro do ano passado, dois meses depois do golpe, quando a guilhotina no pescoço de Lula parecia iminente:

‘Sem Lula o PT seria penas um partido médio; com ele torna-se um perigo nacional’.

No fundo, queria dizer:

Sem Lula, o Brasil se torna uma nação média, humilde, bem-comportada - por assim dizer, domesticável’.


Com Lula, o Brasil se transforma em uma possibilidade de soberania com capacidade de aglutinação popular e mundial em torno do desenvolvimento para a justiça social – uma mistura de consequências perigosas...

É claro como água de fonte.

Lula representa esse diferencial inestimável.

Ele fala com quem a Globo  gostaria de falar sozinha.

Com o Brasil que os Marinhos gostariam de monopolizar sem dissonâncias.

E quase conseguem – exceto quando a voz rouca atravessa o monólogo do fatalismpo conservador.

Por isso o milenarismo gauche que reage à ofensiva de Moro aceitando a pauta do juízo final, flerta com a eutanásia.

‘Recomeçar do zero’ é tudo o que o conservadorismo mais cobiça para quebrar o coração da resistência ao golpe.

O coração da resistência ao golpe consiste em não aceitar o fuzilamento sumário do legado de doze anos de luta por um desenvolvimento mais justo e independente.

Ademais dos erros e equívocos cometidos  – que não podem ser subestimados e devem ser discutidos para que não se repitam - os acertos mostraram a viabilidade de se construir uma democracia social no Brasil do século XXI.
 
Isso não é pouco.


Aliás, é tanto que a força dessa possibilidade no imaginário nacional levou o capital local e imperial a considerar que era hora de acionar um justiceiro de Curitiba para faxinar a história de sua ‘nódoa inaceitável’.

Lula.

Por essa mesma razão, com objetivo inverso, dia 3 de maio será preciso defender essa possibilidade histórica, presencialmente até.
 
Nesse dia Moro vai interrogar Lula. As possibilidades de um Gilmar dentro do golpe vão depender muito do que acontecerá nesse dia em Curitiba.
 
Quem vai organizar as caravanas?

segunda-feira, 27 de março de 2017

Quais as consequências da terceirização para a educação?


http://jornalggn.com.br/noticia/quais-as-consequencias-da-terceirizacao-para-a-educacao-por-carla-regina-mota-alonso-dieguez



Jornal GGN, 27/03/17




Quais as consequências da terceirização para a educação? 


Por Carla Regina Mota Alonso Diéguez



No dia 22 de março de 2017, o Projeto de Lei nº 4.302, de 1998, foi aprovado em única votação na Câmara dos Deputados. O projeto, que agora segue para sanção do Presidente Michel Temer, propõe a prorrogação de 90 dias para o trabalho temporário e a terceirização das atividades meio e fim de forma ampla e irrestrita.

Quando recebi a notícia da aprovação de um PL de 1998, fiquei estarrecida. Primeiro, pelos senhores deputados não respeitarem o rito iniciado em 2015, com a discussão em dupla votação do PL 4330, de 2004, que agora está no Senado; e segundo, por descontruírem toda uma legislação de amparo ao trabalhador, iniciada na década de 1940, que mesmo com seus problemas, é a segurança daqueles que vendem sua força de trabalho para a geração de riquezas em troca de salários.

Passado o choque comecei a refletir sobre as consequências dessa lei, caso seja sancionada. Em termos dos impactos sobre o trabalho, já sabemos que ela gerará mais fragmentação da classe trabalhadora, com a ampliação das pessoas físicas utilizando-se das MEIs e empresas de um homem só para inclusão no mercado de trabalho; também é sabido que a terceirização aliada o alargamento do período do trabalho temporário pode gerar aumento das taxas de rotatividade, prejudiciais para o trabalhador e também para o empregador.

Mas o meu foco foi para outro lado. Como professora fiquei pensando quais as consequências da terceirização ampla e irrestrita para a educação. Alguns estados já vêm discutindo a implantação de escolas geridas por organizações sociais, na qual todos os funcionários, do diretor ao docente, do inspetor a merendeira, serão funcionários das OS. Em termos do emprego e das garantias trabalhistas, pago os valores de mercado e os direitos, estaria tudo certo (o que não quer dizer que será feito). O problema está na política educacional a ser adotada.

Uma escola é regida por um projeto pedagógico, o qual deve estar alinhado a política educacional da escola, seja ela qual for o nível (fundamental, médio e até mesmo superior). A efetiva filosofia e execução do projeto pedagógico devem ser encampadas pelos funcionários da escola, em especial os docentes, para que a política escolhida possa ser desenvolvida e os objetivos propostos atingidos ao final de cada ano.

No caso das universidades, além dos projetos pedagógicos, que tem o nome de Projetos Políticos Pedagógicos, há os Planos de Desenvolvimento Institucional - PDI, que tem duração de cinco anos e incluem, objetivos, ações e metas a serem cumpridas pelos funcionários da universidade ao longo desse tempo. Ou seja, é preciso o engajamento de todos para que o PDI, proposto pela Direção da Universidade, possa ser cumprido em sua totalidade.

Diante desses pontos, comecei a questionar. Em uma escola ou universidade que terceiriza atividades fins, como a gestão educacional e a docência, a quem caberá a gestão do PDI e do Projeto Pedagógico? A que linha educacional ele se adequará: da universidade ou da empresa terceira? Qual engajamento possível desses funcionários com a política educacional visto a alta probabilidade de troca da empresa terceira e dos funcionários prestadores de serviço? Como podemos garantir uma educação de qualidade, encampada por um corpo docente leal a política educacional e um trabalho duradouro, com metas em longo prazo, em um ambiente onde a insegurança no trabalho e a instabilidade na prestação de serviço são o tom?

Não tenho respostas para essas perguntas, mas levanto a hipótese, baseada nas perguntas apresentadas, que para a educação, onde comprometimento do corpo docente e de funcionários é fundamental para a execução de políticas educacionais de longo prazo, a terceirização só tem a prejudicar o desenvolvimento das políticas, dos projetos e, consequentemente, dos alunos.


Carla Regina Mota Alonso Diéguez é doutora em Ciências Sociais, coordenadora do curso de Sociologia e Política, docente e pesquisadora da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP). Desenvolveu pesquisas para Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e atua na na área de Sociologia, com ênfase em Sociologia do Trabalho.