Jornal do Brasil, 22/05/2012
O Código Florestal e a arapuca técnica
Por Mauro Santayana
A Presidente da República, segundo
as informações da imprensa, deverá vetar, em parte, o novo Código
Florestal, aprovado pelo Congresso Nacional. Deixando de lado as
questões técnicas, que reclamam a opinião dos especialistas, a decisão
se relaciona a uma das mais cruciais questões de nossa tempo: até quando
poderemos sobreviver com o atual modelo de sociedade industrial,
baseado no consumo exacerbado de energia e de outros recursos naturais?
Dentro de duas semanas fará 40 anos que
se reuniu (de 5 a 16 de junho de 1972) , em Estocolmo, a Primeira
Conferência das Nações Unidas sobre o Homem e o Meio Ambiente.
Acompanhei, para este Jornal do Brasil, os trabalhos da reunião, recordo
que a principal questão continua em aberto, até os nossos dias, e é de
natureza política. Alguns especialistas concluíram que era necessário
interromper o crescimento industrial, a fim de preservar o ambiente
natural e, assim, manter a vida na Terra.
A tese dos países industriais,
retomando as conclusões do Clube de Roma, era a do crescimento zero, a
partir de então. Ora, se esse projeto fosse adotado pelo mundo, os
paises ricos continuariam ricos, e os paises pobres se manteriam na
miséria.
A melhor intervenção – confirmada em
uma entrevista coletiva a que pude assistir – foi a da Senhora Indira
Gandhi, primeira-ministra da Índia. Ela disse, com lucidez e coragem,
que se o mundo queria sobreviver, não seria mantendo em situação
infra-humana as populações dos paises subdesenvolvidos, mas, sim,
reduzindo o consumo de energia (nele incluídas as calorias dos
alimentos) dos povos ricos.
Como demonstrou, com informações
estatísticas, os norte-americanos consumiam, per capita, quase duzentas
vezes mais do que os africanos, dezenas de vezes mais do que os indianos
e tantas vezes mais do que os habitantes de regiões mais atrasadas da
América Latina.
O impasse levou a Conferência de
Estocolmo ao malogro, mas provocou novos debates, sobre que providências
políticas poderiam ser tomadas, a fim de desatar esse nó górdio. As
nações menos desenvolvidas não concordavam, e continuam não concordando,
com toda a razão, a sacrificar os seus povos, privando-os do
desenvolvimento e de padrões de consumo e de saúde obtidos pela
tecnologia, em favor da sobrevivência privilegiada dos ricos.
Os ricos, com seu poder econômico e
militar, não admitem reduzir o padrão de bem-estar, baseado no consumo
exagerado de energia. Uma saída desonrada foi a do neoliberalismo, com a
chamada globalização da economia. O objetivo foi o de construir uma
“governança mundial”, não fundada na discussão e decisão de todos os
povos, mediante as Nações Unidas, mas, sim, no poderio militar e
econômico dos maiores paises do mundo, cujos governos são controlados
pelas grandes corporações industriais e financeiras internacionais. Como
efeito colateral do neoliberalismo e do governo mundial, bilhões de
pessoas permaneceram excluídas da sociedade econômica, e centenas de
milhões de outras a elas se somaram, expulsas da vida que conhecemos.
Alguns cientistas argumentam que, para
estender a todos os homens os padrões de conforto e consumo dos países
ricos, dentro de poucos anos serão necessários os recursos de dois
planetas e meio. Sendo assim, e a menos que a ciência nos ofereça saídas
inimagináveis, como usinas de montagem atômica de metais, gases e
outras matérias, no volume exigido pelo aumento da população, a vida se
extinguirá. Provavelmente na luta brutal pela conquista e exploração dos
últimos recursos naturais da Terra, entre eles a água limpa, se algum
meteoro não nos conceder rápida eutanásia universal. A outra solução
está na busca de outros padrões de vida, baseados na austeridade e na
solidariedade, de maneira a substituir o volume das coisas consumidas
pela melhor qualidade da existência.
Já no início dos anos 40, o pensador
alemão Friedrich Georg Junger, então companheiro de Marcuse e outros
pensadores da Escola de Frankfurt, publicou um dos mais instigantes
ensaios do século, Die Perfektion der Technik, para desmontar o mito da
tecnologia. Junger demonstra que, no fundo, a técnica se baseia no
movimento circular que se limita em si mesmo, apesar da aparência do
avanço. A partir do relógio, instrumento tecnológico por excelência,
para medir e controlar o tempo, Junger mostra que toda a produção
técnica está fechada em círculos, em ciclos repetitivos (as engrenagens,
os discos, os motores, as turbinas). E conclui, depois de exaustivo
excurso, que a técnica não significa mais produção e, sim, mais consumo;
não alivia o trabalho humano, embora possa reduzir o esforço físico,
mas, sim o exacerba; não traz mais liberdade e, sim, mais submissão aos
opressores capitalistas.
Conter a destruição do meio-ambiente em
nosso país é necessário, daí a administração pelo Estado do avanço da
agricultura sobre a cobertura florestal. Mas é preciso, da mesma forma,
reduzir a histeria – com o perdão das mulheres – dos ecologistas, grande
parte deles, conscientes ou não, agentes dos interesses externos. Os
ricos pretendem, por outros meios, conseguir o que desejavam, no Clube
de Roma, em Estocolmo e nos demais encontros internacionais (como o que
ocorrerá no Rio, também dentro de alguns dias): conservar o seu
bem-estar à custa de nossa renúncia ao desenvolvimento, e, ao mesmo
tempo, apossar-se do que preservamos de recursos naturais – entre eles
nossos minérios raros, nosso petróleo e nossa biodiversidade.
Uma coisa é certa: a ciência e a
tecnologia – quando privadas de ética e da filosofia prática, isto é,
daquilo a que chamamos política – não serão capazes de resolver a
questão. O problema é político, e só o poder político poderá resolvê-lo.
No exercício da política, que lhe cabe,
a presidente deverá conter a ânsia destruidora do projeto, dentro de
sua possibilidade de ação disciplinadora. Outras medidas são esperadas,
na exploração racional de nossa natureza, mas pelas nossas próprias
razões – não pelo interesse dos outros.
Nenhum comentário:
Postar um comentário