terça-feira, 29 de abril de 2014

Melhor, mas pior


http://www1.folha.uol.com.br/colunas/janiodefreitas/2014/04/1446882-melhor-mas-pior.shtml

 



Folha.com, 29/04/2014


Melhor, mas pior


Com intervalo de quatro dias, dois dos jornalistas que mais respeito pela integridade e aprecio pela qualidade, Vinicius Torres Freire e Ricardo Melo, levam-me a ser mais uma vez desagradável com o meu meio.
Na Folha de ontem, Ricardo Melo relembra a presença de "representantes do 'mercado'" no Conselho de Administração da Petrobras, quando comprada a refinaria de Pasadena, e pergunta: "Pois bem: onde foram parar nessa história toda Fábio Barbosa, Cláudio Haddad, Jorge Gerdau, expoentes do 'empresariado' brasileiro que, com Dilma Rousseff e outros, aprovaram o negócio? Serão convocados a depor, ou deixa pra lá?".
A pergunta não expõe apenas Aécio Neves, Eduardo Campos, Aloysio Nunes Ferreira e seus subsidiários, que se limitam a explorar, na "história toda" de Pasadena, o que lhes pode dar proveito eleitoral. Os empresários citados não serão "deixados pra lá". Já foram deixados. Pela imprensa. Nas práticas simultâneas de repetir, dia a dia, no noticiário e em artigos, a aprovação do negócio pelo "conselho presidido por Dilma Rousseff" e jamais mencionar os outros conselheiros.
Se o negócio foi aprovado pelo conselho, nos termos e condições expostos aos conselheiros, é óbvio que não houve um votante só. Mas os outros não interessam. Nem é apenas por serem empresários que mais conselheiros também estão dispensados de menção na imprensa. É, só pode ser, porque a exclusividade adotada vem do mesmo objetivo de Aécio Neves, Eduardo Campos e outros. Se a imprensa o faz, ou não, para beneficiar esse ou aquele, pouco importa. Mais significativa é a predominância da prática política.
Também na Folha, dia 24 último, Vinicius Torres Freire observa: "O Datafolha registra um nível de insegurança econômica inédito desde os piores dias de FHC, embora a situação econômica e social seja muito melhor agora".
Algo provoca tal contradição. Não pode ser a percepção espontânea e geral, porque a situação "muito melhor" não lhe daria espaço. O que poderia ser, senão os meios de comunicação desejosos de determinado efeito? Se, apesar da situação melhor, o sentimento é pior, claro que se trata de sentimento induzido. Um contrabando ideológico.
Terminaram depressa as rememorações do golpe de 64. O corporativismo apagou a memória da função exercida pela imprensa no preparo do golpe e no apoio à apropriação do poder, de todos os poderes, pelos militares. Não há, nem de longe, semelhança entre aquela imprensa e a atual. Mas o seu estrato mais profundo, econômico, social e político, mudou menos do que a democracia pede. E conduz às recaídas cíclicas dos meios de comunicação em práticas próprias de partidos e movimentos políticos. Estamos entrando em mais uma dessas fases.



 
A estratégia tucana para privatizar a Petrobras

 
Por Claudio Puty


A estratégia antinacional traçada pelo Estado-Maior da oposição conservadora e levada a cabo pelo ‘general’ Aécio Neves é mostrar que os governos Lula e Dilma levaram a empresa à bancarrota. Entretanto, se nos dermos ao trabalho de comparar a desastrosa gestão da Petrobras durante a gestão FHC com os resultados obtidos por ela desde 2003, constataremos que a atual campanha da oposição não passa de cortina de fumaça para uma nova investida para a privatização da estatal. Tanto que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso voltou a defender essa medida, numa afronta à memória de seu tio, o general Felicíssimo Cardoso, um dos líderes da campanha pela criação da Petrobras.
O fato é que as ações de FHC no poder mostram coerência do tucanato com o ideário privatista. Em 1994, ainda como ministro da Fazenda de Itamar Franco, ele manipulou a estrutura de preços dos derivados de petróleo de forma que, nos últimos seis meses que antecederam a implantação do Plano Real, a Petrobras teve aumentos de combustíveis 8% abaixo da inflação, enquanto que as distribuidoras tiveram aumentos 32% acima da inflação. Com isso, houve uma transferência do faturamento da Petrobras para o cartel das distribuidoras, cerca de US$ 3 bilhões anuais. Já como presidente, FHC pressionou a Petrobras para que ela assumisse os custos da construção do gasoduto Brasil-Bolívia, obra que beneficiava a Enron e a Repsol, donas das reservas de gás boliviano. Ocorre que a taxa de retorno do gasoduto era 10% ao ano e o custo financeiro, 12%, mas a Petrobras foi obrigada a desviar recursos da Bacia de Campos – com taxa de retorno de 80% – para investir nesse empreendimento. A empresa também teve que assinar uma cláusula que a obrigava a pagar pelo gás boliviano mesmo que não o comprasse. Com isso, pagou por cerca de 10 milhões de metros cúbicos sem ter conseguido vendê-los.

Em 1998 o governo federal impediu a Petrobras de obter empréstimos no exterior de emitir debêntures para a obtenção de recursos para novos investimentos. Ao mesmo tempo, FHC criou o Repetro (regime aduaneiro especial), isenção fiscal às empresas estrangeiras que importam equipamentos de pesquisa e lavra de petróleo, sem a devida contrapartida para as empresas nacionais. Com isso, cinco mil empresas brasileiras fornecedoras de equipamentos para a Petrobras quebraram, provocando desemprego e perda de tecnologia nacional.

Em 2000, o então presidente da Petrobras, Henri Philippe Reichstul, levou Pelé a Nova York para o lançamento de ações da Petrobras na Bolsa de Valores de Wall Street. O governo vendeu, então, 20% do capital total da estatal e, posteriormente, mais 16%, pelo valor total de US$ 5 bilhões. No mesmo ano, os tucanos privatizaram a Refinaria Alberto Pasqualini (Refap) por meio de troca de ativos com a Repsol argentina, do grupo Santander, braço do Royal Scotland Bank Co. Nessa transação, a Petrobras deu ativos no valor de US$ 500 milhões e recebeu ativos no valor de US$ 500 milhões. Soma zero? Não, porque os ativos da estatal brasileira eram avaliados em US$ 2 bilhões e os que ela recebeu passaram a valer US$ 170 milhões, em razão da crise financeira da Argentina. Nada simboliza melhor esse período nefasto do que o naufrágio da plataforma P-36, com 11 mortes e prejuízos de US$ 2 bilhões.

A privatização da Petrobras foi revertida pelos governos do PT, mas agora os demo-tucanos pensam ter encontrado o pretexto ideal para colocá-la novamente na agenda. Para desespero da oposição, os números representados pela estatal são a melhor arma contra a estratégia de desmoralização. A produção média mensal de petróleo na camada de pré-sal atingiu a marca de 387 mil barris/dia, novo recorde. A estatal também bateu recorde de processamento de suas refinarias, com uma média de 2.151 mil barris de petróleo por dia. E também foi recorde a produção de diesel e gasolina com baixo teor de enxofre, com 24 milhões de barris de diesel e 14,8 milhões de barris de gasolina. Em relação ao gás natural, a Petrobras ultrapassou, pela primeira vez, a barreira dos 100 milhões de metros cúbicos por dia (101,1 milhões).

Claudio Puty é deputado federal (PT-PA) é vice-líder do governo no Congresso Nacional.

A perenidade do mal e a batalha dos justos







http://www.jb.com.br/coisas-da-politica/noticias/2014/04/29/a-perenidade-do-mal-e-a-batalha-dos-justos/



A perenidade do mal e a batalha dos justos



Mauro Santayana


 

O mundo comemora hoje o Dia do Holocausto judeu. Em nome de um mito — a escolha de Jesus por uma multidão, no lugar de Barrabás, às vistas de um Pilatos de mãos recém-lavadas, para percorrer as estações da Paixão, até seu definitivo encontro com o Pai, no alto do Gólgota — os judeus foram discriminados, roubados, torturados e assassinados por quase dois mil anos, até encarar, em lugares como Auschwitz-Birkenau, Maydanek, Sobibor, Bergen-Belsen, Dachau, Teresin, Babi Yar, Treblinka, o ponto culminante de seu calvário.
Jesus era judeu — e seis milhões deles foram exterminados na Europa — mas poderia ser cigano, um povo que vaga pelo mundo, quase que desde a mesma época, e que perdeu, nos mesmos campos de extermínio erguidos pelos nazistas da Divisão da Caveira, quase dois milhões de homens, mulheres e crianças. Muitas delas e deles como vítimas de experiências médicas, como as de Joseph Mengele, que injetava tinta nos olhos de meninos e meninas em Auschwitz e dissecava gêmeos com poucos dias de vida, logo depois de chegados ao campo.
Jesus era judeu, mas poderia ter sido um dos 30 milhões de russos, que morreram na Segunda Guerra Mundial, muitos deles executados e enterrados em valas comuns logo que os assassinos dos Einzatzgruppen chegavam, precedidos das tropas da Wermacht, para cumprir sua tarefa de matar comunistas — o que incluía a maioria da população soviética — quem soubesse ler e escrever, os judeus, os ciganos, e os vira-latas, para que o Exército Vermelho não os adestrasse para entrar debaixo dos Panzers alemães, com minas antitanque amarradas na barriga.
O virulento retorno do anticomunismo; a tentativa solerte de comparar o comunismo ao nazismo, quando foram os  comunistas que derrotaram os nazistas, na Batalha de Stalingrado, no cerco de Leningrado, até o covil do diabo, na Batalha de Berlim, levando Hitler e outros dirigentes nazistas ao suicídio; o aumento do número de internautas que propugnam, livremente, o assassinato de suspeitos, a institucionalização da tortura e a quebra do Estado de Direito, com o fim do voto e a instauração da ditadura; tudo isso mostra que os demônios do conservadorismo e da ignorância continuam unidos, em tenebroso pacto, e conspiram para arrebatar corações férteis para o ódio e o preconceito. Como nas vésperas da chegada de Hitler ao poder, que levou ao sadismo ensandecido dos campos de extermínio.
O Dia do Holocausto judeu, que nos lembra outros holocaustos, como o cigano, o russo, o dos padres e pastores, o dos comunistas e socialistas, o dos homossexuais, serve para manter viva em nossa memória a noite que se abateu sobre a Europa há 75 anos, há apenas alguns instantes, portanto, em termos históricos. E a necessidade de estar sempre atentos ao mal e a combatê-lo, cortando sua cabeça, que renasce, como as da Hidra, todas as vezes que ela se erguer, passando por entre as gretas que nos separam do inferno, para se insinuar em nosso mundo.    

Se houve um milagre brasileiro​, foi ele

 


http://www.cartamaior.com.br/?/Blog/Blog-do-Emir/Quem-tem-medo-do-Lula-/2/30814



Carta Maior, 29/04/2014

                  

Quem tem medo do Lula?



​Por Emir Sader





Lula incomoda. Basta ele falar sobre algo, que as que se creem “autoridades” deitam falação para contestá-lo, criticá-lo, acusá-lo, denunciá-lo, homenageando-o como a ninguém se homenageia, com sua atenção, sua energia, seu rancor, suas insônias.

Lula nasceu do nada, do quase nada, de uma região que era para não dar nada ao país, de uma mãe amorosa, que lutava para que seus filhos sobrevivessem e, se pudessem, chegassem à escola – como o extraordinário filme sobre o Lula recorda. Ele foi chegando: da sobrevivência à escola, da formação profissional ao emprego industrial, do operário metalúrgico ao líder sindical, do desafio à vida para sobreviver ao desafio aos patrões e à ditadura. Se houve um milagre brasileiro, foi ele.
Entre paternalismo e temor, lideres políticos tradicionais e meios da  imprensa tiveram que reconhecer seu papel, que tentavam restringir a um dirigente corporativo, com um papel determinado num certo momento, que mereceria carinho e compreensão. Mas quando ele foi se transformando em dirigente político, em fundador de um partido dos trabalhadores começou a incomodar não apenas ao Dops e à ditadura, mas aos que pretendiam restringi-lo a um papel limitado.

Até que aquele nordestino, operário, que perdeu um dedo na máquina, mas que nunca perdeu a esperança, ousou ser candidato a presidente e a quase ganhar. Denunciando a desigualdade e a injustiça, apontando que um Brasil melhor era possível e necessário. Até que um dia, depois de fracassarem bacharéis e políticos de profissão, o Lula se tornou presidente.

Ia fracassar, tinha que fracassar, para que as elites pudessem governar com calma o Brasil
– como chegou a dizer um ex-ministro da ditadura. Haviam fracassado a ditadura, Sarney, Collor, FHC, ia fracassar Lula e a esquerda e o movimento popular estariam condenados por décadas – como ameaçou um outro ex-procer da ditadura.

Mas Lula encontrou a forma de dar certo. Em meio à herança maldita de uma década de desarticulação do Estado, da sociedade e das esperanças nacionais, Lula foi o responsável por uma arquitetura que permite ao Brasil resgatar a esperança, combater a desigualdade e a miséria, resgatar o Estado, projetar um Brasil soberano e solidário. Lula preferiu enfrentar os desafios de construir uma alternativa a partir do pais realmente existente do que dormir tranquilo com seus sonhos nunca realizados, em meio a um povo sem sonhos.
   
Lula saiu dos 8 anos mais formidáveis de governos no Brasil com mais de 90% de referências negativas da mídia e mais de 80% de apoio do povo. Não pode haver maior consagração. Elegeu sua sucessora, está prestes a conseguir que ela tenha um segunda mandato, mas ele não dá trégua aos que achavam que eram donos do Brasil, que ainda acham, apesar de terem perdido as três ultimas eleições presidenciais e estarem em pânico pelo risco iminente de perderem uma quarta, ficando já quase duas décadas sem dispor do Estado que construíram para perpetuar-se como donos do Brasil.

Lula incomoda. Uma forma de tentar neutralizá-lo é especular que ele vai ser candidato de novo agora. Ele nega, mas não aceita comprometer-se a que não volte a ser candidato. E quando abre a boca, quando escreve, quando aparece em publico, as elites tradicionais entram em pânico. Porque sabem que atrás daquelas palavras, daquela figura, está o maior dirigente político, o maior líder popular que o Brasil já teve, que quando se pronuncia, suas palavras não são palavras que o jornal amanhecido leva pro lixo, mas expressam realidades pelas quais ele é responsável.

Quando ele fala de miséria e de desigualdade, fala com a autoridade de quem mais contribui para sua superação. Quando fala da construção de um outro tipo de Brasil, se pronuncia a partir de mais de uma década de passos nessa direção, iniciados por seu governo. Quando critica as elites tradicionais – sua mídia, seus juízes, seus partidos e seus políticos – fala como quem é um contraponto real e concreto a essas elites. Fala como quem é reconhecido pelo povo como um dos seus, como alguém em quem confiam – ao contrario da mídia, de juízes, de partidos que já mostraram ao que  vieram e em quem o povo não confia.

Lula incomoda. Não apenas pelo que foi, pelo que é, pelo que pode vir a ser. Mas por sua vida, argumento contra o qual ninguém pode contrapor nada. Ele é a prova viva que se pode nascer na pobreza e se tornar um dos maiores estadistas do mundo atual, se pode nascer na miséria e se tornar quem mais faz para superar a miséria. Se pode enfrentar as maiores dificuldades na vida e na política e manter a dignidade, a grandeza, o sorriso franco e o espírito de solidariedade. Se pode ser de esquerda e enfrentar os desafios de construir uma vida melhor para o povo, em meio a aliados e instituições que foram feitos para outra coisa. Se pode topar os desafios de receber um país desfeito e recuperar a esperança, a autoestima, uma vida melhor para dezenas e dezenas de milhões de pessoas. Se pode prometer que ia fazer com que todos os brasileiros teriam três refeições diárias e cumprir.
   
Isso é insuportável para quem promoveu sempre a miséria e a passividade do povo, para quem governou para as elites e foi sempre recompensado pelas elites, enganando o povo e se enganando que iam ficar para sempre no controle do Estado e da política.

Lula incomoda. Por isso é atacado, atacado, atacado. Ninguém é mais atacado do que o Lula, ninguém causa mais temor nas elites tradicionais do que o Lula, pela força política e moral que ele adquiriu e que o povo reconhece nele.
Lula mostrou que se pode governar sem falar inglês, sem almoçar e jantar com os donos da mídia, sem ter medo das elites tradicionais, sem temor a aliar-se com quem se faz necessário para fazer o que é necessário e fundamental para o povo e para o Brasil. Lula mostrou que se pode defender os interesses do Brasil e ao mesmo tempo ser solidário com os outros países e com os outros povos.

Lula desmentiu mitos, sua vida é uma afirmação de que um outro mundo é possível, de que as  elites podem falar todos os dias contra os interesses populares, mas quando o povo consegue visualizar uma política diferente e lideres que as defendem, se pronuncia contra as elites.

Lula tinha que dar errado, na vida e na política. E deu certo. Isso é insuportável para as elites tradicionais, isso gera medo neles, acordam e dormem com o fantasma do Lula na cabeça, nas redações dos jornais, revistas  televisões, nas reuniões dos especuladores e dos seus partidos, nos organismos que pregam um mundo de poucos e para poucos.

Quem tem medo do Lula, tem medo do povo, tem medo das alternativas populares, tem medo que o Brasil vá se tornando, cada vez mais uma democracia social, de forma irreversível. Por isso cada palavra do Lula, cada sorriso, cada viagem, cada homenagem, cada abraço que dá e recebe do povo, incomoda tanto a alguns e provoca esse sentimento de confiança que o Brasil está dando certo em tanta gente.

Ter medo ou esperança no Lula é a própria definição de onde está cada um no Brasil e no mundo de hoje.​

Nota de Joaquim Barbosa revela que ele não sabe de nada




http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/-Nota-de-Joaquim-Barbosa-revela-que-ele-nao-sabe-de-nada/4/30816



Carta Maior, 29/04/2014




Nota de Joaquim Barbosa revela que ele não sabe de nada



Por Antonio Lassance


​Irritado com as declarações do ex-presidente Lula à Rádio e Televisão Portuguesa (RTP), contrárias à condução do processo do mensalão, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Joaquim Barbosa, soltou uma nota em defesa do processo e externando sua visão sobre o STF.

Nela, afirma que Lula tem “dificuldade em compreender o extraordinário papel reservado a um Judiciário independente em uma democracia verdadeiramente digna desse nome” e arremata dizendo que o STF é um "pilar essencial da democracia brasileira".

Barbosa avalia que a declaração de Lula "é um fato grave que merece o mais veemente repúdio", e que emite um sinal ruim ao "cidadão comum".

"Cidadão comum", como sabemos, é uma daquelas expressões orwellianas, usadas por quem acha que todos são iguais, mas alguns são mais iguais que outros. Há cidadãos e "cidadãos comuns".

Na condição de "cidadão comum", creio que o fato mais grave e que merece repúdio é alguém que se diz parte de um "pilar da democracia" não admitir o direito de quem quer que seja de criticar o STF, assim como podemos hoje criticar qualquer governo e o Congresso. São todos órgãos do Estado, fundados e mantidos pelo cidadão.

O grave é uma autoridade do Estado se utilizar de seu cargo para conclamar, em uma nota assinada enquanto presidente do Supremo Tribunal Federal, o repúdio a pessoas e a opiniões.

Se alguém tem dificuldade para compreender alguma coisa em matéria de democracia, de uma forma que seja "verdadeiramente digna desse nome", esse alguém é o próprio Joaquim Barbosa.

Qualquer aula de introdução à Ciência Política e qualquer cursinho sobre instituições políticas brasileiras mostram que o pilar da democracia é o princípio da soberania popular.

Nossa Suprema Corte não é constituída por esse princípio. Não é sócia fundadora da democracia. É fundada por ela. É ramo, e não raiz.
Barbosa poderia ter dito, por óbvio que seja, que o Judiciário é um pilar da Justiça, da liberdade, dos direitos humanos, inclusive contra os riscos dos governos da maioria.

Barbosa poderia e até deveria ter dito que esse não é um órgão democrático e representativo, pois não é eleito, mas que não deve se envergonhar disso. Trata-se de um órgão meritocrático, e até isso pode ser posto em dúvida. Até que ponto os ministros que vão para o Supremo são, de fato, os melhores? Há controvérsias saudáveis a respeito.

A confusão de Barbosa explica, em grande medida, sua dificuldade de distinguir entre a missão do Judiciário e o serviço do justiceiro.

Tal confusão demonstra de onde vem sua obsessão por invadir o espaço reservado aos demais Poderes. Em seu cálculo, o risco institucional vale menos que uma manchete. Daí o gosto pelos saltos triplos carpados hermenêuticos, como disse um ex-ministro daquele mesmo STF, que também gostava de praticar ginástica institucional.

O raciocínio rasteiro que subjaz à sua baboseira retórica revelou-se, não faz muito tempo, na indecisão de Barbosa quanto a sair ou não candidato. Embora já não possa se candidatar em 2014, até hoje ele continua falando e agindo como candidato, e não como presidente de um Poder da República.

Sua "lição" de estadista contra Lula mostra o quanto Barbosa se desentende com o que é ser um estadista. Nem mesmo seu cargo de presidente do Supremo; nem sua assessoria; nem sua toga esvoaçante foram capazes de encobrir seu despreparo na hora de redigir uma nota em que deva expressar uma correta definição sobre o que é e para que serve o STF.

O Supremo é um um órgão essencial, mas hoje tristemente comandado com mão de ferro - e como se isso fosse uma virtude, e não um veneno - por quem não tem qualquer traço de estadista, muito menos de democrata.


(*) Antonio Lassance é cientista político.

domingo, 27 de abril de 2014

A Grécia está em plena crise humanitári​a







Carta Maior, 27/04/2014
 
 
   

A saúde na Grécia: crise humanitária

 
Sonia Mitralias (*) - Esquerda.net



Durante estes últimos quatro anos, padecemos na Grécia de uma política que tem consequências trágicas para as nossas vidas. O desmantelamento das estruturas da saúde pública e a mercantilização da Saúde são os resultados - talvez os piores - da aplicação das políticas impostas pelos memorandos (da troika) dos governos destes últimos anos. O objetivo destas políticas de austeridade é transladar, de forma automática e prioritária, o dinheiro público ao pagamento da dívida e não à satisfação das necessidades básicas da população grega.
A Grécia está em plena crise humanitária. A sua população diminuiu e a esperança de vida reduziu-se em dois anos! Há 3 milhões de pessoas sem cobertura de segurança social, o que equivale a um terço da população, e 40% não tem acesso ao sistema público de saúde. Na sua grande maioria são mulheres e crianças. O desemprego é de 28%, 65 % entre os mais jovens e 67% entre as mulheres jovens.
A tudo isto há que acrescentar um novo dado estrutural: as pessoas pobres e sem segurança social. A redução em 40% da percentagem do PIB dedicada às despesas em saúde pública tem-se traduzido no abandono de práticas institucionalizadas como a vacinação obrigatória, os teste para a identificação da tuberculose nas escolas, as fumigações em massa e a prevenção em geral.

O abandono das políticas de saúde pública e a degradação das condições de habitabilidade bem como da higiene pessoal entre grandes setores da população, por causa do seu empobrecimento, está a traduzir-se no reaparecimento de infecções autóctones que tinham desaparecido, como a malária, o aumento da tuberculose, o aumento do número de pessoas seropositivas em 200%, etc.

Mais em concreto, no que se refere às mulheres, estas têm perdido o seu direito à prevenção de doenças como as hemorroidas por causa da gravidez, o cancro de mama ou infeções, já que um grande número de mulheres vai cada vez menos à consulta médica.

Mas há algo pior: já não existe a saúde reprodutiva das mulheres! O direito das mulheres a dispor do seu corpo e a decidir se querem ter ou não uma criança vê-se constantemente ameaçado, não pela proibição do direito ao aborto, como em Espanha, senão devido ao empobrecimento das mulheres e à mercantilização de bens e serviços. Direitos adquiridos, como os cuidados de qualidade durante a gravidez e o parto, uma educação sexual que baseie as relações sexuais na igualdade, a liberdade e o prazer, livre de violência machista, a capacidade de decidir livremente se queremos ter filhos e em que condições…, constituem hoje uma lembrança longínqua. Por outro lado, o livre acesso a dar a luz e a uma interrupção da gravidez de qualidade, bem como a um bom serviço de planeamento familiar e à anticoncepção pertencem à esfera dos sonhos...

Assistimos a uma rápida diminuição dos nascimentos (-20 %), e a um aumento dos abortos (300.000; um aborto custa 350 euros nos hospitais públicos). Além disso, muitas das interrupções voluntárias da gravidez realizam-se necessariamente fora do hospital, sem assistência médica; uma situação que põe em perigo a vida das mulheres.

A isto junta-se o aumento, pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial, da mortalidade dos recém-nascidos e a ausência de vacinação para as crianças pobres. Entre 65% e 70% dos meninos são vacinados na medicina privada (a cargo da já escassa economia familiar de pais sem emprego ou sem segurança social) ou não são vacinados... Uma verdadeira bomba relógio sanitária!

Também assistimos ao abandono, por parte de famílias pobres, de crianças em asilos, à explosão de doenças sexuais infeciosas, ao aumento da miséria, das tensões nas relações humanas, do suicídio e, infelizmente, a um aumento galopante da violência dos homens contra as mulheres ( 47%).
O direito da mulher a decidir se quer ter filhos converte-se numa mercadoria nos hospitais públicos que são transformados em empresas. O direito à liberdade da maternidade converte-se num luxo reservado só aos ricos!
Foram adotadas e aplicadas medidas como a derrogação das convenções coletivas, e a redução ou eliminação de uma série de subsídios, previstos nessas convenções, para facilitar a vida das mulheres e a educação das crianças. Pode citar-se como exemplo a abolição dos subsídios por casal, para amas, para creches, para os acampamentos de verão, o parto e os exames pré-natais, bem como a diminuição em 22% do subsídio (equivalente ao salário base) para o cuidado de crianças durante os 6 primeiros meses de vida.

A situação é ainda pior quando se requer que as mulheres grávidas sem segurança social, bem como as mulheres sem documentos legais, cubram o custo de todos os exames médicos e a hospitalização para o parto. Se não podem pagar, criminaliza-se o mais básico dos direitos humanos, o direito à maternidade.

Para dar a luz numa maternidade pública, terão que pagar quantidades exorbitantes: 600 euros por um parto normal e 1.200 euros por uma cesariana. Situação que se agrava para as pessoas imigrantes: 1200 euros por um parto normal e 2.400 euros por uma cesariana
. Tudo isso sem contar com as despesas das visitas médicas durante a gravidez e também as dos exames pré-natais. Por causa disso, muitas mulheres dão à luz sem exames médicos prévios!

E se tudo isto não fosse suficiente, os hospitais públicos ameaçam não autorizar a saída e nem conceder a certidão de nascimento, se as mulheres sem segurança social não pagam ou não proporcionam um número de identificação fiscal para que lhes sejam faturadas as despesas, a serem pagas em prestações.

Quando não estão em condições de pagar o parto, então o fisco persegue-as e, se devem mais de 5000 euros, são ameaçadas de prisão e de ver confiscadas as suas propriedades. 

Mas ainda há algo pior! "Os cidadãos não gregos da União Europeia e terceiros países" devem pagar o dobro dos custos de hospitalização. Isto é, duplica-se a quantia exorbitante paga pelo parto e os cuidados médicos, o que afeta essencialmente as pessoas mais pobres do mundo, as mulheres imigrantes e as mulheres refugiadas sem papéis, bem como as mulheres sem segurança social. O resultado é que muitas delas saem do hospital durante a noite com o seu recém-nascido nos braços para não ter que pagar estas quantias, enquanto a administração do hospital, com frequência, não emite a certidão de nascimento se não se paga antecipadamente a conta do hospital.
Neste contexto, chegamos a ter crianças endividadas desde o primeiro dia das suas vidas, crianças fantasmas, não declaradas, que nasceram mas que não existem...
Tudo isto é inaceitável!


Tradução de Mariana Carneiro para o Esquerda.net


(*) Sonia Mitralias pertence ao Comitê grego contra a Dívida. O artigo reproduzido pela Viento Sur  é uma contribuição grega para o Manifesto da Rede Europeia contra a Privatização e Mercantilização da Saúde e da Segurança Social, apresentado em Bruxelas no passado dia 7 de fevereiro. O Manifesto constitui o início de uma campanha coordenada a nível europeu que se irá desenvolver até 25 de maio, data das eleições europeias.

Cordel 'Privataria tucana'

 
 


PRIVATARIA TUCANA


"Caiu a casa tucana
Do jeito que deveria
E agora nem resta pó
Pois tudo na luz do dia
Está tão claro e exposto
E o que ninguém sabia
Surge revelado em livro
Sobre a tal privataria.

"Amauri Ribeiro Junior
Um jornalista mineiro
Em mais de 300 páginas
Apresenta ao mundo inteiro
A nobre arte tucana
De assaltar o brasileiro
Pondo o Brasil à venda
Ao capital estrangeiro.

"Expondo a crua verdade
Do Brasil privatizado
O livro do jornalista
Não deixa ninguém de lado
Acusa Fernando Henrique
Gregório Marin Preciado
Serra e suas mutretas
E o assalto ao Banestado.

"Revelando em detalhes
Uma quadrilha em ação
O relato jornalístico
Destrói logo a ficção
De que político tucano
É homem de correção
Mostrando que entre eles
O que não falta é ladrão.

"Doleiros e arapongas
Telefone grampeado
Maracutaias financeiras
Lavagem por todo lado
Dinheiro que entra e sai
Além de sigilo quebrado
Obra de gente tucana
Na privatização do Estado.

"Parece mas não é
Ficção esse relato
Envolvendo tanta gente
E homens de fino trato
Que pra roubar precisaram
Montar um belo aparato
Tomando pra si o Estado
Mas hoje negam o fato.

"Tudo isso e muito mais
Coisas de uma gente fina
Traficantes de influência
E senhores da propina
Mostrando como se rouba
Ao pivete da esquina
E a cada negócio escuso
Ganhando de novo na quina.

"Se tudo isso não der
Pra tanta gente cadeia
Começando por Zé Serra
Cuja conta anda cheia
O Brasil fica inviável
A coisa fica mais feia
Pois não havendo justiça
O povo se desnorteia

"Com CPI já pensada
Na câmara dos deputados
Não se fala outra coisa
No imponente senado
Onde senhores astutos
E tão bem engravatados
Sabem que o bicho pega
Se tudo for investigado.

"Por isso, temos tucanos
Numa total caganeira
No vaso se contorcendo
Às vezes a tarde inteira
Mesmo com a velha mídia
Sua indiscreta parceira
Pelo silêncio encobrindo
Outra grande roubalheira.

"São eles amigos da Veja
Da Folha e do Estadão,
Da Globo e da imprensa
Que distorce a informação
Blindando tantas figuras
Que tem perfil de ladrão
Mostrando-os respeitáveis
Como gente e cidadão.

"Pois essa mídia vendida
Deles eterna parceira
E que se diz democrática
Mas adora bandalheira
Ainda não achou palavras
E silenciosa anda inteira
Como se fosse possível
Ignorar tanta sujeira.

"Ela que tanto defende
A liberdade de imprensa
Mas somente liberdade
Pra dizer o que compensa
Não ferindo interesses
Tendo como recompensa
Um poder exacerbado
Que faz toda a diferença.

"Mas neste livro a figura
Praticamente central
Sujeito rei das mutretas
Um defensor da moral
É o impoluto Zé Serra
Personagem que afinal
Agora aparece despido
Completamente venal.

"É o próprio aparece
Sem retoque nem pintura
Tramando nos bastidores
Roubando na cara dura.
É o Zé Serra que a mídia
Esconde e bota censura
Para que o povo não veja
A sua trágica feiúra.

"E ele sabe e faz tudo
No reino da malandragem
Organiza vazamentos
Monta esquema de lavagem
Ensina a filha e o cunhado
As artes da trambicagem
E como bandido completo
Tenta preservar a imagem.

"Mas agora finalmente
Com a casa já no chão
E exposta em detalhes
Tão imensa podridão
Que nosso país invadiu
Com a privatização
Espera-se que Zé Serra
Vá direto pra prisão.

"E pra não ficar sozinho
Que ele vá acompanhado
Do Fernando ex-presidente
Mais o genro dedicado
Marido da filha Mônica
E outro homem devotado
Ricardo Sergio Oliveira
E também o Preciado.

"Completando o esquema
Deixando lotada a prisão
Ainda cabe o Aécio
Jereissati e algum irmão
Nunca esquecendo o Dantas
Que só rouba de bilhão
E traz guardado no bolso
O tal Gilmar canastrão.

"Como estamos em época
De Comissão da Verdade
Que se investigue a fundo
E não se tenha piedade
Dos que usaram o Estado
Visando a finalidade
De praticar tanto crime
E ficar na impunidade.

"Tanto roubo descarado
Provado em documento
Não pode ser esquecido
E ficar sem julgamento
Pois lesou essa nação
Provocando sofrimento
A quem sofre e trabalha
Por tão pouco vencimento.

"Que o livro do Amauri
Maior presente do ano
Seja lido e comentado
Sem reservas nem engano
Arrebentando o esquema
Desse grupo tão insano
Abrindo cela e cadeia.
Pra todo bandido tucano."


Silvio Prado
Diretor Estadual da APEOESP
venceremos.2@hotmail.com

sábado, 26 de abril de 2014

A aberração e o ultraje da canonizaçã​o de Wojtyla



http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Internacional/Os-escandalos-que-assombram-a-canonizacao-de-Joao-Paulo-II/6/30800


 
​Carta Maior, 26/04/2014 

    

Os escândalos que assombram a canonização de João Paulo II ​



Eduardo Febbro

 


Vítimas, que vítimas? – perguntou o cardeal Velasio de Paolis. E acrescentou: “Não são apenas estas vítimas”. Depois houve um silêncio de corpo e alma e o olhar um tanto perdido do superior geral dos Legionários de Cristo, nomeado em 2010 para esse cargo pelo então papa Joseph Ratzinger. À pergunta de de Paolis se seguiu uma resposta: as vítimas não eram só os milhares de menores que sofreram com os apetites sexuais das batinas hipócritas, mas também o próprio Vaticano. As vítimas não eram unicamente os menores ou adultos abusados e violentados pelo padre Marcial Maciel, o fundador dessa indústria dos atentados sexuais que foi, durante seu mandato, o grupo dos Legionários de Cristo. A vítima era a Santa Sé, que foi “enganada”.

João Paulo II, o papa que, entre outros horrores, promoveu e encobriu pedófilos e violadores da Igreja, recebeu, ao mesmo tempo em que João XXIII, a canonização. Para além do espetáculo obsceno montado para esta ocasião, dos milhares de fieis na Praça de São Pedro, dos três satélites suplementares para transmitir o ato, para além da fé de muita gente, a canonização do papa polonês é uma aberração e um ultraje para qualquer cristão do planeta. Declarar santo a Karol Wojtyla é se esquecer do escandaloso catálogo de pecados terrestres que pesam sobre este papa: amparo dos pedófilos, pactos e acordos com ditaduras assassinas, corrupção, suicídios jamais esclarecidos, associações com a máfia, montagem de um sistema bancário paralelo para financiar as obsessões políticas de João Paulo II – a luta contra o comunismo -, perseguição implacável das correntes progressistas da Igreja, em especial a da América Latina, ou seja, a frondosa e renovadora Teologia da Libertação.

O “vítimas, que vítimas?” pronunciado em Roma pelo cardeal Velasio de Paolis encobre toda a impunidade e a continuidade ainda arraigada no seio da Igreja. Jurista e especialista em Direito Canônico, De Paolis fazia parte da Congregação para a Doutrina da Fé na época em que – anos 80 – se acumulavam as denúncias contra Marcial Maciel. No entanto, foi ele quem firmou a segunda absolvição do sacerdote mexicano. O ex-padre mexicano Alberto Athié contou à Carta Maior como Maciel sabia distribuir dinheiro e favores para comprar o silêncio das hierarquias. Athié renunciou em 2000 ao sacerdócio e se dedicou à investigação e denúncia dos abusos sexuais cometidos por clérigos e organizações.

O destino de Maciel foi selado por Bento XVI a partir de 2005. Em 2004, antes da morte de Karol Wojtyla, Maciel foi honrado no Vaticano. Neste mesmo ano, Ratzinger reabriu as investigações contra os Legionários. O dossiê Maciel havia sido bloqueado em 1999 por João Paulo II e mantido invisível por outra das figuras mais soturnas da cúria romana, Angelo Sodano, o ex-secretário de Estado de Giovanni Paolo. Sodano é uma pérola digna de figurar em um curso de manobras sujas. Decano do Colégio de Cardeais, ele tinha negócios com os Legionários de Cristo. Um sobrinho dele foi um dos assessores nomeados por Maciel para construir a universidade que os legionários de Cristo têm em Roma, a Universidade Pontífica Regina Apostolorum.

Sodano, que foi o número dois de Jão Paulo II durante quase 15 anos, tinha um inimigo interno, Joseph Ratzinger, um clube de simpatias exteriores cujos dois membros mais eminentes eram o ditador Augusto Pinochet e o violador Marcial Maciel. Sodano e Ratzinger travaram uma batalha sem tréguas: o primeiro para proteger os pedófilos, o segundo para condená-los. Em 2004, Ratzinger obrigou Maciel a se demitir e a se retirar da vida pública. Dois anos depois, já como Bento XVI, o papa o suspendeu “a divinis”. As investigações reabertas por Ratzinger demonstraram que Maciel era um pederasta, tinha duas mulheres, três filhos, várias identidades diferentes e manejava fundos milionários.

As denúncias prévias nunca haviam passado o paredão levantado por Sodano e o hoje Santo João Paulo. A carreira de Sodano é uma síntese do Papado de Karol Wojtyla, onde se mesclam os interesses políticos, as visões ideológicas ultraconservadoras, a corrupção e as manipulações. Angelo Sodano foi Núncio no Chile durante a ditadura de Pinochet. Manteve uma relação amistosa com o ditador e isso permitiu que organizasse a visita que João Paulo II fez ao Chile em 1987. Seu irmão Alessandro foi condenado por corrupção após a operação Mãos Limpas. Seu sobrinho Andrea teve a mesma sorte nos Estados Unidos. O FBI descobriu que Andrea e um sócio se dedicavam a comprar – mediante informação privilegiada – por um punhado de dólares as propriedades imobiliárias das dioceses dos Estados Unidos que estavam em bancarrota devido aos escândalos de pedofilia.

Mas o mundo sucumbiu ao grito de “santo súbito” que reclamava a canonização de um homem que presidiu os destinos da Igreja em seu momento mais infame e corrupto. O papa “viajante”, o papa “amável”, o papa “dos jovens”, era um impostor ortodoxo que deixou desprotegidas as vítimas dos abusos sexuais e os próprios pastores da Igreja quando estes estiveram com suas vidas ameaçadas.

Sua visão e suas necessidades estratégicas sempre se opuseram às humanas. Na trama desta história também há muito sangue, e não só de banqueiros mafiosos como Roberto Calvi ou Michele Sindona, com quem João Paulo II se associou para alimentar com fundos secretos os cofres do IOR (Banco do Vaticano), fundos que serviram para financiar a luta contra o comunismo no leste europeu e contra  a Teologia da Libertação na América Latina.
João Paulo II deixou desprotegidos os padres que encarnavam, na América Latina, a opção pelos pobres frente às ditaduras criminosas e seus aliados das burguesias nacionais. Em 2011, cinquenta destacados teólogos da Alemanha assinaram uma carta contra a beatificação de João Paulo II por não ter apoiado o arcebispo salvadorenho Óscar Arnulfo Romero, assassinado em 24 de março de 1980 por um comando paramilitar da extrema-direita salvadorenha, enquanto celebrava uma missa. Romero sim que é e será um santo. O arcebispo enfrentou os militares para pedir-lhes que não assassinassem seu povo, percorreu bairros, zonas castigadas pela repressão e pela violência, defendeu os direitos humanos e os pobres. Em resumo, não esperou que Bergoglio chegasse a Roma para falar de “uma Igreja pobre para os pobres”. Não. Ele a encarnou em sua figura e pagou com sua vida, como tantos outros padres aos quais o Vaticano taxava de marxistas ou comunistas só porque se envolviam em causas sociais.
João Paulo II é um santo impostor que traiu a América Latina e aqueles que, a partir de uma igreja modesta, ousaram dizer não aos assassinos de seus povos. Se, no leste europeu, João Paulo II contribuiu para a queda do bloco comunista, na América Latina favoreceu a queda da democracia e a permanência nefasta de ditaduras e sua ideologia apocalíptica. Um detalhe atroz se soma à já incontável dívida que o Vaticano tem com a justiça e a verdade: o expediente de beatificação de Óscar Romero segue bloqueado nos meandros políticos da Santa Sé. João Paulo II beatificou Josemaría Escrivá, o polêmico fundador da Opus Dei e um de seus protegidos. Mas deixou Romero de fora, inclusive quando estava com sua vida ameaçada. “Cada vez mais sou um pastor de um país de cadáveres”, costumava dizer Romero.

João Paulo II foi eleito em 1978. No ano seguinte, Monsenhor Romero entregou a ele um informe sobre a espantosa violação dos Direitos Humanos em El Salvador. O papa ignorou o informe e recomendou a Romero que trabalhasse “mais estreitamente com o governo”. Como lembrou à Carta Maior Giacomo Galeazzi, vaticanista de La Stampa e autor de uma magistral investigação, “Wojtyla Secreto”, em “seus 25 anos de pontificado nenhum bispo latinoamericanao ligado à ação social ou à Teologia da Libertação foi nomeado cardeal por João Paulo II”. A resposta está em uma frase de outro dos mais dignos representantes da “Igreja dos Pobres”, o falecido arcebispo brasileiro Hélder Câmara. “Quando alimentei os pobres me chamaram de santo; mas quando perguntei por que há gente pobre me chamaram de comunista”.
O show universal da canonização já foi lançado. A imprensa branca da Europa tem a memória muito curta e sua cultura do outro é estreita como um corredor de hospital. Todos celebram o grande papa. Ela promoveu à categoria de santo um homem que tem as mãos sujas, que cometeu a infâmia de encobrir violadores de crianças, de beijar ditadores e legitimar com isso o rastro de mortos que deixavam pelo caminho, de negociar benefícios para a máfia, que sacrificou em nome dos interesses de uma parte da Europa a misericórdia e a justiça de outros, entre eles os da América Latina. Estão canonizando um trapaceiro. O cúmulo da esperteza, do erro imemorial.

Em que altar se ajoelharão as vítimas dos abusadores sexuais e das ditaduras? Podemos levantar todos juntos um lugar aprazível e justo na memória com as imagens do padre Múgica ou do Monsenhor Romero para nos reencontrarmos com a beatitude o sentido de quem, por um ideal de justiça e igualdade, enfrentou a morte sem pensar nunca em si mesmo, ou em baixas vantagens humanas.


Tradução: Marco Aurélio Weissheimer

sexta-feira, 25 de abril de 2014

Dirceu, homem-test​e


 





DIRCEU, HOMEM-TESTE


Paulo Moreira Leite



É inacreditável que, no Brasil de 2014, se tente levar a sério – por um minuto – o pedido de investigar todas ligações telefônicas entre o Planalto, o Supremo, o Congresso e a Papuda entre 6 e 16 de janeiro.
A rigor, o pedido de investigação telefônica tem um aspecto terrorista, como já disse aqui. 
Implica em invadir poderes - monitorar ligações telefônicas é saber quem conversou com quem mesmo sem acessar o conteúdo da conversa  - e isso o ministério público não tem condições de fazer antes que o STF autorize  a abertura de um processo contra a presidente da República. 
O que queremos? Brincar de golpe?
Criar o clima para uma afronta aos poderes que emanam do povo? 
Quem leva a sério o pedido de monitorar telefones do Planalto, com base numa denúncia anonima, sem data, nem hora nem lugar conhecido - o que permite perguntar até se tenha ocorrido - nos ajuda a  pensar numa hipótese de ficção cientica. Estão querendo um atalho atingir a presidente? Assim, com a desculpa de que é preciso apurar um depoimento secreto? 

Nem é possível fingir que é possível levar a sério um pedido desses. 

Por isso não é tão preocupante que uma procuradora do DF tenha feito tenha assinado um pedido desses. É folclórico, digno dos anais da anti-democracia e da judicialização.
O preocupante é a demora de Joaquim Barbosa em repelir o pedido. Rodrigo Janot, o PGR, já descartou a solicitação. Mas Joaquim permanece mudo.
O que ele pretende? 
O que acha que falta esclarecer? 
Indo para o terreno prático. Estamos falando de uma área por onde circulam milhares de pessoas, que mantém conversas telefônicas longas, curtas, instantâneas ou intermináveis com chefes, assessores, amigos, maridos, motoristas, namoradas, amantes...sem falar na frota de taxi, no entregador de pizza e no passeador de cachorro...
Monitorar quem ligou para quem?
Imagine. Num dia qualquer entre 6 e 16 de janeiro de 2016 uma jovem assessora do Senado, que trabalha de minissaia e namora um musculoso agente penitenciário na Papuda, resolve encontrá-lo para tomar um sorvete. Mas o rapaz não aparece. Ela liga para o celular do amor de sua vida. O namorado atende  dentro de um ônibus que, naquele momento, se encontra parado no sinal vermelho em frente ao Planalto. 
Três meses depois, aparece o grampo:
- Alô, Zé Dirceu na linha? Onde você está? Aqui é a Maça Dourada. Aquela, de 68. Lembra, na Maria Antônia....A gente não tinha marcado um encontro, 50 anos depois? Nossa turma tinha essa mania, lembra?

Está na cara que nada se pretende descobrir com uma investigação desse tipo. O que se pretende é ganhar tempo, como se faz desde 16 de novembro, quando Dirceu e outros prisioneiros chegaram a Papuda. Com ajuda dos meios de comunicação mais reacionários, os comentaristas mais inescrupulosos, pretende-se criar uma ambiente de reação contra o exercício de um direito típico dos regimes democráticos. Aguarda-se por uma comoção que impeça a saída de Dirceu. Você entendeu, né...
No plano essencial, temos o seguinte: Dirceu nunca deveria ter passado um único dia em regime fechado, pois  jamais recebeu uma sentença que implicasse em pena desse porte após o trânsito em julgado.
Suas condições de detenção na Papuda se tornaram inaceitáveis a partir do momento em que ele – cumprindo as determinações legais à risca – conseguiu uma oferta de emprego para trabalhar em Brasília, obtendo a aprovação do Ministério Público e da área psicossocial.
No plano da investigação policial, temos o seguinte: nenhuma das possíveis alegações para impedir o exercício desse direito foi provada. Nenhuma.
O que mantém Dirceu na prisão?
Apenas  a vontade política de negar um direito que a lei assegura a todos. Um pedido de monitoramento de milhares (ou centenas de milhares? Milhões?) de telefonemas expressa o tamanho dessa vontade delirante de  castigar, de punir. Já se ultrapassou qualquer limite civilizado. E aqui entramos em nova área de risco.
Depois de passar por um campo de concentração do nazismo, e, mais tarde, conduzido a um campo soviético porque fazia oposição política a Josef Stalin, o militante David Roussett fez uma afirmação essencial:
 “As pessoas normais não sabem que tudo é possível."
Ele se referia à câmara de gás, aos trens infectos, ao gelo, a fome, o frio – a todo sofrimento imposto a seres humanos em nome do preconceito de raça, de classe, da insanidade política, do ódio, da insanidade que dispõe de armas poderosas para cumprir suas vontades.
Não temos câmaras de gás no Brasil de 2014. Mas temos anormalidade selvagem.  Já tivemos um julgamento onde os réus não tiveram direito a presunção da inocência. Quem não tinha foro privilegiado não teve direito a um segundo grau de jurisdição. As penas foram agravadas artificialmente.  
Dirceu está sendo desumanizado, como se fosse uma cobaia de laboratório, mantida sob vigilância num cubo de vidro, 24 horas por dia.
Foi transformado num caso-teste.  
O direito que hoje se nega a Dirceu amanhã poderá ser negado a todos.
Será tão difícil captar a mensagem? ​


Paulo Moreira Leite é Diretor da Sucursal da ISTOÉ em Brasília, é autor de "A Outra História do Mensalão". Foi correspondente em Paris e Washington e ocupou postos de direção na VEJA e na Época. Também escreveu "A Mulher que Era o General da Casa".

quinta-feira, 24 de abril de 2014

João Paulo II: acobertame​nto e canonizaçã​o




​Carta maior, 24/04/2014

          

João Paulo II: acobertamento e canonização



Editorial do La Jornada





​Slawomir Oder, o sacerdote polonês que lidera o processo de canonização de João Paulo II, afirmou na terça-feira (22) que não há sinais de participação pessoal do falecido pontífice no escândalo de pedofilia que envolveu a Congregação dos Legionários de Cristo e seu fundador, Marcial Maciel.

Se for considerado o contexto de críticas em que a canonização do polonês surgiu –tanto em setores progressistas da opinião pública como em grupos católicos ultraortodoxos–, a declaração de Oder representa uma medida de controle de estragos compreensível e até mesmo óbvia, cuja finalidade seria atenuar as denúncias: no mesmo sentido, parece considerar, conforme afirmaram alguns vaticanistas nas últimas semanas, a decisão adotada pelo papa Francisco de canonizar em uma mesma cerimônia João Paulo II e João XXIII – principal idealizador do Concílio Vaticano II – como uma forma de tirar protagonismo da figura de Karol Wojtyla e atenuar as acusações.

Contudo, os elementos disponíveis mostram que tanto o pontífice polonês como seu sucessor, Joseph Ratzinger, tiveram informações suficientes para conhecer os crimes de Marcial Maciel. Vale lembrar que, em 2004, o próprio Ratzinger teve a oportunidade de reabrir, quando ainda presidia a Congregação para a Doutrina da Fé, o expediente do fundador dos Legionários; a autoridade católica, entretanto, recusou submeter Maciel a um processo canônico e, com isso, selou a impressão de que o Vaticano preferia preservar a impunidade do religioso do que desatar um escândalo e uma confrontação com essa ordem, que possui grande parte de poder político e econômico. Com isso, o Vaticano não apenas acentuou os danos às vítimas de Maciel, como deu margem para a omissão de outros abusos sexuais contra menores no seio da Igreja e exibiu uma pauta de encobrimento de casos de pedofilia clerical nas esferas mais altas da hierarquia católica. 

A insistência dos que impulsionaram a canonização de Wojtyla sob o pressuposto de que ele não tinha conhecimento dos crimes de Maciel é, ao contrário, anticlimática no contexto de um pontificado – liderado por Jorge Mario Bergoglio– que começou, pelo menos no discurso, com um claro espírito de renovação da Igreja católica e com uma nítida atitude de denúncia de alguns dos lastros e vícios mais palpáveis da hierarquia do Vaticano. Um dos principais elementos simbólicos dessa virada aconteceu há apenas algumas semanas, quando o papa Francisco pediu desculpas pelos casos de abuso sexual cometidos por sacerdotes.

A demarcação que a Igreja católica pode estabelecer em relação aos pontos obscuros do pontificado de João Paulo II talvez seja conveniente neste momento, quando a instituição parece estar mais preocupada em consumar a elevação do pontífice polonês à santidade do que em esclarecer as denúncias. Mas dificilmente ajudará a Igreja a recuperar sua credibilidade e seu prestígio: para isso é necessário que a hierarquia do Vaticano mostre a sensibilidade e o apego irrestrito à legalidade e um sentido elementar de justiça que até agora faltaram no que diz respeito aos episódios de pedofilia que envolvem integrantes do clero católico.​

quarta-feira, 23 de abril de 2014

O perigoso fetiche de Wall Street








Carta Capital, 23/04/2014



O perigoso fetiche de Wall Street


Por Rafael Zacca



A cena de abertura de O Lobo de Wall Street exibe um comercial das Stratton Oakmont Inc. que traz uma importante chave de decifração do malabarismo a que Martin Scorsese submete o seu último filme. Nesse comercial, a placa de Wall Street, a famosa rua da ilha de Manhattan em que está a principal bolsa de valores do mundo, precede um discurso sobre a selva que é o mundo dos negócios. O narrador guia o espectador ao dizer: “Touros, ursos, perigo a todo momento.” O comercial das Stratton Oakmont promete guiar os compradores da bolsa de valores pela selva financeira a partir de seus princípios de estabilidade, integridade e orgulho, enquanto um leão, o majestoso rei da selva, caminha deixando um rastro, uma promessa de ordem.Repentinamente, porém, o espectador é remetido ao universo caótico das Stratton Oakmont, com um lunático Jordan Belfort (Leonardo DiCaprio) berrando alucinadamente enquanto anões são arremessados em um jogo de apostas. A sequência duplamente surrealista do filme, que traz um leão no comercial da empresa, e um anão arremessado em meio a um dia de trabalho rotineiro, denuncia que este não é um filme exatamente sobre a bolsa de valores. É claro que seu conteúdo material, a massa factual que manipula, diz respeito a esse universo. Mas o que o filme de Scorsese tenta apresentar diz respeito a um fenômeno mágico moderno. Quando Jordan Belfort pede para que algum de seus funcionários lhe venda uma caneta, ou quando pede, na última cena do filme, para que os ouvintes de sua palestra façam o mesmo, ele denuncia esse fenômeno e de onde ele emana. Trata-se do fetiche da mercadoria.
Da primeira vez que usa a expressão “sell me this pen”, venda-me esta caneta, a natureza mágica do fetiche se expõe. Ela sucede um diálogo em que Belfort explicava que todas as pessoas do mundo querem ficar ricas, enquanto um de seus empregados argumentava que vendia maconha para um homem que só queria fabricar móveis. Que um homem queira apenas fabricar móveis, isso é incompreensível para Belfort. Todas as relações mágicas têm por natureza tamanha autoridade da ilusão, que é impossível compreender que algo de diferente exista. Belfort não pode compreender que haja gente que não queira ficar rico. Isso não é exposto de maneira moral por Scorsese: existe um tipo de relação social que engendra certa concepção de mundo (e é exatamente por isso que não há uma mensagem moralista no filme que diga: “veja como Wall Street é cheia de babacas e imorais”, ou “a natureza do homem é de lobo do próprio homem”, embora haja tanto desentendimento sobre o filme, quando dois lados de uma discussão infrutífera argumentam se o filme é pró ou anticapitalista). A natureza de qualquer fetiche é um véu. Ele oculta todas as relações que dão origem a um fenômeno; apenas no ocultamento é possível a emergência de um fetiche. Deste véu emergem tanto as imagens irresistíveis da “mulher inacessível”, que está por trás de toda a história da dominação patriarcal, e que resulta na abundância de fantasias sexuais femininas emsexy shops ou em novelas televisivas, como as embalagens estetizantes dos diversos produtos nas vitrines que fazem com que eles sejam perseguidos para além de suas qualidades ou das suas possibilidades de uso. O filme de Scorsese serve-nos para que lancemos um olhar mais profundo sobre o Black Friday e sobre as zonas de prostituição – e sobre a sugestiva culminância do Red Light District.
Não é por acaso que a prostituta é uma figura central no filme. Prostituição, drogas de origem industrial e dinheiro são um trio inseparável na arquitetura cinematográfica do Lobo. Na sequência “desmistificadora” da personagem de Belfort há uma cena em que essas três figuras se alternam de maneira significativa. Num primeiro momento, o corretor está com uma prostituta, a mercadoria encarnada, mas não a está penetrando; ao invés disso, usa seu ânus como suporte para se entorpecer. Em seguida, fala de sua relação com a droga, vestido em um terno Armani: “Sim, em uma base diária, eu consumo drogas o suficiente para sedar Manhattan, Long Island e Queens.” Após descrever as drogas que toma a cada momento do dia (todas de origem industrial – as drogas industriais são contemporâneas do auge do capitalismo no século XXI), fala de seu principal vício: “De todas as drogas sob o céu azul de Deus, há uma que é a minha favorita absoluta”, e, enquanto bate uma carreira de cocaína, prossegue: “Vê? O suficiente dessa droga vai torná-lo invencível, capaz de conquistar o mundo e extirpar seus inimigos.” E explica que não está falando da cocaína. Ele abre o canudo com que cheirou a droga, e exibe uma nota de cem dólares: “estou falando disso.”
A maior parte da autoapresentação de Belfort é exibida no estilo dos selfmade men. Um Leonardo DiCaprio bem vestido, penteado e confiante é exibido sempre caminhando em direção à câmera, explicando suas qualidades e sua história, a servir de exemplo para seus espectadores. O formato acolhido pela estética dos livros de autoajuda é torcido (ou melhor, revelado em sua mais profunda verdade) por Scorsese para mostrar o quanto há de destruction of the other em qualquer relação mercadológica. As Stratton Oakmont, entulhadas em processos e sob investigação constante do FBI por suas ações ilegais, não devem ser compreendidas como um acidente na história divina do deus mercado: elas são o seu modus operandi.
Os desígnios do deus mercado são inescrutáveis. Não tente compreender, Belfort adverte. Quando precisa explicar alguma manobra que fez para quebrar as leis estatais e faturar milhões com a venda ilegal de ações ou qualquer outro procedimento (não tente compreender!), ele avisa ao espectador para que não se preocupe em entender: faturar milhões ultrapassa qualquer entendimento. É claro, o deus mercado é incompreensível para quem está de olho nas cifras. Para manipular a mercadoria como objeto poético em seu filme, e o fetiche que dela decorre, Martin Scorsese não poderia usá-la como objeto direto; nem poderia, pois ela não é o objeto em si, não teria como mostrar diversos consumidores na fila pelas últimas novidades em um shopping centerqualquer. Pois é da natureza da mercadoria ocultar as relações sociais que a produziram. Sua culminância são os números da bolsa de valores, que são negociados como números, mas que flutuam de acordo com uma série de relações humanas, e não com uma matemática pura aplicada.
Apenas ao esconder as relações humanas, a mercadoria consegue estetizar a vida dos seres humanos. Ainda em princípios do Lobo, Belfort explica que aos 22 anos teve uma experiência com a bolsa de valores de Nova York que mudou sua vida. Principalmente após a conversa com o corretor Mark Hanna. A fala do corretor ao aconselhar Belfort sobre o trabalho na bolsa é reveladora neste sentido. Segundo Hanna:
Ninguém sabe se uma ação sobe ou desce ou se a merda fica variando em círculos. (…) É tudo falso, pó de fada, não existe. Nunca se materializou, ou seja, não importa, não é carga elementar, não é real! Não criamos nada, não construímos nada. Então, se tem um cliente, que trouxe a ação em 8 e agora está em 16, está feliz pra caralho, quer descontá-lo e liquidar, levar a grana pra casa… Você não deixa ele fazer isso. Porque isso vai tornar a coisa real.
Hanna introduz Belfort no reino mágico da mercadoria. A música que improvisa ao ensinar-lhe o caminho das pedras – tomada por um observador desatento como puro descontrole emocional – representa um passo a mais nessa estetização. Sai da argumentação racional do funcionamento da bolsa para “tornar-se um hábito”, como explica Hanna. A mesma canção é entoada anos mais tarde por Belfort para embalar seus funcionários, enquanto discursa tão furiosamente como um Führer. O ponto de encontro entre capitalismo e fascismo é desnudado por Scorsese a partir da estetização da vida promovida pela mercadoria; estetização tão característica do fascismo e tão aparente no Terceiro Reich. Ao discursar para seus funcionários eufóricos, Jordan Belfort pode ser comparado a Adolf Hitler, não no sentido de culpabilizá-lo moralmente pelos escândalos das Stratton Oakmont, assim como não deve recair sobre Hitler a responsabilidade única sobre o Nazismo. Se Jordan Belfort não existisse, outro ocuparia o seu lugar, assim como o Führer é a parte menos trágica do Terceiro Reich.
A história de Jordan Belfort contada por Scorsese não fala de um homem descontrolado, imoral ou afetado. Não fala de um sacana que quer ferrar a todos. Não fala sobre um corretor da bolsa de valores. Jordan Belfort é um cavalo de santo, através de quem fala a própria mercadoria, assim como através de Hitler falavam as relações de produção capitalistas desesperadas por se defender de uma crise sem precedentes, mimetizando os anseios mais profundos e contraditórios do povo alemão da meia noite do século.​

Rafael Zacca Poeta e crítico literário, é mestrando em Filosofia pela Universidade Federal Fluminense. Integra o corpo editorial da Revista Chão, e mantém a coluna Sucesso de Sebo. Participa da Oficina Experimental de Poesia, no Rio de Janeiro.

Lula recebe 27º título de doutor honoris causa pela Universida​de de Salamanca

Que se contorçam de ódio todos os elitistas e preconceituosos.


23/04/14


Lula recebe 27º título de doutor honoris causa pela Universidade de Salamanca



Lula recebe o birrete de doutor Lula recebe o birrete de doutor Foto: Divulgação/Universidade de Salamanca

O ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva recebeu, na manhã desta quarta-feira, seu 27º título de doutor honoris causa. Desta vez, a honraria foi concedida pela Universidade de Salamanca, na Espanha. De acordo com a deliberação da instituição, Lula recebe a homenagem “pelo impacto que teve à política educativa do seu governo, tanto no incrementação da equidade social como na melhoria da eficiência, conseguidas mediante a valorização de todos os recursos intelectuais de que dispõe esse grande país amigo, especialmente dos provenientes dos setores sociais mais desfavorecidos”.
O ex-presidente teve como padrinho o catedrático e ex-diretor do Centro de Estudos Brasileiros, Gonzalo Gómez Dacal. A Universidade de Salamanca já concedeu o título ao Nobel da Literatura José Saramago, ao economista de Bangladesh e Nobel da Paz, Muhammad Yunus e ao também ex-presidente do Chile, Ricardo Lagos.



Lula e Marisa são recepcionados por alunos da Universidade de Salamanca
Lula e Marisa são recepcionados por alunos da Universidade de Salamanca Foto: Reprodução/Twitter
A instituição declarou ainda que a concessão do título “reforça uma vez mais o estreito vínculo acadêmico e cultural que mantém com o país do continente americano”.
Lula já recebeu o título de doutor honoris causa pela Universidade de Coimbra, em Portugal; pela Politécnica de Lausanne, na Suiça; pelo Institut d’Etudes Politiques de Paris (Sciences-Po); entre outras instuições nacionais e internacionais.

Como um Su-24 russo paralisou um destróier americano



Como um Su-24 russo paralisou destróier americano





Na semana passada, na Internet russa foi discutido ativamente um comunicado de como um bombardeiro da frente russo Su-24 equipado com um o sistema de neutralização radioeletrônica de última geração havia paralisado no mar Negro o mais sofisticado sistema americano de combate Aegis a bordo do destróier Donald Cook.

O destróier participava das manobras americano-romenas que tiveram como missão demonstrar a força, diz Pavel Zolotarev, perito em assuntos políticos:

“Em 10 de abril, o Donald Cook armado de mísseis cruzeiro Tomahawk entrou em águas neutras do mar Negro. Os exercícios tiveram por fim intimidar e demonstrar a força em resposta à posição da Rússia na Ucrânia e na Crimeia. Destaque-se que a entrada de navios militares americanos neste espaço aquático contraria a convenção sobre o caráter e os prazos de permanência no mar Negro de vasos de guerra dos países não banhados por este mar.

A Rússia, por seu lado, enviou um avião desarmado Su-24, para sobrevoar o destróier americano. Contudo, este avião, como consideram peritos, foi equipado com um sistema russo de luta radioeletrônica de última geração. Segundo esta versão, o Aegis ainda de longe teria interceptado a aproximação do avião dando alerta de combate.Tudo decorria como de habitude, tendo os radares da nave calculado a distância até o alvo. Mas de repente todos os telas se apagaram. O Aegis deixou de funcionar e os mísseis não receberam a indicação do alvo. Entretanto, o SU-24 sobrevoou a coberta do destróier, fez uma viragem de combate e imitou um ataque de mísseis. Depois fez uma volta e repetiu durante 12 vezes consecutivos a manobra.

Pelo visto, todas as tentativas de reanimar o Aegis e indicar o alvo ao sistema de defesa antiaérea fracassaram. A reação da Rússia à pressão militar dos EUA foi terrivelmente tranquila, considera Pavel Zolotarev:

A demonstração foi bastante original. Um bombardeiro sem armas, mas equipado com um sistema de neutralização radioeletrônicade radares do inimigo deu certo atuando contra o destróier com o sistema mais sofisticado de DAA e de DAM a bordo. Mas este sistema de baseamento móvel, neste caso marítimo, tem um defeito considerável – as possibilidades de acompanhar os alvos, que funcionam bem quando há vários navios e é possível coordenar-se entre si. Mas neste caso havia só um destróier. Ao que tudo indica, o algoritmo de trabalho dos radares da nave no sistema Aegis não funcionou sob a ação do sistema de neutralização radioeletrônica a bordo do Su-24. Por isso foi provocada não apenas uma reação de nervos ao próprio fato do sobrevoo, praticado largamente só no período da Guerra Fria. Houve a seguir mais uma reação ao fato de o sistema mais sofisticado, em primeiro lugar a sua parte informativa, de radares, não ter funcionado em plena medida. Por isso, a parte americana reagiu tão nervosamente”.

Após o incidente, como escreve a mídia estrangeira, o Donald Cook entrou com urgência num porto da Romênia, onde 27 tripulantes do navio solicitaram demissão escrevendo nos pedidos, como se diz, que não pretendem arriscar suas vidas. Tal é confirmado indiretamente por uma declaração do Pentágono, em que se afirma que esse ato tem desmoralizado a tripulação do destróier americano.

Quais podem ser as consequências militares do incidente no Mar Negro, provocado pelos Estados Unidos? Comenta Pavel Zolotarev:

“A meu ver, os americanos irão refletir sobre o aperfeiçoamento do sistema Aegis. Este é o puro lado militar. Mas é pouco provável que politicamente sejam dados quaisquer passos por uma ou outra parte. Essas ações são suficientes. Entretanto, este é um momento desagradável para os americanos. Em geral, o sistema de DAM, que estão desenvolvendo, absorve meios colossais e é necessário provar cada vez que eles devem ser canalizados do orçamento. Ao mesmo tempo, a componente terrestre do sistema de DAM – contra-mísseis em poços – foi testado em condições ideais, mostrando uma baixa eficácia. Este fato é escondido minuciosamente pelo Pentágono. O mais sofisticado sistema Aegis de estacionamento marítimo também revelou neste caso seus defeitos”.

O sistema com que o Su-24 havia chocado o destróier americano Donald Cook tem o nome convencional de Khibiny, como se chama um maciço montanhês na península de Kola, na região polar da Rússia.

O Khibiny é um sistema de neutralização radioeletrônica de última geração com que serão equipados todos os aviões prometedores russos. Há pouco o sistema foi testado em exercícios num polígono na Buriátia. Pelo visto, os testes foram bem-sucedidos, se em breve foi decidido testar o sistema em condições próximas do combate.


FONTE / FOTO DE BAIXO: Voz da Rússia