Domingo, 06 de Maio de 2012
Juros encabrestados
Mauro Santayana
Não há melhor definição da importância e da perversão dos bancos do que a de um comitê de intelectuais – entre eles editores de jornais – que se reuniu em março de 1829, na cidade de Filadélfia. Depois de uma semana de discussão, o comitê redigiu sua conclusão sobre o sistema financeiro, por unanimidade. O sumo do documento foi publicado por The Free Advocate em sua edição semanal de 9 a 16 de maio do mesmo ano:
“Que os bancos sejam úteis como instituições de depósito e transferências, nós podemos admitir prontamente, mas não podemos concordar que esses benefícios sejam tão grandes como para compensar os males que produzem, ao criar artificial desigualdade de riquezas e, dessa forma, artificial desigualdade de poder. Se o atual sistema bancário e de papel moeda ampliar-se e perpetuar-se, os trabalhadores devem abandonar todas as esperanças de adquirir qualquer propriedade”.
Do Comitê participavam dois economistas destacados e editores de jornais, William Gouge, da Philadelphia Gazette, e Condy Raguet, do Free Trade Advocate; William Dune, velho jornalista jefersoniano; o filantropo Robert Vaux, Ruben Whitney, ex-diretor do Banco e os líderes sindicais William English e James Ronaldson. O encontro foi registrado por Arthur M. Schlesinger, Jr. em seu estudo clássico sobre o período, “The Age of Jackson”, publicado em 1945.
O formato atual do sistema se iniciou durante o mercantilismo europeu, com o surgimento de agentes financeiros, que emitiam notas de câmbio descontadas por seus correspondentes nas principais praças comerciais do continente, e se desenvolveu a partir do Renascimento, com as casas bancárias de Veneza e Florença, no Sul, e de Hamburgo e Amsterdã, no Norte.
O acúmulo de recursos lhes permitiu envolver-se com a política, no financiamento dos estados nacionais, como ocorreu na Guerra dos Cem Anos, quando banqueiros florentinos, os Bardi e os Peruzzi, emprestaram um milhão e duzentos mil florins de ouro a Eduardo III, a fim de custear o início da Guerra dos Cem Anos, no século 14.
Os Fugger da Alemanha, os maiores capitalistas do século seguinte, foram banqueiros dos papas, encarregando-se de recolher e administrar o dinheiro das indulgências vendidas pelo Vaticano e dos impostos cobrados pelos estados pontifícios.
O libelo dos cidadãos de Filadélfia continua atual. Os bancos não só patrocinam a desigualdade social, ao destinar os recursos dos estados e do povo aos próprios negócios, e no financiamento aos milionários, mas também os utilizam para eleger seus delegados aos parlamentos e, assim, frequentemente corromper e controlar o poder político. Assim, os governantes atuam em sua defesa, como ocorreu em nosso país com o Proer e a entrega de bancos nacionais aos estrangeiros por preços simbólicos, como ocorreu na “venda” do Bamerindus, do Banespa e de outras instituições. O Santander é um exemplo: seu último balanço exibe resultados superiores a duas vezes os seus ativos no país.
Na Europa, como sabemos, os governos emitiram um trilhão de euros e os entregaram ao BCE, para recuperar a economia continental. Em lugar de fazê-lo, a instituição os repassa aos bancos privados a juros de 1% ao ano, a fim de que estes emprestem aos estados em dificuldades - mas a taxas de 6 a 8,5% ao ano. Para honrar esses juros, os governos cortam na saúde, na educação, nos investimentos produtivos, levando o desemprego ao paroxismo, e multiplicando a miséria, como está ocorrendo na Espanha, na Grécia e em Portugal.
No Brasil, a audácia dos banqueiros privados vai além de toda a cautela. Os juros cobrados dos mais pobres – os que são compelidos a valer-se dos empréstimos de curto prazo, mediante o cheque especial, e do refinanciamento das faturas dos cartões de crédito – são infernais: 238% ao ano, no caso dos cartões, e de 185% nos cheques especiais.
Para que tenhamos uma idéia do assalto: na Grã Bretanha, com as dificuldades conhecidas, os juros sobre as faturas não saldadas dos cartões de crédito não ultrapassam 30% ao ano, ou seja, são de cerca de 1/8 das taxas cobradas em nosso país.
A presidente teve a coragem de enfrentar a bancada da Febraban e os famosos analistas econômicos dos grandes jornais, tão interessados em defender as corporações financeiras, e tão pouco empenhados em defender o desenvolvimento econômico do país. Suas providências técnicas, como a da redução dos juros pagos às cadernetas de poupança – em proporção insignificante, mas suficiente para empurrar as taxas de remuneração das aplicações financeiras para baixo, não prejudicam os clientes dos bancos, mas impõem uma sensível redução do spread. Enfim, encabresta os agiotas do sistema bancário, tão danosos ao país quanto a organização de Carlos Cachoeira.
Mauro Santayana é colunista político do Jornal do Brasil, diário de que foi correspondente na Europa (1968 a 1973). Foi redator-secretário da Ultima Hora (1959), e trabalhou nos principais jornais brasileiros, entre eles, a Folha de S. Paulo (1976-82), de que foi colunista político e correspondente na Península Ibérica e na África do Norte.
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