quarta-feira, 23 de maio de 2012

Mudanças para não mudar


 
 
 

FHC: qual regulação da mídia?


Igor Felippe Santos
(*) Artigo publicado originalmente no blog Escrevinhador, de Rodrigo Vianna.


A declaração do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso sobre a necessidade de regulação dos meios de comunicação deixou interrogações na cabeça de muita gente.

Em discurso no seminário “Meios de comunicação e democracia na América Latina”, promovido pelo seu instituto, ele disse o seguinte: “não há como regular adequadamente a democracia sem regular adequadamente os meios de comunicação”.

FHC é o maior e mais hábil formulador dos setores políticos, sociais e econômicos que se beneficiaram pelo neoliberalismo a partir de década de 90. Essas frações de classe não foram derrotadas, são fortes e atuam dentro do governo Dilma. Diante disso, pipocam algumas questões.

Com o apoio do ex-presidente, será que agora acontece a democratização dos meios de comunicação? Será que existe um consenso maior para essa mudança? A articulação com os setores políticos e econômicos representados por FHC pode dar força a essa luta?

No entanto, uma pergunta é fundamental: qual o conteúdo de uma regulação dos meios de comunicação pactuada com a forças políticas por trás do ex-presidente? O que significa aquele “adequadamente”?

É importante aproveitar as contradições no seio da classe dominante, mas sem ter ilusões de que as mudanças estruturais virão com acordos com quem nunca quis fazê-las.

No curso da nossa história, frações da burguesia aderiram aos setores mais progressistas quando, sem força para impedir mudanças, optaram taticamente por tutelar esse processo.

Florestan Fernandes descreve, na obra clássica “A Revolução Burguesa no Brasil”, que no nosso país não houve um colapso do poder oligárquico e a tomada do poder pela burguesia, por exemplo.

A oligarquia entrou em crise, abrindo portas para “o início de uma transição que inaugurava, ainda sob hegemonia da oligarquia, uma recomposição das estruturas de poder, pela qual se configurariam, historicamente, o poder burguês e a dominação burguesa”.

Esse processo histórico é diferente da Revolução Francesa, o principal paradigma das revoluções burguesas, que representou um rompimento com o modelo vigente, com a participação das classes subalternas (a burguesia e a classe trabalhadora), que sustentaram o seu caráter radical.

Foram realizadas transformações profundas na economia (rompimento com o modo de produção feudal), no sistema político (rompimento com o absolutismo, instituição da República e igualdade de todos perante a lei), nas reformas sociais (garantia de direitos) e na construção nacional (constituição do Estado-nação).

No Brasil, não houve uma ruptura da oligarquia com a burguesia para a instauração de um novo modo de produção e de uma nova forma de organização da economia, o que deu características particulares ao nosso modelo de capitalismo, de Estado e de sociedade civil.

Para Florestan, os processos de mudanças sociais no Brasil aconteceram – e acontecem – com o freio de mão puxado, porque em vez de descerem a ladeira e realizarem as transformações profundas, avançaram na medida necessária para garantir a manutenção do poder da classe dominante.

Assim foi na Revolução de 30 e na redemocratização da década de 80, quando setores da classe dominante entraram no campo que defendia mudanças progressistas, evitando que se levasse a cabo o potencial dessas transformações e protegendo seus interesses. Um parênteses: a Lei da Anistia é um dos efeitos colaterais desse processo (como igualar torturadores e torturados?).

Na luta pela democratização da comunicação, que para se realizar depende fundamentalmente de colocar limites às Organizações Globo, uma eventual pactuação com setores que giram em torno do FHC pode representar uma regulação que preserve o poder dos oligopólios. Seria uma “regulação conservadora”.

As mudanças sociais, como a democratização das comunicações, só chegarão ao seu termo se houver, fundamentalmente, um novo ciclo de lutas sociais da classe trabalhadora, que transbordem as pautas econômicas e coloquem em disputa dois projetos políticos antagônicos, que implicará enfrentamento com a classe dominante, representada por FHC.

Igor Felippe Santos é jornalista, editor da Página do MST, pertence ao conselho político do jornal Brasil de Fato e ao conselho do Centro de Estudos Barão de Itararé



“Assusta-me que FHC assuma a bandeira da regulação da mídia”

 

Vinicius Mansur


Brasília - Durante o seminário “Meios de comunicação e democracia na América Latina”, realizado no último dia 15 pelo Instituto Fernando Henrique Cardoso (FHC), o ex-presidente defendeu a regulação da mídia como condição da democracia. O evento marcou também o lançamento de uma publicação conjunta do iFHC, Centro Edelstein de Pesquisas Sociais e da Plataforma Democrática apresentando reflexões e propostas para mudanças na legislação do setor.

As declarações aparentemente inusitadas de FHC - historicamente alinhado aos setores da mídia que abortam qualquer discussão sobre o tema taxando-o como tentativa de censura e ataque a liberdade de imprensa -, entretanto, não surpreendem o professor aposentado de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado) Venício de Lima. O pesquisador aponta indícios de mudança na estratégia dos grandes grupos de mídia e teme que eles assumam a bandeira da regulação para fazê-la entre aspas: “Ou seja, muda para não mudar.”

Confira a entrevista.

O senhor se surpreendeu com a posição de Fernando Henrique Cardoso?

Não me surpreende, mas me preocupa. Tenho a impressão de que os setores historicamente avessos até ao debate sobre a questão da regulação estão se apropriando de um certo vocabulário de regulação da mídia, o que não necessariamente significa um avanço democrático. Há várias sinalizações disto.

Quais?

Em 2003, se não me engano, quando o Conselho de Comunicação Social [órgão auxiliar do Congresso previsto no artigo 224 da Constituição] ainda funcionava - porque desde dezembro de 2006 ele não funciona mais - criou-se uma subcomissão para discutir concentração da mídia no Brasil, por iniciativa do à época conselheiro Alberto Dines. Eu fui um dos convidados e apresentei um texto tratando da concentração histórica, não só, mas sobretudo, na radiodifusão do país. A última pessoa convidada foi um filósofo gaúcho chamado Denis Rosenfield, que não é da área, mas é um expoente do pensamento liberal conservador no Brasil. Sua participação foi sugerida e apoiada pelos grandes grupos de mídia que tem representação no Conselho. Ele criticou todas as apresentações anteriores, muito particularmente a minha, reafirmando todas as posições tradicionais dos grandes grupos de mídia, por exemplo, contrário a qualquer tipo de controle da propriedade cruzada dos meios e coisas desse tipo.

Recentemente, este ano, esse mesmo professor
publicou um texto, destes que são publicados em vários jornais, defendendo a regulação do setor. Ele comete alguns erros bastante primários, mas pelo fato de ter publicado este texto e de ter defendido há menos de dez anos atrás posições totalmente opostas, passei a suspeitar de que os grandes proprietários da mídia começaram a se apropriar da necessidade de uma certa atualização da regulação, o que me preocupa porque isso pode significar que algum tipo de costura de bastidores pode estar sendo feita para que haja alguma coisa que se apresente como regulação e que não chegue nem ao que já está na Constituição há 23 anos. Então, tenho medo disso. Como acontece no Brasil, na maioria das vezes, as mudanças são para continuar onde estamos.

Há outras sinalizações?
Quando da aprovação da Lei 12.485, no final do ano passado, unificando a regulação da televisão paga, o jornal O Globo fez um editorial falando “precisamos mesmo atualizar a legislação da área e um bom exemplo do que precisa ser feito é essa lei, que foi feita sem contaminação ideológica, sem viés populista”, etc.

Além disso, o professor Bernardo Sorj, que é o representante do Centro Edelstein, que inclusive publica o livro lançado no seminário promovido pelo Instituto FHC, é o organizador de outro livro publicado há uns dois anos pela Paz e Terra, junto com a organização Plataforma Democrática. Esse livro não deixa qualquer dúvida sobre a posição desses centros de estudo sobre as questões que tem sido levantadas em relação aos marcos regulatórios que estão sendo implementados na América Latina. O próprio Bernardo Sorj, em outro texto, defende explicitamente a manutenção da propriedade cruzada dos meios, argumentado que a concentração talvez fosse uma forma de garantir a permanência dos veículos impressos, ameaçados pelas novas tecnologias. Então, fico com pé atrás, a menos que ele tenha mudado de posição.

Ou seja, a mídia tradicional prevê a regulação da comunicação como inevitável no Brasil e se movimenta para garantir uma regulação que lhe seja menos prejudicial?

Seria isso, como acontece com relação à bandeira da liberdade de expressão. Você vê setores que apoiaram o golpe de 1964, que patrocinaram a última expressão institucionalizada da censura no Brasil, assumindo indevidamente, de forma totalmente absurda, a bandeira da liberdade de expressão. Os mesmos grupos que apoiaram um governo que institucionalizou a censura e que, inclusive, afetou a eles próprios! O risco que se corre agora é que com esse movimento, certamente articulado com os próprios grandes grupos de mídia, eles assumam a bandeira da regulação e façam a regulação entre aspas. Ou seja, muda para não mudar.

Entre as propostas tiradas neste seminário, eles falam em combater a concentração da propriedade dos meios privados.

Eles precisam explicar melhor. Muita gente fala que combater a concentração é finalmente cumprir o que está naquele decreto 236, de 1967, da ditadura. Aquilo ali não tem nada a ver com propriedade cruzada. Limitam o número de concessões por região geográfica e um parágrafo poderia ser aplicado na formação de redes. Não há qualquer controle na formação de redes de rádio e televisão como a Globo. Do ponto de vista jurídico, inclusive da ação do Cade [Conselho Administrativo de Defesa Econômica] em relação a formação de cartéis e controle de oligopolização, esses grupos são aceitos como rede.
Mas eu ainda não vi a publicação lançada neste seminário e prefiro fazer um estudo do documento. Estou falando com base nas coisas que eu já vinha observando e sobre algumas já escrevi.

Seria importante ter um aliado como FHC nesta luta?

Ao contrário, me assusta que FHC e o grupo em torno dessa promoção assumam a bandeira da regulação, eu jamais diria que ele é aliado. Se fosse teria promovido a regulação nos anos que foi presidente da República ou, então, o PSDB estaria apoiando alguma coisa nesse sentido.

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