sexta-feira, 28 de julho de 2017

A atuação elitista da Justiça paulista







CartaCapital, 28/07/17


Entrevista – Luciana Zaffalon

A atuação elitista da Justiça paulista



Por Débora Melo

















Partindo da ideia de que o sistema de Justiça pode tanto favorecer o aprofundamento democrático quanto criar obstáculos ao aperfeiçoamento da democracia, a pesquisadora Luciana Zaffalon, da Fundação Getulio Vargas, se propôs a desvendar o que chama de processo de politização do Judiciário paulista em sua tese de doutorado em administração pública e governo.

Ao mesmo tempo em que atua de forma a blindar a política de segurança pública do governo do Estado –todo o período analisado diz respeito à gestão de Geraldo Alckmin (PSDB)–, o Judiciário paulista negocia formas de garantir a manutenção e a ampliação de seus benefícios corporativos. Não por acaso, a única situação em que o Executivo foi derrotado pelos desembargadores em 100% dos processos foi quando questionou a aplicação do teto remuneratório das carreiras do serviço público.

“Todo o espírito da tese é dizer de que maneira os interesses se confundem, de que maneira os interesses corporativos estão se sobrepondo às garantias de cidadania das pessoas mais vulneráveis do Estado, sejam as que estão privadas de liberdade, sejam as que estão nas periferias das grandes cidades e são afetadas por políticas de segurança dramaticamente cruéis”, continuou a advogada, que por quatro anos atuou como Ouvidora-Geral da Defensoria Pública do Estado de São Paulo (2010-2014).

Intitulada Uma Espiral Elitista de Afirmação Corporativa: blindagens e criminalizações a partir do imbricamento das disputas do sistema de Justiça paulista com as disputas da política convencional, a tese apresentada à FGV revela que a presidência do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) é bastante solícita aos pedidos do Executivo do Estado. A suspensão de decisões que contrariam os interesses do governo é comum na Corte.

A pesquisa leva em conta as duas últimas gestões do TJ-SP (de 2012 a 2015) e analisa os impactos sociais das decisões da Justiça na segurança pública e no sistema penitenciário. Uma das conclusões do estudo é que o Judiciário paulista atua de forma “antidemocrática”: representa e protege as elites por meio do corporativismo e reserva às classes populares as forças de segurança e o sistema prisional.


CartaCapital: O que a levou a fazer essa pesquisa?

Luciana Zaffalon: Eu sempre tive clareza de que o sistema de Justiça tanto pode favorecer o aprofundamento democrático como pode obstaculizar uma democratização mais profunda da nossa sociedade.

E foi quando eu fui trabalhar como ouvidora externa da Defensoria Pública que eu passei a compreender dinâmicas que estavam, até então, completamente invisíveis para mim a respeito do funcionamento de uma instituição de Justiça e das relações que são mantidas com diferentes entes como, por exemplo, o Executivo do Estado.


CC: Qual a principal conclusão a que você chegou sobre o funcionamento dos três Poderes em São Paulo?

LZ: Há um imbricamento muito profundo entre os três Poderes, o que cria uma esfera de atuação elitista da Justiça, uma atuação mobilizada quase invariavelmente por interesses corporativos.


CC: Que obstáculos você encontrou?

LZ: Foi impossível trabalhar com as folhas de pagamento do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. As folhas de pagamento do Ministério Público estavam disponíveis em planilhas de Excel, facilmente manuseáveis. Com a Defensoria Pública, os dados estavam em PDF, o que contraria a Lei de Acesso à Informação, mas ainda assim foi possível baixar e converter os arquivos.

Com relação ao tribunal, isso foi absolutamente impossível. Os arquivos foram disponibilizados em formato de imagem, com inúmeras páginas, e não estavam em ordem alfabética. Então eu acabei usando os dados publicados pelo CNJ [Conselho Nacional de Justiça].


CC: O que isso representa?

LZ: São decisões institucionais que demonstram onde está o compromisso e onde não está o compromisso. E o compromisso não está com a transparência.


CC: Onde está o compromisso?

LZ: O que fica claro é que, de fato, a gente observa uma espiral elitista de afirmação corporativa.


CC: Quais foram as maiores surpresas que você teve durante a realização desse trabalho?

LZ: A única surpresa positiva foi o fato de as planilhas remuneratórias do Ministério Público estarem no formato adequado.

As mais dramáticas dizem respeito ao volume de suplementações orçamentárias recebidas pelo Tribunal de Justiça. Cabe à Assembleia Legislativa analisar a abertura desses créditos, mas, durante todo o período analisado, a Assembleia transferiu para o Executivo essa prerrogativa.

Isso causa um prejuízo concreto, porque a suplementação orçamentária passa a ser negociada dentro do gabinete do governo, fugindo de qualquer possibilidade de controle público. Uma das principais surpresas que eu tive foi o fato de o tribunal ter recebido 21% do total de suplementações orçamentárias do Estado em um único ano, em 2015. É um volume muito grande de dinheiro para ser negociado dessa forma.

Também chamou a atenção o fato de apenas 3% do Ministério Público não receber acima do limite do teto constitucional [33.700 reais].


CC: E quais outros aspectos negativos você encontrou?

LZ: A surpresa que me fez sentir um mal estar físico durante a execução da pesquisa foi o caso da “suspensão de segurança”, figura processual que garante que qualquer ente público possa pedir direto à presidência do tribunal a suspensão dos efeitos de uma decisão de primeira instância que lhe contrarie.

Eu quis entender de que maneira a presidência do TJ, nas gestões [Renato] Nalini e [Ivan] Sartori, se posicionou diante dos pedidos do governo Estado no período analisado. O meu recorte de análise foi segurança pública e sistema prisional. Eu tomei o cuidado de ser o mais conservadora possível na definição da minha metodologia, para não correr o risco de ser acusada de qualquer enviesamento. Então eu analisei todos os casos, de todos os entes públicos que pediram para a presidência do tribunal suspender os efeitos de uma decisão de primeira instância que lhe contrariava.
A média de suspensão observada no período foi de 41%, mas alguns casos fogem completamente dessa média. E o que me deixou abalada diz respeito à forma como a presidência do tribunal atendeu aos pedidos do governo do Estado com relação à garantia de direitos mínimos para as pessoas privadas de liberdade.

Do que eu estou falando? Eu estou falando da observância do Estatuto da Criança e do Adolescente, de problemas de superlotação na Fundação Casa, problemas com banheiros e com ventilação, de garantia de banho quente para presos com tuberculose, por exemplo, de garantia de atendimento médico e de instalação de equipe mínima de saúde. Em uma unidade prisional morreram 60 pessoas, por questões de saúde, em um único ano. É disso que eu estou falando.
De todos os casos analisados, em apenas um caso que dizia respeito à garantia de direitos para pessoas privadas de liberdade a presidência do tribunal não atendeu ao pedido do governo.


CC: A que você atribui isso?

LZ: À negociação de orçamento, à suplementação orçamentária. Todo o espírito da tese é justamente dizer de que maneira os interesses se confundem, de que maneira os interesses corporativos estão se sobrepondo às garantias de cidadania das pessoas mais vulneráveis do Estado, sejam as que estão privadas de liberdade, sejam as que estão nas periferias das grandes cidades e são afetadas por políticas de segurança dramaticamente cruéis.

Enquanto isso, as instituições de Justiça estão em negociações que garantam os seus benefícios corporativos, independentemente de isso representar um passo atrás na luta pela garantia de direitos das pessoas que mais precisam delas.

Como eu disse, o Tribunal de Justiça chegou a receber 21% das suplementações orçamentárias do Estado. Os números demonstram que as verbas estão chegando e os pedidos do governo estão sendo atendidos. Então há uma dinâmica que financia a atuação elitista do sistema de Justiça e que está, na outra ponta, representando o abandono da sua função primordial, que é garantir o Direito e funcionar como uma parte apartada do Executivo no mecanismo de execução de peso e contrapeso.


CC: Por que o recorte foi feito na segurança pública e no sistema penitenciário?

LZ: Porque é a parte mais dramática. Há dois grandes campos abarcados na pesquisa. Um é a forma como sociedade controla o Estado, porque não podemos esquecer que as carreiras jurídicas são compostas por funcionários públicos, que têm que ser cobrados como tal.

De outro lado, temos o controle que o Estado exerce sobre a população, e o elemento mais cruel disso, mais pesado, se dá por meio da atuação das forças policiais, pelo poder de força do Estado. Isso se dá tanto na atuação das polícias quanto na privação de liberdade.

Uma questão em relação ao Ministério Público, por exemplo, é que a Constituição Federal atribui a esse órgão a competência para fazer o controle externo da atuação das polícias. Mas, ao olhar para o Estado de São Paulo, nós observamos que os últimos sete secretários da Segurança Pública são oriundos do Ministério Público. Ou seja, o órgão que deveria fazer o controle externo das polícias se converte no gestor da política de segurança pública.


CC: Essa relação entre os três Poderes ajuda a explicar a permanência do PSDB no governo de São Paulo por mais de 20 anos?

LZ: Eu acho que a falta de freios e contrapesos afeta o aprofundamento democrático e gera resultados como esse, como a falta de alternância.

segunda-feira, 24 de julho de 2017

Trem-bala







Não é sobre ter
Todas as pessoas do mundo pra si
É sobre saber que em algum lugar
Alguém zela por ti
É sobre cantar e poder escutar
Mais do que a própria voz
É sobre dançar na chuva de vida
Que cai sobre nós

É saber se sentir infinito
Num universo tão vasto e bonito
É saber sonhar
E, então, fazer valer a pena cada verso
Daquele poema sobre acreditar

Não é sobre chegar no topo do mundo
E saber que venceu
É sobre escalar e sentir
Que o caminho te fortaleceu
É sobre ser abrigo
E também ter morada em outros corações
E assim ter amigos contigo
Em todas as situações

A gente não pode ter tudo
Qual seria a graça do mundo se fosse assim?
Por isso, eu prefiro sorrisos
E os presentes que a vida trouxe
Pra perto de mim

Não é sobre tudo que o seu dinheiro
É capaz de comprar
E sim sobre cada momento
Sorriso a se compartilhar
Também não é sobre correr
Contra o tempo pra ter sempre mais
Porque quando menos se espera
A vida já ficou pra trás

Segura teu filho no colo
Sorria e abrace teus pais
Enquanto estão aqui
Que a vida é trem-bala, parceiro
E a gente é só passageiro prestes a partir

Laiá, laiá, laiá, laiá, laiá
Laiá, laiá, laiá, laiá, laiá

Segura teu filho no colo
Sorria e abrace teus pais
Enquanto estão aqui
Que a vida é trem-bala, parceiro
E a gente é só passageiro prestes a partir

Mr. Bean e a lavagem de apartamento da Lava Jato




Jornal GGN, 24/07/17


Mr. Bean e a lavagem de apartamento da Lava Jato



Por Luis Nassif



De todos os absurdos lógicos da Lava Jato, o campeão inconteste é o caso do apartamento que foi lavado. Segundo a brilhante versão dos bravos procuradores da Lava Jato, endossada pelo juiz Sérgio Moro, o tal triplex foi uma propina paga a Lula, em troca de facilidades em três contratos com a Petrobras (depois, quando não conseguiram provas documentais sobre os tais contratos, trocaram por contrato genéricos).

Toda a lógica da lavagem de dinheiro é a da destruição dos rastros das propinas. 

O corruptor paga o corrupto em conta no exterior, preferencialmente em paraíso fiscal em nome de uma offshore – isto é, uma empresa aberta no exterior. A empresa é registrada por um escritório especializado, que fornece seu próprio endereço como endereço da empresa.

Só o dono da empresa e o escritório de advocacia sabem de quem.

A grande característica, comum a todos os processos de lavagem de dinheiro:
  1. Não se pode saber de onde veio o dinheiro. Isto é, a identidade do corruptor.

  2. Não se pode saber para quem foi o dinheiro. Isto é, a identidade do corrupto.
É por isso que, para trazer dinheiro de volta para o Brasil, recorre-se a diversos métodos de lavagem: compra de obras de arte, compra superfaturada de imóveis, compras de sites superfaturados e coisas do gênero (antigamente eram as famosas heranças de tias distantes).

É nisso o que os bravos procuradores se apegam para confessar sua impossibilidade de apresentar provas das corrupções denunciadas. Como explicam, o dinheiro é um bem fungível, ou seja, pode ser substituído por outro da mesma espécie.

De repente, o comandante maior do maior esquema de corrupção do planeta, o mais sofisticado, aquele que envolve centenas de empresas offshore, de paraísos fiscais, é acusado de ter montado a seguinte operação: em vez de pagamento em espécie, através de algum fundo offshore, exige um apartamento mobiliado, para uso próprio.

Cria-se, então, uma história à altura de Mr. Bean.

A OAS (corruptora) dá um apartamento a Lula (o corrompido). E, espertamente, para disfarçar o rastro do dinheiro, não repassa o título de propriedade.

Imagine-se a cena. Lula sai na calçada para ir para a praia com seu engradado de cerveja na cabeça e o transeunte pergunta:

- Você mora aqui?

- Moro.

- É apartamento próprio?

- Não, a OAS me empresta nos fins de semana.

Como já conceituei, é o primeiro caso em que lavagem de dinheiro foi substituída por lavagem de apartamento.

A ignorância econômica da Lava Jato









Jornal GGN, 24/07/17


A ignorância econômica da Lava Jato



Por Luis Nassif



Volto ao último Roda Viva, que discutiu a condenação de Lula, e o desempenho da procuradora Thaméa Danellon, uma espécie de Deltan Dallagnol paulistano.

Trata-se de uma procuradora bem-sucedida, bem avaliada por seus pares. Portanto, seu nível de informação está em linha com o melhor do pensamento médio do Ministério Público Federal.
Isso é que assusta!

A primeira surpresa é com o desconhecimento completo de Thaméa sobre as características de uma economia de mercado e relações de causalidade. Montou uma equação simples: as nações desenvolvidas são menos corruptas do que as nações não desenvolvidas. Logo, se acabar com a corrupção, a nação se desenvolverá.

Jamais leu sobre o papel da pirataria na ascensão do Império Britânico, ou o papel dos barões das ferrovias e do petróleo no capitalismo norte-americano. Ou ainda, a importância da colonização mais espúria na sustentação de grandes impérios.

Foi bem corrigida pela economista Zeina Latif, que definiu corretamente as relações de causalidade. Nações desenvolvidas têm instituições mais sólidas e, por isso, a corrupção é menor. Ou seja, a corrupção é menor porque as nações se desenvolveram e não o inverso.

E o custo da corrupção é uma gota perto do custo da máquina pública. É o Brasil improdutivo pesando sobre o Brasil que produz.

O que mais incomoda no discurso de Thamea, no entanto, é a ideia de que o MP não tem que pensar nas consequências de seus atos. Se viu indícios e suspeitos, tem mais é que mandar bala. É a síndrome do Robocop.

Para bagunçar um pouco mais a cabeça da procuradora: a corrupção é menos negativa para a economia que o combate à corrupção que não deixa pedra sobre pedra no caminho. O dinheiro da corrupção volta para a economia, irriga a economia, enquanto uma obra paralisada é queima de ativo, joga no lixo os investimentos já feitos.

Não é por outro motivo que uma das bandeiras da futura Procuradora Geral Raquel Dodge será discutir com a corporação o custo-benefício de determinadas medidas. A troco de quê paralisar uma obra sob suspeita de corrupção? O que impede as investigações o fato da obra estar paralisada ou não?

Significa condescendência com a corrupção? Evidente que não. Significa os semideuses descerem à terra e fazerem jus aos seus vencimentos, desenvolvendo metodologias menos danosas, avançando nas investigações sem destruir as empresas, prendendo os culpados sem liquidar com empregos. Principalmente porque são mantidos com recursos públicos, impostos pagos pela sociedade civil

Enfim, a corporação precisa escalar alguns degraus de conhecimento e parar de se comportar como a ralé intelectual que quer apenas sangue e cadeia.

As areias cantantes do deserto










Folha.com, 24/07/17



Cientista francês desvenda mistério das areias cantantes do deserto


Da BBC Brasil



Se você for a uma área no norte do deserto do Saara, no Marrocos, poderá ouvir –e ficar intrigado– com uma misteriosa música. Ela não vem de tendas, casas ou oásis, ela vem das dunas de areia.


​No século 13, o explorador Marco Polo já descrevia esse ruído estranho. Ele o comparava a cavalos trotando em batalha ou a espíritos assombrando viajantes. Em outros momentos, dizia que ele "preenchia o ar com sons de todos os tipos de instrumentos musicais", conta o livro ‘As Viagens de Marco Polo’.

Por muito tempo, o motivo do fenômeno natural raro permaneceu um mistério. Mas o físico francês Stéphane Douady tem buscado –e obtido– respostas sobre o fenômeno desde 2001.


CANTO DO ACASO
 
Douady e sua equipe se depararam com os sons do deserto por acaso, quando estavam em missão para estudar a formação das dunas e notaram que elas emitiam um som "fascinante".

"Já a primeira duna que visitamos era uma 'cantora' excepcional", disse o pesquisador, em entrevista por email à BBC Brasil.

O ruído surgiu quando um dos pesquisadores da equipe descia pelo monte de areia. A cada passo, ouvia-se um "uoooook", descreve Douady.

"Foi um momento mágico, [ouvimos] um som muito alto, de 110 decibéis, comparado ao de um pequeno avião sobre você", acrescentou ao programa Outlook, da BBC.

E se alguém corresse ou manuseasse a areia com a mão, o tom mudava. Eles, então, passaram o dia ali coletando dados e testando diferentes sons com os grãos de areia.

"Foi um dos melhores momentos da minha carreira", continua. "Primeiro porque era intelectualmente estimulante, pois as coisas que se pensava que eram sabidas na verdade não eram. E, ao mesmo tempo, estávamos nos divertindo tanto que parecíamos crianças no playground."

Mas, até aquele momento, não entendiam ainda as razões por trás dos sons. "O mistério que era o mais excitante", afirma Douady.


AREIA NA MALA
 
Para estudar o fenômeno, os pesquisadores levaram areia do deserto até o Laboratório de Matéria e Sistemas Complexos (CNRS, na sigla em francês), em Paris.

Cada um dos quatro integrantes da missão encheu seis garrafas de vinho com areia e as colocou em sua bagagem. "Isso seria o suficiente para fazer uma 'avalanche' cantante no laboratório", conta o pesquisador.

Nas pesquisas em Paris, a primeira descoberta foi que o som era produzido pelo movimento sincronizado dos grãos de areia, e que o volume e a variação tonal eram influenciados pelo tamanho desses grãos.
 
A partir daí, sua equipe visitou outros países para checar a teoria. Eles notaram que cada deserto tinha seu próprio timbre. 

Os grãos do deserto de Atacama no Chile eram parecidos e tão cantantes quanto os do Marrocos. Seus grãos eram mais homogêneos e tinham um som mais "puro". Em Omã, com grãos mais irregulares, o som era mais "duro". Eles visitaram ainda Estados Unidos e China, onde o acesso era difícil, e as areias produziam menos sons.


POR QUE CANTAM
 
Descobrir por que algumas dunas cantavam e outras não acabou virando a motivação do físico francês. "Estava ficando até um pouco obcecado com isso", conta.

Depois de meses de estudo, Douady notou momentos em que as areias paravam de cantar, e teve, então, a ideia de submergir os grãos em água salgada, como a do mar. 

Mais descobertas começaram a surgir. O deserto precisa ser seco, mas com "um pouco de água salgada para fazer a mágica", diz Douady.

Outros fatores estão nos grãos: precisam ser redondos para rolarem com facilidade e serem cobertos por um tipo de verniz de minerais, como magnésio, alumínio e ferro. 

Esse verniz produz uma cor preta, que transluz. O pesquisador acredita que esse verniz é essencial para produzir o som, mas ainda não entende o motivo. 

"Então o mistério ainda está lá", comenta Douady sobre o próximo passo da pesquisa. "É incrível saber que ainda há outras coisas para se descobrir".


VIAGEM DE TRANSFORMAÇÃO
 
Douady afirma que a expedição às dunas cantantes mudou sua vida. Seu interesse foi além do comportamento físico das areias. 

"Com todos aqueles sons, eu queria fazer música. Então busquei um artista que pudesse combinar gravações desses sons para fazer uma peça de música", conta Douady, que promoveu o lançamento do CD ‘Le Chant des Dunes’, de Estelle Coquin.


​"Tenho muito carinho por esse assunto. Não apenas porque é poético e musical, mas também porque é um fenômeno raro e não há muitas dunas no mundo que 'cantam' bem. E porque há fenômenos simples ao nosso redor que ainda são misteriosos e precisam ser explicados."

O som das dunas despertou o interesse do documentarista Mathias Théry que, em 2008, voltou ao deserto na companhia de Douady, e fez um documentário, ‘Cherche Toujours’, que tem trechos disponíveis no YouTube.