A cearense Luma Andrade é a primeira travesti a apresentar uma tese de doutorado no Brasil
UOL, 08/05/2012
Cearense é a primeira travesti a apresentar uma tese de doutorado no Brasil
Gabriel CarvalhoDo UOL, em Salvador
A cearense Luma Andrade será a primeira travesti do Brasil a apresentar uma tese de doutorado, segundo informa a ABGLT (Associação Brasileiras de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Transgêneros). Graduada em ciências naturais pela Uece (Universidade Estadual do Ceará) e com mestrado na área do desenvolvimento do meio ambiente pela Uern (Universidade Federal do Rio Grande), agora, aos 35 anos, ela é doutoranda em educação pela UFC (Universidade Federal do Ceará).
Para obter o título de doutora, ela se inspirou na própria realidade e produziu um estudo baseado no acesso das travestis (homossexuais que se vestem como mulheres) cearenses à educação.
“Pude constatar que está havendo um aumento do acesso e também da
procura pela escola, mas ainda há resistências como a discriminação,
bullyng e a marginalização”, disse ao UOL Educação por telefone.
Mesmo
assim, ela disse que focou a atenção para os estudos e usou sua aptidão
para as ciências exatas como uma aliada na conquista de amigos e de
respeito dos colegas. “Eu sabia matemática e fiz com que isso me
ajudasse. Passei a dar aulas para os colegas e eles passaram a ser meus
amigos”, disse.
Em casa ela usou a mesma estratégia de focar a atenção para os estudos, na hora de responder os questionamentos dos
pais, dois agricultores analfabetos que não a discriminavam, mas sempre
perguntavam por uma namorada, principalmente no período da
adolescência.
Já
adulta, chegou a ir, nos primeiros dias, para o campus da Universidade
Federal do Ceará, no município de Limoeiro do Norte, onde concluiu a
graduação, vestida com roupas masculinas para evitar situações de
preconceito e constrangimento, mas a estratégia não deu certo. No
primeiro dia de aula, ela conta que foi uma chacota geral, mas, depois
que resolveu usar roupas femininas, as pessoas a conheceram melhor e ela
começou a ser aceita. “De início foi uma decepção, pois achava que na universidade as pessoas eram mais maduras”, disse.
Início na vida profissional foi marcado por dificuldades
Depois de formada, Luma recebeu o convite de um ex-professor da faculdade para dar aula em uma escola, mas o que parecia ser uma grande oportunidade, na verdade foi um grande teste.
“Era
terrível, os dirigentes e outros professores ficavam atrás das portas
assistindo à minha aula. Os alunos também ficavam rindo e muitos
gritavam: gay, viado (sic), dentre outros palavrões. No fundo, eles
achavam que a minha aula (de ciências naturais) ia ser uma palhaçada,
mas sempre no primeiro dia, eu contava a minha história de vida e
ganhava fãs e aliados. Eles também são pobres,
nordestinos e sonham com dias melhores. “Além disso, sempre mantive
postura, seriedade para lecionar, o que foi fundamental para adquirir o
respeito de alunos e colegas”, completa.
Depois de conquistar estabilidade e ser aprovada em concurso público na área de Educação,
Luma passou na seleção de um mestrado em Mossoró, no Rio Grande do
Norte, e a cidade cearense mais próxima era Aracati. “Começou tudo de
novo, tive que voltar à estaca zero”, disse Luma que precisou
pedir uma intervenção da Secretaria Estadual da Educação do Ceará para
ser admitida em concurso que havia sido a única pessoa a ser aprovada. “A minha nomeação era sempre protelada sem que um motivo fosse alegado".
Anos depois, em 2005, desenvolveu
o projeto “Intimamente Mulher” que incentivava alunas e professoras a
fazer exames de prevenção que lhe rendeu o primeiro lugar no Estado e um
prêmio no Ministério da Educação.
Atualmente,
Luma está casada com um professor de História, realiza palestras, é
constantemente convidada para ser madrinha de formaturas e passeatas,
além de presidir a Associação Russana de Diversidade Humana, na cidade
de Russas, a 165 km de Fortaleza.
Tese de doutorado
Essas e outras barreiras enfrentadas por travestis foram relatadas na tese da doutoranda, que aponta alguns entraves enfrentados por travestis nos ensinos médio, fundamental e superior. “Uma coisa é o nome, onde muitos professores fazem questão de gerar um constrangimento as chamando pelo nome de batismo, outra é a utilização do banheiro, onde somos obrigadas a usar os sanitários masculinos, o que é muito desagradável, pois as travestis acabam sendo vítimas de muita gozação, agressões físicas, tentativas de estupro e isso tudo faz com que elas deixem a escola”, disse ela que há dois anos conseguiu mudar os documentos e abandonar o antigo nome de João.
O uso do banheiro por parte das travestis é um dos capítulos da tese de Luma. Ela disse que prendia
a urina e só ia ao banheiro depois que chegava em casa, o que lhe
rendeu, à época dores abdominais, dilatação da bexiga, além do
desconforto no momento em que assistia a aula. “Muitas vezes eu perdia a
concentração”, resume.
Realidades diferentes no interior e nos grandes centros
Na apuração para a produção da tese de doutorado, Luma Andrade, estudou 95 casos em todo o Ceará, mas três cidades tiveram maior destaque: Fortaleza, Russas e Tabuleiro do Norte. Nos municípios, ela encontrou duas realidades diferentes.
Na
capital, mesmo com uma maior oferta de estabelecimentos educacionais,
as travestis quase não têm acesso à educação e a maioria se concentra em
zonas de prostituição no centro e na orla da cidade. Já em Russas e em
Tabuleiro do Norte, ela acompanhou de perto a história de três travestis
que freqüentavam aulas em escolas de ensino fundamental e médio. “Por incrível que pareça, no interior elas são mais acolhidas e o preconceito é menor,
pois elas conseguem viver no ambiente da família, sem precisar se
prostituir. É possível ver travestis trabalhando no comércio como
vendedoras e em diversas atividades”, observa.
Outra coisa que chamou a atenção da doutoranda foi o fato de muitos dirigentes escolares e educadores não saberem distinguir uma travesti de um homossexual. Segundo
o manual de comunicação da Associação Brasileiras de Lésbicas, Gays,
Bissexuais, Transexuais e Transgêneros (ABGLT), "um travesti é a pessoa
que nasce do sexo masculino ou feminino, mas que tem sua identidade de
gênero oposta ao seu sexo biológico, assumindo papéis de gênero
diferentes daquele imposto pela sociedade". Já um homossexual é, segundo
o documento, "a pessoa que se sente atraída sexual, emocional ou
afetivamente por pessoas do mesmo sexo/gênero".
Saiba as diferenças
Travesti
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Pessoa
que nasce do sexo masculino ou feminino, mas que tem sua identidade de
gênero oposta ao seu sexo biológico, assumindo papéis de gênero
diferentes daquele imposto pela sociedade. Utiliza-se o artigo definido
feminino “A” para falar da Travesti (aquela que possui seios, corpo,
vestimentas, cabelos, e formas femininas).
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Homossexual
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É a pessoa que se sente atraída sexual, emocional ou afetivamente por pessoas do mesmo sexo/gênero.
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Bissexual
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É
a pessoa que se relaciona afetiva e sexualmente com pessoas de ambos os
sexos/gêneros. Bi é uma forma reduzida de falar de pessoas bissexuais
|
Heterossexual
|
Indivíduo amorosamente,
fisicamente e afetivamente atraído por pessoas do sexo/gênero oposto.
Heterossexuais não precisam, necessariamente, terem tido experiências
sexuais com pessoas do outro sexo/gênero para se identificarem como tal.
|
Lésbica
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Mulher
que é atraída afetivamente e/ou sexualmente por pessoas do mesmo
sexo/gênero. Não precisam ter tido, necessariamente, experiências
sexuais com outras mulheres para se identificarem como lésbicas.
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Drag Queen
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Homem que se veste com
roupas femininas de forma satírica e extravagante para o exercício da
profissão em shows e outros eventos. Uma drag queen não deixa de ser um
tipo de “transformista” (consultar abaixo o termo), pois o uso das
roupas está ligado a questões artísticas – a diferença é que a produção
necessariamente focaliza o humor, o exagero.
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Transexual
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Pessoa que possui uma
identidade de gênero diferente do sexo designado no nascimento. Homens e
mulheres transexuais podem manifestar o desejo de se submeterem a
intervenções médico-cirúrgicas para realizarem a adequação dos seus
atributos físicos de nascença (inclusive genitais) a sua identidade de
gênero constituída.
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Transformista
|
Indivíduo que se veste com roupas do gênero oposto movido por questões artísticas.
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Transgênero
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Terminologia
utilizada para descrever pessoas que transitam entre os gêneros. São
pessoas cuja identidade de gênero transcende as definições convencionais
de sexualidade.
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