Os grandes servos do capital, demolidores de Estados e direitos
Jornal do Brasil, 12/05/2012
O retorno ao Estado
Mauro Santayana
O governo conservador da Espanha foi obrigado a estatizar a Bankia, uma das instituições dedicadas ao financiamento imobiliário, a fim de evitar o desmoronamento geral do sistema. Não foi uma escolha, mas a única saída a fim de buscar solução para uma crise que levará ao caos, se não houver medidas paralelas e urgentes. O povo já se prepara para voltar à Praça do Sol e suas adjacências.
Na Inglaterra, em uma manifestação inesperada, 30.000 policiais se somam aos demais empregados públicos em greve. É uma advertência severa. Na Grécia se tenta coligação de centro-direita com o desmoralizado Pasok, dos que se diziam socialistas e se curvaram às exigências “austeras” de Berlim. Não se espera que a tentativa de formação desse governo à direita seja bem sucedida.
A França aguarda o que fará Hollande, uma vez que ele caiu na esparrela de aceitar a convocação de Ângela Merkel para visitar Berlim, logo depois de empossado. A chanceler alemã não titubeia. “Garante” ao mercado financeiro internacional, em nome de não sabemos bem o que, que a Europa cumprirá as medidas de restrição fiscal a que chegaram ela, Sarkozy e esse arremedo de primeiro ministro britânico, David Cameron. A arrogante senhora fala, provavelmente, em nome dos grandes bancos, que controlam as finanças mundiais, e entre os quais se destaca o Goldman Sachs.
A crise européia é uma crise dos estados: ao tentar criar um super-estado confederado, com soberania sobre os povos nacionais, os líderes europeus acabaram com as instituições históricas e não puderam substituí-las por outras mais eficazes. O caso do Banco Central Europeu é nisso clássico. Os bancos centrais nacionais, por mais se arrogassem independência, estavam sujeitos ao controle político dos governos, sob a pressão dos parlamentos e da cidadania. Vale a pena lembrar um editorial de Le Monde, de há alguns meses, sobre o tema. Diz o grande jornal:
“Historicamente, a primazia do político, isto é, sua capacidade de “enquadrar” os interesses financeiros, teve como instrumento essencial os bancos centrais. Não se pode perder de vista esta realidade: é por intermédio do poder monetário que é possível fazer prevalecer o interesse coletivo. Isso supõe que o Banco Central esteja colocado sob a autoridade do poder político. É o que se observa nas grandes democracias. Apesar dessa arquitetura, que se mostrou efetiva, ela não foi adotada pela zona do euro. Um Banco Central Europeu, separado da política, é uma péssima coisa. É, em si mesma, a expressão de uma crise muito profunda da democracia européia, de sua impotência congênita”.
Convém relembrar que a mais inteligente e mais antiga das instituições humanas, o Estado, vem sendo erodido por dentro e por fora, há mais de trinta anos, a partir da deregulation de Reagan e de Mme Thatcher. Na mesma medida em que o Estado se encolhia, e as grandes corporações financeiras cresciam, os trabalhadores passaram a ser coisas descartáveis.
A razão de ser das empresas deixou de ser a criação de empregos e a inovação em produtos e serviços. Submetidas ao assalto de predadores, passaram a ser dirigidas por administradores alugados pelos grandes bancos comerciais, autorizados a atuar como bancos de investimentos. A “reengenharia” dessas empresas, umas menores e outras gigantescas, se limitou a demitir, demitir, demitir. No auge da privatização e da globalização, alguém decretou que os incapazes de seguir o novo ritmo deviam contentar-se em tornar-se meros servidores domésticos dos vencedores. Voltando ao editorial de Le Monde: a moeda vinha sendo despolitizada, entregue à ilegítima soberania do mercado financeiro.
Era isso o que ocorria em nosso país, e que começa a ser diferente agora. Ao atuar lateralmente, determinando aos grandes bancos oficiais a redução do spread, a presidente Dilma Rousseff está recuperando para a chefia do Estado a autoridade sobre o Banco Central e colocando a moeda, como se deve, sob o controle político da sociedade que a elegeu. Mas há mais coisas que o Estado deve fazer na economia, e no cumprimento de seu dever de exercer a justiça.
Nisso, temos uma boa notícia, com a prisão do comandante da operação policial responsável pelo massacre dos trabalhadores sem-terra em Eldorado dos Carajás, o coronel Marcos Colares Pantoja. Não obstante essa prisão – que se faz diante do imenso clamor nacional contra a chacina, ocorrida há 16 anos – continua a violência no campo. O Estado não consegue cumprir nem mesmo o Estatuto da Terra, aprovado durante o regime militar.
Os grandes êxitos do governo, nos últimos dez anos, não podem ocultar os problemas que crescem, ao crescerem as expectativas, internas e externas, sobre o nosso futuro imediato. Temos que sujeitar o nosso entusiasmo a algumas reflexões sobre a situação atual, e continuar colocando na expansão da produção e do consumo interno os nossos esforços maiores. Só podemos, na realidade, contar com o próprio povo. Com sua inteligência, seu trabalho, seu amor ao país.
CartaCapital Online, 10/05/2012
O capital se faz em casa
Já
comentei aqui que uma das premissas do êxito civilizatório é a
existência de altos níveis domésticos de poupança vinculada ao
investimento.
O que não devemos deixar de enfatizar, entretanto, é que, ao
contrario da intoxicação ideológica ainda disseminada entre nós, a taxa
interna de poupança das nações não é conseqüência fatalista das forças
do acaso. É, claramente, conseqüência de arranjos institucionais que a
POLÍTICA, e só ela, é capaz de fazer – repetirei.
Duas negativas para entrarmos numa proposta de como o Brasil poderia
sair dos atuais níveis precários de investimento (menos de 19% do PIB)
para taxas mais altas no tempo; mas, pelo menos, e com urgência, para
algo ao redor de 23% ou 24% do PIB, os quais, imagino, lastreariam uma
taxa sustentável de crescimento acima dos críticos 5 % necessários para
cobrir os ganhos de produtividade, e incorporar os ainda cerca de um
milhão e meio de jovens que, por ano, chegam ao mercado de trabalho
procurando seu ansiado primeiro emprego.
A importantíssima e perigosa (para ela) cruzada da presidenta Dilma
Rousseff contra a usura e o rentismo tem que ser apoiada. Por uma
questão muito simples: num país onde a taxa de juros que o governo paga
pela manutenção de excedentes financeiros é maior que a rentabilidade
media dos negócios, a economia tende a parar.
Óbvio ululante, pois quem tem dinheiro prefere especular, sem
produzir, porque ganha mais e quem não tem dinheiro – caso da maioria
esmagadora de nossos empreendedores – não pode tomar emprestado pra
produzir, e ganhar menos que os juros a pagar ao banco. Dedicarei um
espaço destes a esta conjuntura, proximamente.
Por isto será referencia para a história se este momento (melhor, esta tendência) for pra valer, como creio que possa ser.
A primeira consequência será uma migração de ativos da agiotagem para negócios mais rentáveis.
A classe média vai pensar agora em usar sua pequena poupança para
comprar imóveis e, quem sabe no futuro, passar a crer em capitalização
de empresas, por exemplo. Isto é historicamente muito bom, mas ainda não
é a construção de uma cultura de poupança e investimento para o País.
A outra negativa faço com muito cuidado. E deriva de uma de muitas
conversas com o grande brasileiro e patriota professor Carlos Lessa. Em
tempos de crise e estagnação econômica o governo deveria pagar aos
trabalhadores para abrirem buracos e, ato contínuo, pagar para eles
taparem os buracos; em tradução grosseira, Keynes demonstraria nesta
frase, a ele atribuída, o fato de que quem promove desenvolvimento é o
gasto, o investimento – e não a poupança, emenda cheio de sabedoria
Carlos Lessa. Isto foi dramaticamente verdadeiro na experiência de
Roosevelt no New Deal. E seria muito conveniente no Japão e na Europa de
hoje.
Mas a experiência nacional desenvolvimentista brasileira, lastreada
na fundação do endividamento brasileiro (ou seja, na tentativa de
acelerar o desenvolvimento do País sem a construção de uma
institucionalidade que assentasse nossa sorte em nosso próprio capital)
deu no que deu: é verdade que temos a 15ª economia industrial do mundo,
mas também temos uma das piores distribuições de renda e um passivo
externo que, de tempos em tempos nos prega grandes sustos (temo
estarmos, a médio prazo, nos aproximando de outro).
Não sendo eu um economista, posso ser herege. O capital dos outros é
tão bem-vindo quanto menos dele necessitarmos. A finança internacional
funciona igual dono de banco: quanto menos dele precisamos, mais
solícitos são, quanto mais dele precisamos…está em reunião, não pode nos
atender.
Assim, ter lastro próprio em alto nível doméstico de poupança é condição sine qua non para participarmos de forma sustentável de um naco da poupança financeira internacional.
Sem se falar da absoluta impossibilidade ainda (e, creio, por muito
tempo) de praticarmos déficits orçamentários, mesmo com a melhor
intenção de acelerarmos, baseado neles, nosso desenvolvimento.
Peculiaridades de nossa história.
Estou que nem Padre Vieira no início de seus belíssimos e intermináveis sermões: desculpem, não posso ser breve.
Feitas as negativas, pretendo propor à discussão algumas pistas para que pudéssemos elevar nossa taxa interna de poupança.
E tenho pra mim que o centro desta institucionalidade nova tem a ver
com a forma como organizamos nosso modelo tributário, com a forma com
que tratamos nossa lógica previdenciária, com o modo como organizamos
nosso mercado de capitais, com o formato tosco de nossa contabilidade
pública, e, em última análise, com a cultura de parcimônia e austeridade
que nos falta amplamente, na vida privada e, especialmente, na vida
pública.
Do mais simples, embora nada trivial, ao mais complexo.
A contabilidade pública. À falta de qualquer planejamento, de curto
prazo que seja, a conta pública brasileira é feita pelo ano fiscal que
coincide com o ano civil. E nos obrigamos como dogma de fé – depois das
sucessivas maluquices do período de Fernando Henrique – a produzir ex ante ,um
superávit primário calculado pela simples diferença entre o que
arrecada o governo e o que gasta, exceto serviço da dívida. Ponto.
É hora já de corrigirmos esta absoluta falta de senso. Um exemplo
melhor que mil palavras: manter preventivamente um quilômetro de estrada
custa de 10 a 15 mil dólares por ano. Não o fazemos por “economia”. Aí
deixamos as estradas federais se destruírem, matar pessoas, encarecer
por 4 vezes o custo do frete rodoviário do País em comparação com o
concorrente internacional, para reconstruir a mesma estrada, quatro anos
depois, por 200 mil dólares o quilômetro – ou seja, economizamos na
melhor hipótese, 60 mil dólares para nos obrigarmos a gastar 200 mil
dólares. Que economia é esta?
Foi assim no apagão do setor elétrico, é assim na contabilidade dos juros (o maior gasto corrente do País).
Com a paciência de meus queridos leitores, vamos continuar nesta
tecla pelos próximos textos, se uma conjuntura comovente não nos
interromper.
.....
UOL, 10/05/2012
Caixa reduz juros para carro novo, material de construção e empresas
DE SÃO PAULO
A Caixa Econômica Federal anunciou nesta quinta-feira mais uma redução de juros para pessoas físicas e jurídicas.
As reduções para pessoas físicas atingem crédito para compra de veículos novos, Construcard - crédito com recursos próprios do banco para compra de material para construção e reforma de imóveis- e penhor.
Para empresas, valem para o cheque especial e antecipação de recebíveis de cartões de crédito.
A taxa mínima para a compra de veículos não foi alterada; continua em 0,89% ao mês. A máxima caiu de 1,55% para 1,26% ao mês e entra em vigor amanhã (11).
A novidade irá valer para financiamentos de até 70% do valor do carro e estará disponível para clientes que tenham conta corrente no banco há pelo menos 90 dias. Também valerão para quem tem financiamento imobiliário na Caixa, funcionários públicos ou assalariados que recebem salário na instituição há pelo menos 90 dias e funcionários públicos --de segmentos como Judiciário, Banco Central, Petrobras, dentre outros-- que abram conta corrente no banco.
A taxa mínima do Construcard caiu de 2,4% ao mês para de 1,96% a 2,35% e vale para correntistas do banco há mais de seis meses, mutuários da Caixa e funcionários públicos ou assalariados que recebem salário na instituição há pelo menos três meses, entre outros. A redução irá valer a partir do dia 21.
Os juros do penhor --que permite dar como garantia do empréstimo jóias, metais preciosos e objetos como relógio e canetas-- foram unificados em 1,7% ao mês; antes eram de 2% a 2,4%. A nova taxa entra em vigor amanhã (11).
VEJA AS NOVAS TAXAS
PRODUTO | TAXA ANTERIOR (ao mês) | NOVA TAXA (ao mês) |
---|---|---|
Penhor | 2,00% a 2,40% | 1,70% (única) |
Construcard | 2,40% | 1,96% a 2,35% |
Financiamento de Veículos(*) | 0,89% a 1,55% | 0,89% a 1,26% |
EMPRESAS
Os juros do cheque especial para empresas caiu de 2,87% a 7,95% ao mês para de 2,87% a 4,27% ao mês. "A medida alcança todas empresas, independente do seu relacionamento com a Caixa, e terá vigência já para o mês de maio", disse o banco.
A taxa de antecipação de recebíveis de cartões de crédito caiu de 1,36% para 1% ao mês, para empresas de todos os portes.
O banco também criou um programa que prevê isenção de tarifas por seis meses, gratuidade na adesão a solução de folha de pagamento na internet para as empresas com até 150 empregados, isenção de 50% na primeira anuidade do cartão de crédito empresarial e isenção do aluguel do terminal de captura de transações por três meses para as empresas que transferirem o domicílio bancário do recebimento de cartões para a Caixa.
QUEDA DE JUROS
A Caixa e o Banco do Brasil deram início, em abril, a uma onda de cortes nos juros oferecidos no crédito a consumidores e empresas. O movimento, que atendeu a um chamado do governo, buscava forçar a concorrência no setor e induzir mais bancos a praticar taxas menores.
Desde então, os principais bancos do país aderiram ao esforço e já anunciaram a diminuição das taxas de juros em diferentes linhas de créditos.
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