domingo, 22 de outubro de 2023

'É hora de chamar Israel pelo que é: um estado terrorista'

The Intercept Brasil, 21 de outubro de 2023 'É hora de chamar Israel pelo que é: um estado terrorista' "A maior ameaça somos nós. Ou, mais precisamente, o sistema de autoaniquilação que vem sendo desenvolvido". A frase é de Tamir Pardo, ex-chefe do serviço de inteligência israelense Mossad. Ele se junta a uma longa lista de heróis de alta patente das forças de segurança de Israel que há décadas fazem um alerta ao mundo: seu país tem repetidamente escolhido o território em detrimento da paz, e isso está destruindo Israel e fazendo-o perder sua humanidade. O problema? "Nosso governo não reconhece os palestinos como um povo", disse Ami Ayalon, ex-chefe da Marinha e da agência de inteligência Shin Bet. Por isso, o atual ataque de Israel a Gaza não é "adequado". É, como diz o israelense Raz Segal, especialista no tema,"um caso exemplar de genocídio". Mais de 800 acadêmicos de Direito concordam. Enquanto a ONU alertava que "palestinos correm o sério risco de uma limpeza étnica em massa", os EUA vetaram um cessar-fogo. O único voto contra a paz veio do principal aliado de Israel. "Os militares podem nos defender, mas não nos proteger”, disse Ayalon. “Não entendemos a diferença." O pior de tudo é que isso era totalmente evitável. Sempre que Israel aumentava sua repressão sistemática contra palestinos e extinguia qualquer esperança de solução política, como tem feito nos últimos meses, todos os lados alertavam que uma resposta violenta era inevitável. Em 2017, Pardo chamou a situação de uma "bomba-relógio". Israel decidiu desarmá-la com uma marreta. O assassinato de mais de 1,5 mil crianças palestinas por Israel também não pode ser considerado uma "reação" ao ataque do Hamas. É a escalada de uma campanha implacável de violência e desapropriação. Até agosto, Israel havia matado ao menos 34 crianças palestinas na Cisjordânia, segundo a Human Rights Watch — mais que o dobro de crianças israelenses mortas pelo Hamas. Por que, então, a ofensiva do Hamas nunca é citada na imprensa como uma "resposta ao terror israelense"? Parece que Israel não é o único a não enxergar a humanidade dos palestinos. Que fique claro: nada disso justifica o fato de o Hamas matar civis. Tampouco pode-se justificar, como vem fazendo a mídia nacional e internacional, o assassinato de milhares de palestinos inocentes como uma mera e razoável "reação ao Hamas". Nós deveríamos nos concentrar no massacre dos civis palestinos, pois este é o crime que temos o poder de prevenir. Essas pessoas estão sendo torturadas por um estado cada vez mais fanático e extremista, cujos líderes acreditam ter direito divino sobre a terra. O ministro da Defesa disse:"Estamos lutando contra animais". Já o primeiro-ministro prometeu transformar Gaza em uma "ilha deserta" e "mudar o Oriente Médio" ao ordenar que mais de um milhão de civis deixassem suas casas ou enfrentassem a morte — quer empurrá-los até o Egito. Os palestinos e os judeus merecem viver em paz. Nenhum deles tem o direito de manter uma colônia onde um grupo étnico tem mais direitos do que os outros. Ninguém pode mais negar que é isso que o sionismo, a filosofia fundante de Israel, encarnou na prática. Não basta acabar com os bombardeios. Temos que acabar com a subjugação dos palestinos. Nem o ataque do Hamas, nem o Holocausto podem justificar a devastação desumana que Israel tem infligido aos palestinos desde 1948. É uma desonra para a memória de nossos ancestrais judeus usar seu sofrimento para justificar a opressão e o genocídio de outro povo. Israel não representa a vontade do povo judeu como um todo. Suas ações são abomináveis. Palestina livre! Andrew Fishman, co-fundador e presidente

'O que é o sionismo cristão e por que ele alimenta a direita no Brasil'

'O que é o sionismo cristão e por que ele alimenta a direita no Brasil' Por Magali Cunha, jornalista e doutora em Ciências da Comunicação. É pesquisadora do Instituto de Estudos da Religião (ISER) e colaboradora do Conselho Mundial de Igrejas. De um modo geral, na compreensão mais tradicional dos evangélicos no Brasil, baseada na leitura literalista da Bíblia, Israel é o povo escolhido de Deus, um povo especial. É a interpretação desta leitura que se dá de forma diferenciada. Uns grupos leem que, com a vinda de Jesus, o Antigo Testamento da Bíblia precisa ser relido à luz dos evangelhos e a compreensão sobre o povo escolhido se amplia e este passa a ser os seguidores de Jesus, a Igreja. Outros leem as profecias bíblicas de que a restauração do mundo por Deus se dará quando Israel estiver plenamente assentado em sua terra e compreendem que a formação do Estado de Israel em 1948 foi o início da realização delas. Portanto, quando o povo eleito tomar plenamente toda a terra que lhe pertence, reconhecerá nela, finalmente, Jesus como o Messias, Deus restaurará o mundo e salvará seus seguidores. Um ponto-chave é que há uma carga ideológica fortíssima nesta segunda concepção. É uma LEITURA DESCONTEXTUALIZADA QUE PROPAGA QUE O ISRAEL RECONSTITUÍDO EM 1948 É O MESMO ISRAEL DA BÍBLIA. O povo palestino e os demais povos daquele território que não saíram de lá em diáspora, e também pertencem à tradição narrada na Bíblia são desprezados. Desconsidera-se, entre outros pontos, ainda as misturas provocadas pelas transformações geopolíticas em tantos séculos: quem ficou e quem saiu em diáspora passou por mudanças. Com isso, estes grupos cristãos, EQUIVOCADAMENTE, CREDENCIAM O ATUAL ESTADO DE ISRAEL COMO SE ESTE FORA O ISRAEL DA BÍBLIA. Apoiam incondicionalmente suas ações e políticas, ainda que sejam consideradas práticas genocidas em relação aos palestinos, alvo maior da conquista territorial em jogo. Nesta perspectiva teológica-ideológica emergem as práticas judaizantes no Cristianismo evangélico que se configuram um APEGO MAIOR À LEITURA DO ANTIGO TESTAMENTO, onde estão os relatos e ensinamentos religiosos do Israel bíblico. ISTO RESULTA NA DIMINUIÇÃO DA FIGURA DE JESUS, DE SEUS PRINCÍPIOS DE DESPOJAMENTO e MISERICÓRDIA, e do símbolo da cruz. Em oposição, PASSA A PREDOMINAR A FIGURA DO REI DAVI, fundador de Jerusalém, SUAS OPERAÇÕES MILICIANAS DE OCUPAÇÕES DE TERRAS, símbolos da monarquia, como trono, domínio, riquezas, a imagem de Deus como Senhor dos Exércitos, o Templo de Salomão, entre outros. Esta simbologia se manifesta não só na pregação religiosa e nas canções gospel, mas também na linguagem visual, com bandeiras de Israel, que decoram altares, e ícones como a arca da aliança. Este discurso materializa, em especial, as conhecidas Teologia do Domínio e da Prosperidade. Tudo isto é alimentado com inúmeras excursões religiosas à chamada “Terra Santa”, território de peregrinação cristã, que inclui Jerusalém e alguns sítios na Palestina, como a destacada Belém. Nesta construção, o mundo árabe ou a religião islâmica, incluindo a Palestina, são apresentados como as maiores ameaças ao Povo de Deus. Já os judeus e Israel são um dos principais símbolos dos cristãos ultraconservadores. Israel é visto como um muro, uma barreira defensiva contra ameaças do Oriente (uma conspiração islâmica-comunista) para conquistar o Ocidente. Propaga-se, como explica o professor Michel Gherman, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, um judeu e um Israel imaginários. Este judeu imaginário é religioso, conservador, de direita. O Israel imaginário é visto como representante de tais valores. Nesta cosmologia de direita, não há lugar para judeus seculares, para judeus de esquerda, para judeus liberais. Um judeu secular ou um judeu ateu não é considerado um verdadeiro judeu. A direita cristã, portanto, cria o seu verdadeiro judeu, construindo uma identidade judaica a partir de uma agenda conservadora específica baseada em leituras evangélicas, especialmente pentecostais. Nesta lógica, também não cabem os cristãos palestinos. Sua existência não é sequer considerada, muito menos uma atitude solidária diante do massacre que vivenciam há décadas e das atuais crueldades que lhes têm sido impostas por Israel em reação aos ataques extremistas do Hamas. Este é um PROCESSO IDEOLÓGICO, DESINFORMATIVO, que acaba não sendo restrito ao ambiente religioso. Ele se agrava, em tempos como os atuais, com um conflito armado em curso, COM AMPLA COLABORAÇÃO DA COBERTURA NOTICIOSA SELETIVA PRÓ-SIONISMO ANTI-PALESTINOS.

A passos largos de volta ao passado

Quando a ONU foi fundada, em 1945, já se sabia que o direito de veto no Conselho de Segurança era uma espécie de pecado original, que iria condenar o Conselho à paralisia sempre que as grandes potências não estivessem de acordo. Sem o direito de veto, porém, nem o Yankeestão, nem a URSS, teriam admitido a existência da ONU. Na ausência de um organismo internacional capaz de ter uma atuação efetiva - como a ONU, tragicamente, tem se mostrado -, o mundo acaba por retroagir àquela situação de antes da existência das Nações Unidas. E isto conduziu a humanidade para duas guerras mundiais. À medida que o sistema internacional sofre essa erosão contínua, cada vez nos aproximamos mais do mundo tal como ele era antes de 1914, no qual é o poder daqueles que têm armas atômicas que ditam as regras. E como estas potências estão em posições antagônicas, a chegada da III Guerra deixa de ser uma possibilidade e passa a ser uma certeza.

O discreto charme da magistocracia

Conrado Hübner Mendes, professor da USP, considerado uma pedra no sapato dos privilégios e maus hábitos das togas, em especial dos tribunais superiores, lançará em novembro pela Ed. Todavia uma coletânea com artigos que publicou na imprensa nos últimos anos denunciando o que batizou de “magistocracia”: “a aristocracia de toga”. Hübner se tornou conhecido pelas críticas precisas e mordazes a ministros, juízes, procuradores e advogados que adotam expedientes questionáveis na rotina judicial. Em 'O discreto charme da magistocracia: vícios e disfarces do judiciário brasileiro', Hübner desenvolve suas críticas à classe de operadores do direito, que considera ter cinco características: autoritária, autocrática, autárquica, rentista e dinástica, o que inclui “benefícios remuneratórios” e “favoritismo familiar”. São 88 artigos, inicialmente publicados na Folha de S.Paulo e na extinta revista Época. Os textos vão de 2010, com “Onze ilhas”, até junho deste ano, com “Se o ministro é pai, contrate o filho”. Um dos alvos dos apontamentos de Hübner nos últimos anos, o ex-PGR Augusto Aras, indicado por Jair Bolsonaro, moveu uma queixa-crime contra o professor. O processo foi arquivado no início deste mês pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região.