quinta-feira, 5 de maio de 2011

Os pilares da mentira

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Jornal do Brasil, 05/05/2011

Os pilares da mentira

 

Por Mauro Santayana

Em suas memórias, Known and Unknown, A Memoir, recém publicadas (Nova York, 2011), Donald Rumsfeld conta, nas páginas 208-209,  o momento patético da Queda de Saigon. Ele era chefe de gabinete de Gerald Ford, que assumira o governo depois da renúncia de Nixon e devia administrar a humilhante derrota.

Segundo Rumsfeld,  Kissinger assegurava, no Salão Oval, que a evacuação de Saigon já se completara, com a saída do Embaixador Graham Martin que – tal como os comandantes dos navios que naufragam – devia ser o último a escapar, quando se soube que não era verdade. O diplomata escapara antes que personalidades do governo títere e derrotado de Saigon invadissem a embaixada e esbaforidas, tentassem ocupar os últimos helicópteros, disputando espaço com os norte-americanos em fuga. Antes da reunião, o fotógrafo da Casa Branca, David Kennerly, veterano do Vietnã, saudara Ford com duas frases: “A boa notícia é que a guerra acabou. A má notícia é que a perdemos”.

Segundo o autor, alguém sugeriu que não se devia corrigir a falsa informação de Kissinger, e se ajustasse nova versão ao pronunciamento do Secretário de Estado. Rumsfeld diz ter sido contra, lembrando que tudo o que havia sido dito ao povo norte-americano  não fora simplesmente a verdade.  “Esta guerra tem sido marcada por muitas mentiras e evasivas, e, assim, não há o direito de terminá-la com uma última mentira” – ele teria dito. Ford mandou o secretário de imprensa, Ron Nessen, dizer a verdade aos jornalistas.

No passado, a mentira podia durar muito, embora sempre tivesse pernas curtas. Em nosso tempo, os segredos podem ser guardados, como os da morte de Kennedy,  mas a suspeita da mentira é tão danosa quanto a sua revelação. Os Estados Unidos sempre mentiram,  a fim de tentar legitimar sua política agressiva. Todos os golpes de Estado, patrocinados pelos norte-americanos em países estrangeiros, ocorreram sob pretextos falsos. Não é necessário ir muito longe: a guerra contra o Afeganistão e o Iraque foi montada sobre os pilares das mentiras mais reles. Saddam Hussein podia ter sido cruel com os inimigos, mas o seu governo era o mais laico e menos obscurantista da região. Depois da guerra contra o Irã, ele abandonara todas as armas químicas. Não dispunha de recursos técnicos para a produção de bombas atômicas. Fotos foram adulteradas, indicando reatores clandestinos, forjaram-se depoimentos, e essas “provas” arranjadas levaram um homem tido como sério, o general Colin Powell, a mentir diante das Nações Unidas.

Poucas horas depois da morte de Bin Laden, começam a se confirmar suspeitas iniciais e perturbadoras. O saudita foi morto desarmado – e poderia ter sido capturado vivo. No avesso da lógica e da ética, Washington diz que não é preciso que o suspeito esteja armado para resistir à prisão. Osama “resistiu”, de mãos nuas, aos soldados protegidos por uniformes à prova de bala e dotados de armas potentes. O saudita tinha que ser morto, antes que pudesse dizer qualquer coisa ao mundo.

O bom senso internacional, passado o entusiasmo frenético diante da execução, começa a prevalecer, para qualificar o ato como  agressão criminosa contra o povo do Paquistão e seu governo. Obama declara que agiu em defesa de seu país – e ponto. Foi como dissesse: “tenho o poder e dele faço o que quiser”.

Conta-se que, em Ialta, Churchill propôs que Hitler fosse executado tão logo  reconhecido pelas tropas aliadas. Com ironia, Stalin  se opôs: na União Soviética se respeitava o direito a um julgamento, conforme “o devido processo da lei”.

Como se sabe, Hitler se antecipou,  matou-se com sua pistola, depois de determinar aos   auxiliares que queimassem o cadáver – o que fizeram, em uma pira de molambos embebidos de gasolina.

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Bin Laden e a última aventura do Super Homem

Ariel Dorfman - Página/12

Pode ser uma suprema coincidência? Ou por acaso tem gato – ou super herói – nesta tuba?

Para entender por que agora, justamente agora, nesta data entre todas as outras possíveis, decidiu-se realizar o “justiçamento” de Bin Laden, talvez seja necessário vincular sua morte repentina e desejada com dois acontecimentos aparentemente desconectados que surgiram na semana passada.

O primeiro, que causou entre os fanáticos da guerra entre o bem e o mal quase tanta consternação como o assassinato do funesto e lúgubre chefe da Al Qaeda, ainda que menos júbilo, foi o anúncio do Super Homem (na história n° 900 do aniversário que celebra suas peripécias) de que pensava ir às Nações Unidas para renunciar à cidadania norteamericana. O Homem de Aço que, desde sua primeira aparição inaugural na revista Action, em junho de 1938, veste-se com as cores da bandeira estadunidense e age em nome dos valores norteamericanos, chegou a essa decisão tão drástica depois de sofrer críticas do encarregado de segurança do governo estadunidense (um homem negro parecido com Colin Powell) por ter voado até Teerã para demonstrar, durante 24 horas, sua solidariedade com os manifestantes da Revolução Verde que protestavam contra o despotismo de Ahmadinejad e seus partidários.

O governo do Irã (na história em quadrinhos, é claro, já que duvido que os aiatolás reais se dediquem a ler dissimuladamente as aventuras de Superman) denunciou esse ato – por silencioso que fosse e motivado pela não violência – como uma ingerência do Grande Satã em seus assuntos internos, quase como uma declaração de guerra. Os autocratas do Irã me desagradam muito, mas não se objetar sua lógica de aceitar as palavras do próprio Homem de Aço que encarna há décadas o conjunto “truth, justice and the American way” (verdade, justiça e o modo americano de vida). De modo que o Super Homem, para poder agir daqui em diante para além das fronteiras nacionais e os interesses circunstanciais de qualquer Estado, se viu obrigado a estabelecer sua independência frente a seu país adotivo. Porque, de fato, o Super Homem não nasceu nos Estados Unidos, mas sim no planeta Krypton, chegando bebê (sem passar por aduanas nem imigração) ao Kansas em uma pequena nave espacial, sendo acolhido neste território, no centro dos EUA, pelos Kent, fazendeiros que personificam personificam precisamente o “american way”. Era Ka-El. Virou Clark Kent.

É difícil exagerar a indignação com que este ato audacioso de renunciar à cidadania, esta “bofetada” do Superman, foi recebida pelo povo norteamericano. Eu li blogueiros defendendo seriamente que o novo campeão do internacionalismo fosse deportado para seu planeta de origem (como se fosse um mexicano ilegal), e já circula um abaixo assinado para que os executivos da Time Warner (donos da empresa que comercializa o Super Homem) forcem os autores da história a se retratar. Além disso, vários comentaristas conservadores viram esse insulto do super herói como a prova definitiva da decadência do país mais poderoso da terra: até o ídolo que representa mais universalmente nosso modo de vida está nos dando as costas!.

Não sei se o presidente Obama segue atentamente as aventuras do Super Homem (sabe-se que é um fã do Homem Aranha, de cuja origem nova-iorquina não cabem dúvidas), mas alguém deve ter chamado a sua atenção sobre a perda de prestígio que significa a deserção de um tal titã. O que acontece, por exemplo, se o Homem de Aço, guia dos despossuídos, decide fechar Guantánamo ou usar seus olhos de raios X para liberar alguns Super Wikileaks, agora que já deve lealdade à bandeira norteamericana? O que acontece se ele se põe a serviço de uma potência como a China? Em todo o caso, os conselheiros de Obama devem ter lhe explicado que a defecção de Super Homem deveria ser tratada como uma imensa crise cultural e ideológica que inclusive poderia custar a reeleição ao presidente, uma vez que os republicanos já cozinhavam planos para acusá-lo de ter “perdido” o Super Homem (como ocorreu com Cuba ou Vietnã).

A resposta de Obama foi genial: ao matar Bin Laden, provava que os EUA não necessitava de um homem musculoso que voa e atravessa paredes para defender-se dos terroristas, pois, para isso, tem helicópteros e tropas especiais como os Seals, computadores e armas – como que não – de aço. Um modo de restaurar a confiança nacional que estava machucada e que dificilmente poderia tolerar outro menosprezo à sua auréola.

É claro que, antes de poder realizar aquela operação no Paquistão, Obama tinha que acertar outro assunto, um problema que o rondava há vários anos. Como iria apresentar-se perante o mundo e anunciar o assassinato de Bin Laden em nome dos Estados Unidos se uma insólita porcentagem de seu próprio povo duvidada que seu presidente era, de fato, norteamericano? Como criar o contraste com o trânsfuga Super Homem se Obama mesmo era acusado de ter nascido no estrangeiro, no Quênia, que, como se sabe, está muito mais longe do Kansas do que o planeta Krypton, por mais que os três lugares compartilhem a kafkiana letra K?

Isso levou Obama a divulgar, há alguns dias, sua certidão de nascimento, tapando a boca daqueles que o apontavam como um “alien” (alheio, estrangeiro, mas também extraterrestre, outro significativo paralelo entre o presidente e o super herói). Por certo que um conjunto de seus concidadãos segue acreditando que Obama não nasceu em território norteamericano. Insistem que o documento foi flasificado, que o hospital foi subornado e que a mãe (nascida originalmente nada mais nada menos que no Kansas) trouxe o menino de contrabando para o Hawaí, porque sabia que, dali a quarenta e tantos anos, aquele menino mulato seria presidente. Creio que a única maneira desses recalcitrantes aceitarem que Obama nasceu nos EUA seria ele branquear inteiramente a cara e toda a pele. Aí ele já não seria mais um “alien”.

Mas, para a maioria de seus compatriotas, Obama conseguiu em uma semana uma verdadeira e tripla proeza. Ao provar que era um presidente legítimo, pode, armado de seu certificado de nascimento e também do exército mais poderoso do globo, eliminar o sinistro inimigo número um dos Estados Unidos. E sem precisar da intervenção do Super Homem.

E agora?

Agora, proponho uma façanha de verdade: já que a razão pela qual Bush invadiu o Afeganistão era o apoio que os talibãs ofereciam a Bin Laden, não chegou o momento de retirar todas as forças norte-americanas desse país de montanhas e guerrilhas?

Estou seguro que o Super Homem, em parceria com as Nações Unidas e esgrimindo seu novo passaporte cosmopolita e global, ficaria feliz em ajudar no transporte rápido das tropas. Seria bonito vermos isso nas próximas aventuras do Homem de Aço, seria alentador que Obama e o Superman – ambos com suas origens no Kansas, ambos menosprezados por serem “estrangeiros” – colaborassem para criar pelo menos um pequeno oásis de paz no mundo onde infelizmente escasseiam hoje tanto a verdade como a justiça.

(*) Ariel Dorfman é escritor. Seu romance mais recente é “Americanos: Los passos de Murieta”.

Tradução: Katarina Peixoto
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Cartazes atacam Obama em Jacarta, na Indonésia, onde o americano viveu na infância

Cartazes atacam Obama em Jacarta, na Indonésia, onde o americano viveu na infância
São Paulo, quinta-feira, 05 de maio de 2011

Gerônimos

JANIO DE FREITAS

A RÁPIDA REVIRAVOLTA na versão oficial que não durou mais de 30 horas, sobre as circunstâncias da morte de Bin Laden, é um fato raro e nos leva a uma dívida promissora: a única explicação para as sucessivas correções, por diferentes integrantes do governo dos EUA, é uma decisão imposta pelo temor ou a certeza de que os meios de comunicação terminariam por desmoralizar as palavras oficiais. Inclusive as do próprio presidente Barack Obama. WikiLeaks e uma pequena parte do jornalismo merecem o crédito.
Não única, essa causa provavelmente maior não nega a disposição de Obama, implícita na reconsideração, de preferir a honra pessoal ao cinismo com que George Bush se valeu de mentiras, mesmo depois de demonstradas como tais a seu país e ao mundo. Mas nega a tradição histórica, muito praticada pelos Estados Unidos desde seus primórdios, da falsificação de motivos por governos, e respectivos comandantes militares, para os seus atos de imoralidade bélica.
Exemplo ressaltado pela história é a anexação da Áustria pela Alemanha de Hitler, em represália a uma inventada provocação na zona de fronteira. O pequeno Vietnã do Norte foi massacrado pelos bombardeiros B-52 durante anos em represália a um ataque seu, inexistente, a navio da marinha americana no Golfo vietnamita de Tonquim. Ou, ainda inacabada, a invasão do Iraque com a mentira das armas de destruição em massa de Saddam Hussein, mesmo que já negada pela inspeção da própria agência especializada da ONU.
O nome-código dado a Bin Laden para a comunicação de sua morte à Casa Branca - Gerônimo - não suscitou curiosidade até agora. Mas sua escolha tem significações ricas.
Não é nome de brancos nem de negros americanos, em tempo algum. É nome indígena. Foi o nome de um dos mais ou o mais bravo chefe a resistir, e vencer muitas vezes, às tropas que conquistavam terras da América do Norte para os colonizadores com o genocídio dos habitantes originais
. Gerônimo foi transformado em objeto de ódio branco que lhe deu lugar destacado na história das guerras dos Estados Unidos listadas pelo Departamento de Defesa.
Chamar Bin Laden de Gerônimo foi injustiça com o dono autêntico do nome, mas o conceito de justiça parece aplicar-se, no episódio atual, apenas às afirmações de Obama e de Bush, segundo os quais a morte do terrorista fez justiça. A Comissão de Direitos Humanos da ONU, entre outros pronunciamentos relevantes, não concorda: "As Nações Unidas enfatizam que todos os atos contra o terrorismo devem respeitar o direito internacional". À parte direitos humanos, a ação dos Estados Unidos está acusada de numerosas violações do direito internacional.
Sem ir mais longe, por desnecessário, o que fizeram as entidades internacionais e potências responsáveis pela aplicação do direito internacional quando, por exemplo, a URSS invadiu o Afeganistão, e os Estados Unidos invadiram o Iraque, o Panamá, Granada, o Vietnã, o Laos, sem dar confiança à ONU e em violação flagrante do direito internacional? Entre as nações dominantes, o direito internacional é matéria de transações. Acontece mais uma vez. E assim será, não se imagina até quando.


GERONIMO
CODINOME GERA INDIGNAÇÃO EM POVO INDÍGENA

O uso do codinome Geronimo dado por agentes dos EUA a Osama bin Laden na operação que o matou indignou ativistas e líderes de tribos indígenas americanas. Geronimo foi um herói índio do século 19 que defendeu suas terras contra o Exército americano.
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São Paulo, quinta-feira, 05 de maio de 2011
Filha de terrorista diz que ele foi pego vivo e depois assassinado

DAS AGÊNCIAS DE NOTÍCIAS

Uma filha de Osama bin Laden de cerca de 12 anos que se encontrava na casa em que o líder terrorista foi morto disse que seu pai foi capturado vivo pelos agentes dos EUA antes de ser morto, disse a TV Al Arabiya.
Segundo fonte identificada como uma autoridade de segurança do Paquistão, ela relatou que os americanos se depararam com o líder da Al Qaeda já nos primeiros momentos da incursão à casa, localizada em Abbottabad, subúrbio de Islamabad.
Bin Laden teria sido assassinado em frente aos seus familiares.
Se confirmada, a versão seria mais uma inconsistência no relato oficial do governo americano sobre a ação.
Desde anteontem, várias revelações feitas pelas autoridades dos EUA já contradisseram relatos anteriores.
Inicialmente, o assessor de contraterrorismo do governo dissera que Bin Laden estava armado e chegou a usar sua mulher de escudo humano, antes de ser morto -ao lado dela- tentando resistir à incursão dos EUA.
Anteontem, porém, o secretário de Imprensa da Casa Branca disse que o chefe da Al Qaeda não estava armado, não usou ninguém de escudo
e que a sua mulher, Amal Ahmed Abdul Fatah, não foi morta, mas ferida na perna.
Mesmo assim, afirmou, ele foi morto ao resistir à prisão.
O Exército paquistanês encontrou 16 pessoas amarradas ao chegar ao local, após a saída dos americanos.
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São Paulo, quinta-feira, 05 de maio de 2011
Licença para matar

RICARDO MELO

SÃO PAULO - Não será do dia para a noite que se terá acesso ao que realmente ocorreu no esconderijo do terrorista Osama bin Laden. Mas até a imprensa americana, que desde a Guerra do Golfo trocou o jornalismo pela "embedagem" ao governo, desconfiou do anúncio hollywoodiano da Casa Branca, versão democrata das "armas de destruição em massa" da era Bush.
Os lances épicos da violenta troca de tiros, da mulher usada como escudo, da resistência feroz deram lugar a um enredo bem mais prosaico. Provavelmente houve uma execução, e ponto. Tal descrição não comporta nenhum juízo de valor.
Bin Laden e quem se engaja no terrorismo e no fanatismo religioso têm consciência que o risco de morrer faz parte do (mau) negócio. O prontuário de crimes do chefe da Al Qaeda apontava para este final.
Mas incomoda, para dizer o menos, aceitar como natural a baboseira de Obama e dos europeus, para os quais a "justiça foi feita".
Como assim? Os EUA invadem um país, fuzilam um inimigo sem julgamento, jogam o corpo do sujeito no mar e estamos conversados. Tudo isso depois de se valerem de "técnicas coercitivas de interrogatório", eufemismo para tortura com afogamentos. E ainda vem a ONU, candidamente, dizer que "é preciso investigar" se o direito internacional foi desrespeitado.
A lógica política da operação Geronimo é a mesma que preside a intervenção seletiva nos conflitos na África e no Oriente Médio. Gaddafi, o ex-amigo, agora é inimigo, então chumbo nele e na família. Já na Síria não é bem assim, tampouco no Iêmen e na Arábia Saudita - azar de quem nasceu rebelde por ali. Mais uma vez, os EUA tratam o planeta como quintal, e usam a ONU de plateia para as "rambolices".
Que Obama, um político comum, comemore o ganho de popularidade às vésperas da batalha pela reeleição, é compreensível. Já o resto do mundo dito civilizado assistir a tudo com tamanha complacência apenas sinaliza o que está por vir.


Defensores da Al Qaeda e de Bin Laden queimam
bandeira dos EUA em Multan (Paquistão)


Quem fica mal na foto

ELIANE CANTANHÊDE

BRASÍLIA - Meu bisavô saiu para comprar cigarro e nunca mais apareceu. Foi justamente no dia de um grave acidente de trens no Rio e, como não havia métodos confiáveis de reconhecimento e as pessoas eram enterradas como indigentes, a dedução óbvia foi que ele morreu.
Mesmo assim, minha bisavó, que estava grávida do quarto filho, passou o resto da vida ruminando uma dúvida: morreu ou fugiu?
Se os EUA divulgam as fotos de Bin Laden com a cabeça estourada, estimulam um mito. Se não, podem alimentar a mesma dúvida ao redor do mundo: ele morreu mesmo?
Obama anunciou que não vai divulgar, mas ninguém acredita, especialmente depois do WikiLeaks, que essas fotos ficarão sob sigilo eterno. Mais cedo ou mais tarde, e independentemente da vontade de Obama, Hillary, generais e marqueteiros, elas serão expostas, aprofundando as diferenças de percepção entre a opinião pública nos Estados Unidos e nos demais países. Os americanos exaltam, cidadãos do mundo condenam.
A Otan aprovou a ação no Paquistão para matar Bin Laden, democratas e republicanos estão em êxtase cívico nos EUA, e os índices de popularidade de Barack Obama já indicam a sua reeleição no ano que vem. Mas o desenrolar da história já não é tão consensual assim no resto do mundo.
Bin Laden não estava armado, não usou mulher nenhuma como escudo, e o "mensageiro" foi identificado por meio de tortura de um preso político, método execrável sob qualquer prisma.
Cresce, enfim, o questionamento sobre a legalidade da própria operação: o comando Seal entrou no país sem consultar ou informar o governo paquistanês, matou o terrorista com dois tiros e jogou o corpo no mar, quando as leis internacionais preveem prisão, processo, direito a defesa e, finalmente, pena. Nada disso foi respeitado.
Com ou sem Bin Laden, essa foto vai ficando a cada dia mais feia.
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São Paulo, quinta-feira, 05 de maio de 2011

CONTRA A AÇÃO DOS EUA


"Não podemos usar contra os terroristas os métodos deles"

SAMY ADGHIRNI
DE SÃO PAULO

A ação que matou Osama bin Laden é ilegal, porque os EUA não consultaram o Paquistão nem avisaram o Conselho de Segurança da ONU. A tese é de Alberto do Amaral Jr., professor de Direito Internacional da USP. Ele disse à Folha, por telefone, que a legítima defesa só vale se aplicada de imediato, "não dez anos depois".

Folha - A ação que matou Bin Laden pode ser considerada um ato de legítima defesa?
Alberto do Amaral Jr - A tese é dificilmente sustentável. A legítima defesa, conforme estipulado pelo artigo 51 da Carta das Nações Unidas, é concebida como possibilidade de um Estado reagir a uma agressão armada para defender sua população e sua soberania territorial.
A legítima defesa tem que ocorrer logo após a agressão. Atacar um ano ou dez anos depois não é legítima defesa.
Se mato alguém que está dentro da minha casa por invasão, provavelmente não serei preso. Se mato a mesma pessoa na rua, sou punível, porque não se aplica mais a legítima defesa.
No direito internacional é a mesma coisa.


Cabe o argumento da legítima defesa preventiva?
A legítima defesa preventiva é o princípio pelo qual um Estado que deduzir que outro Estado cometerá uma agressão pode adotar medidas para impedir uma futura invasão. Isso não se configurou.
Além disso, qualquer ação de legítima defesa tem que ser imediatamente comunicada ao Conselho de Segurança da ONU, o que não aconteceu.
O que poderia conferir legalidade à ação seria a permissão do governo do Paquistão, mas isso não houve, o que prefigura violação de soberania territorial.

Os EUA alegam que sua legislação pós-11/9 permite caçar terroristas mundo afora.
Qualquer lei nacional só vale para dentro de um país
. O Congresso brasileiro pode decidir invadir o Uruguai, por exemplo, cujo território já foi parcialmente considerado parte do Brasil. Mas isso não obriga nenhum país a acatar essa decisão.
Bin Laden era um dos homens mais perigosos do mundo. Muita gente discutia a justificava moral de eliminá-lo, mas a morte dele nessas circunstâncias não tem justificava legal. Não podemos usar contra os terroristas os mesmos métodos que eles usam contra nós.
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A barbárie e a estupidez jornalística no caso da morte de bin Laden

Por Elaine Tavares
4/5/2011
internacional Darth Vader perde
Imaginem vocês se um pequeno operativo do exército cubano entrasse em Miami e atacasse a casa onde vive Posada Carriles, o terrorista responsável pela explosão de várias bombas em hotéis cubanos e pela derrubada de um avião que matou 73 pessoas. Imagine que esse operativo assassinasse o tal terrorista em terras estadunidenses. Que lhes parece que aconteceria? O mundo inteiro se levantaria em uníssono condenando o ataque.
Haveria especialistas em direito internacional alegando que um país não pode adentrar com um grupo de militares em outro país livre, que isso se configura em quebra da soberania, ou ato de guerra. Possivelmente Cuba seria retaliada e, com certeza, invadida por tropas estadunidenses por ter cometido o crime de invasão. Seria um escândalo internacional e os jornalistas de todo mundo anunciariam a notícia como um crime bárbaro e sem justificativa.
Mas, como foi os Estados Unidos que entrou no Paquistão, isso parece coisa muito natural. Nenhuma palavra sobre quebra de soberania, sobre invasão ilegal, sobre o absurdo de um assassinato. Pelo que se sabe, até mesmo os mais sanguinários carrascos nazistas foram julgados. Osama não. Foi assassinato e o Prêmio Nobel da Paz inaugurou mais uma novidade: o crime de vingança agora é legal. Pressuposto perigoso demais nestes tempos em que os EUA são a polícia do mundo.
Agora imagine mais uma coisa insólita. O governo elege um inimigo número um, caça esse inimigo por uma década, faz dele a própria imagem do demônio, evitando dizer, é claro, que foi um demônio criado pelo próprio serviço secreto estadunidense. Aí, um belo dia, seus soldados aguerridos encontram esse homem, com toda a sede de vingança que lhes foi incutida. E esses soldados matam o “demônio”. Então, por respeito, eles realizam todos os preceitos da religião do “demônio”. Lavam o corpo, enrolam em um lençol branco e o jogam no mar. Ora, se era Osama o próprio mal encarnado, porque raios os soldados iriam respeitar sua religião? Que história mais sem pé e sem cabeça.
E, tendo encontrado o inimigo mais procurado, nenhuma foto do corpo? Nenhum vestígio? Ah, sim, um exame de DNA, feito pelos agentes da CIA. Bueno, acredite quem quiser.
O mais vexatório nisso tudo é ouvir os jornalistas de todo mundo repetindo a notícia sem que qualquer prova concreta seja apresentada. Acreditar na declaração de agentes da CIA é coisa muito pueril. Seria ingênuo se não se soubesse da profunda submissão e colonialismo do jornalismo mundial.
Olha, eu sei lá, mas o que vi na televisão chegou às raias do absurdo. Sendo verdade ou mentira o que aconteceu, ambas as coisas são absolutamente impensáveis num mundo em que imperam o tal do “estado de direito”. Não há mais limites para o império. Definitivamente são tempos sombrios. E pelo que se vê, voltamos ao tempo do farwest, só que agora, o céu é o limite. Pelo menos para o império.
Darth Vader é fichinha!



Elaine Tavares é jornalista.

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