São Paulo, domingo, 22 de maio de 2011
OPINIÃO
Colonialismo, Strauss-Kahn e Fundo Monetário Internacional
MOISÉS NAÍM
ESPECIAL PARA A FOLHA
As notícias recentes relacionadas ao FMI carregam um mau cheiro colonialista.
Não me refiro ao fato de um francês rico e poderoso que era o chefe do FMI ser acusado de tentar violentar uma jovem camareira africana em seu hotel de luxo.
O que aconteceu ali nós não sabemos, e é preciso esperar antes de declarar Dominique Strauss-Kahn culpado. Mas o que não se fez esperar foram os desagradáveis refluxos coloniais que procuram impor um europeu como seu sucessor.
Segundo essa visão, apenas um europeu pode estar no comando do FMI, uma instituição que pertence a 187 países. Essa proposta discrimina "apenas" os outros 93% da humanidade.
É insólito que uma organização que obriga os governos que lhe pedem empréstimos a adotar princípios de transparência, eficiência e meritocracia escolha seu líder por meio de um processo que viola as normas que ela própria prega. Isto acontece porque, em 1944, EUA e Europa acordaram que o chefe do FMI sempre seria um europeu, enquanto o do Banco Mundial seria americano.
Esse pacto é hoje tão obsoleto quanto inaceitável. E em 2009 os líderes do G20, cujos países representam 80% da economia mundial e dois terços da população do planeta, prometeram que os chefes dessas instituições seriam escolhidos por meio de processo "aberto, transparente e baseado no mérito".
O fato de que estes não tenham sempre sido os critérios, e que hoje ainda não o sejam, é ultrajante. Mas é mais ultrajante ainda ver os planos de seguir assegurando o cargo a um europeu.
Didier Reynders, ministro belga das Finanças, afirmou que "seria preferível que nós [os europeus] continuássemos a ocupar esses cargos no futuro". Angela Merkel aceita que alguém dos países emergentes possa ser chefe do FMI ... "no médio prazo".
Por enquanto, ela quer um europeu no cargo. Não é por acaso, portanto, que Christine Lagarde já apareça como favorita entre todos os candidatos. Além de competente, ela é francesa. Seria bom se Lagarde fosse medida em um processo aberto, contra candidatos de outras regiões.
Mas aqueles que defendem a necessidade de um europeu no FMI não querem que seu candidato compita em um processo aberto a todos - querem que ele seja coroado pelo resto do mundo.
Influentes colunistas europeus defendem que o papel crítico desempenhado pelo FMI no resgate financeiro da Europa requer que seu chefe conheça bem o continente e tenha vínculos profundos com sua classe política.
É curioso que esse critério nunca apareceu quando Ásia e América Latina tiveram suas respectivas crises econômicas e o FMI estava sob o comando de um francês ou um alemão.
Wolfgang Munchau se indaga no "Financial Times" "se, por mais competente que seja, o presidente do banco central mexicano, por exemplo, seria capaz de cumprir essa função com eficácia (...). O trabalho estará muito centrado sobre os problemas europeus, o que o obrigará a bater de cabeça em reuniões de ministros das Finanças e persuadir chefes de governo obstinados".
Munchau supõe que os políticos europeus sejam mais relutantes que seus colegas latino-americanos ou asiáticos a impor as medidas econômicas impopulares que inevitavelmente acompanham os resgates do FMI. Isso não é certo.
O argumento poderia ser invertido para demonstrar que quem teria as melhores condições para ajudar a Europa em suas circunstâncias atuais seria um economista competente brasileiro, turco ou tailandês que já passou pela experiência de administrar com êxito uma crise semelhante em seu país.
Também é verdade que, embora os problemas agora estejam na Europa, os que estão por vir se originarão em países emergentes.
Finalmente, há o detalhe de que, enquanto o peso da Europa na economia mundial vem caindo, o de países como China, Índia e Brasil está em ascensão. Como justificar que as novas potências emergentes, cuja influência sobre a saúde econômica do mundo já é determinante, não possam ter acesso aos cargos mais altos do governo financeiro internacional?
Não sei o que me surpreende mais: a questão óbvia de que a nacionalidade não deve definir quem pode dirigir o FMI ou o fato de esse critério errado ter tantos defensores.
É óbvio que o cargo deve estar aberto a todos os candidatos qualificados, de qualquer parte do mundo, e que o processo de seleção precisa ser transparente, baseado exclusivamente nos méritos pessoais dos candidatos.
E não seria má ideia pedir aos candidatos que, ao serem eleitos, prometam ficar no cargo até acabar o mandato.
Os últimos três chefes do FMI - todos europeus - renunciaram antes do fim.
MOISÉS NAÍM é associado sênior do Carnegie Endowment for International Peace, em Washington.
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