sexta-feira, 27 de maio de 2011

Quando a austeridade fracassa / Dados deliberadamente arquitetados de modo a nos confundir

european central bank cartoons, european central bank cartoon, european central bank picture, european central bank pictures, european central bank image, european central bank images, european central bank illustration, european central bank illustrations


Folha.com. 27 de Maio de 2011


Quando a austeridade fracassa
 
Por Paul Krugman*
 

Muitas vezes me queixo, com razão, quanto ao estado do debate econômico nos Estados Unidos. E a irresponsabilidade de alguns políticos – como os republicanos que declaram que um calote da dívida pública norte-americana não seria grande problema – é assustadora.

Mas ao menos nos Estados Unidos, os membros da escola dolorosa de pensamento econômico, os quais alegam que elevar juros e cortar severamente os gastos do governo diante de desemprego maciço de algum modo melhorará as coisas, em lugar de piorá-las, precisam enfrentar certa medida de reações adversas, do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) e do governo Obama.

na Europa, em contraste, a escola dolorosa de pensamento econômico domina o debate há mais de um ano, e insiste em que moeda forte e orçamentos equilibrados servem como resposta a todos os problemas. O que embasa essa insistência é uma série de fantasias econômicas, principalmente a crença na fadinha da confiança – ou seja, a crença em que cortar gastos na verdade criará empregos, porque a austeridade fiscal propiciará melhora na confiança do setor privado.

Infelizmente, a fadinha da confiança continua se recusando a dar o ar de sua graça. E uma disputa sobre como lidar com essa realidade inconveniente ameaça fazer da Europa o ponto focal de uma nova crise financeira.

Depois da criação do euro, em 1999, os países europeus que anteriormente eram vistos como devedores de risco, e que portanto enfrentavam limitações nos montantes que podiam captar, começaram a receber fortes influxos de capital. Afinal, os investidores aparentemente acreditavam, Grécia, Portugal, Irlanda e Espanha eram membros da união monetária europeia, e o que poderia sair errado?

A resposta a essa pergunta agora se tornou dolorosamente aparente. O governo grego, que se viu capaz de realizar captação a juros apenas ligeiramente mais altos que os pagos pela Alemanha, se endividou demais. Os governos da Espanha e Irlanda não o fizeram (a situação de Portugal é intermediária) – mas os bancos desses países se endividaram e, quando a bolha estourou, os contribuintes se viram forçados a arcar com as dívidas contraídas pelos bancos. O problema foi agravado pelo fato de que o boom de 1999 a 2007 causou sério desalinhamento entre os preços e custos dos países endividados e os das nações vizinhas.

Que fazer? Os líderes europeus ofereceram empréstimos de emergência aos países em crise, mas apenas em troca de promessas de que programas severos de austeridade seriam impostos, consistindo basicamente de fortes cortes de gastos. As objeções no sentido de que programas como esses se provariam contraproducentes – não só por imporem sofrimento direto como por reduzirem a arrecadação tributária e assim agravarem a crise – foram desconsideradas. A austeridade era uma resposta expansiva, alegavam os defensores da doutrina, porque traria melhora na confiança.

Ninguém acatou a doutrina de uma austeridade expansiva com mais confiança do que Jean-Claude Trichet, presidente do Banco Central Europeu (BCE). Sob seu comando, o banco começou a pregar austeridade como elixir econômico universal que deveria ser imposto imediatamente em toda parte, mesmo em países como o Reino Unido e os Estados Unidos, que continuam a enfrentar desemprego elevado e não vêm sofrendo pressão nos mercados financeiros.

Mas, como eu disse, a fadinha da confiança não apareceu. Os países devedores europeus em situação mais grave estão, como seria de esperar, sofrendo declínio econômico renovado graças aos programas de austeridade, e a confiança está despencando em vez de subir. Tornou-se claro, a essa altura, que Grécia, Irlanda e Portugal não podem pagar suas dívidas integralmente, e não o farão, se bem que a Espanha talvez se prove capaz de aguentar o tranco.

Em termos realistas, portanto, a Europa precisa se preparar para alguma forma de redução de dívida, que envolveria uma combinação entre assistência pelas economias mais fortes e a imposição de perdões parciais de dívida aos credores privados, que teriam de aceitar pagamento inferior ao valor de face de seus títulos. Mas o realismo parece estar em falta.

De um lado, a Alemanha adotou linha dura quanto a qualquer coisa que leve jeito de assistência aos seus vizinhos em crise, ainda que uma motivação importante do atual programa de resgate tenha sido a de tentar proteger os bancos alemães contra prejuízos.

Do outro lado, o BCE está agindo como se estivesse determinado a provocar uma crise financeira. Começou a elevar as taxas de juros a despeito do estado terrível de muitas economias europeias. E funcionários do BCE vêm alertando contra qualquer forma de redução de dívida – de fato, um membro do conselho executivo da instituição na semana passada sugeriu que até mesmo uma reestruturação modesta dos títulos públicos gregos levaria o BCE a deixar de aceitar esses papéis como caução de empréstimos aos bancos da Grécia. Isso equivale a declarar que, caso os gregos busquem reduzir suas dívidas, o BCE suspenderá toda assistência ao sistema bancário grego, que depende crucialmente desse tipo de operação de empréstimo.

Caso os bancos gregos entrem em colapso, isso poderia forçar a Grécia a sair da zona do euro - e não é difícil perceber que isso poderia dar início à queda dos dominós financeiros em boa parte da Europa. Portanto, o que o BCE acha que está fazendo?

Meu palpite é que a instituição simplesmente não está disposta a encarar o fracasso de suas fantasias. E se isso parece incrivelmente insensato, bem, quem disse que a sabedoria governa o mundo?

*Economista estadunidense, articulista do New York Times, tradução de Paulo Migliacci. Fonte: Folha.com

.....

subprime cartoons, subprime cartoon, subprime picture, subprime pictures, subprime image, subprime images, subprime illustration, subprime illustrations

http://blogs.estadao.com.br/paul-krugman/2011/05/23/origens-da-crise-falsas-e-reais/

23 de maio de 2011 | 15h24 

Origens da crise, falsas e reais


Paul Krugman

Nestes últimos dias não dediquei muito tempo a tratar das origens da crise financeira; neste exato momento a questão mais abrasadora é o que vem em seguida. Mas a história é um campo de batalha e os costumeiros suspeitos estão se esforçando para reescrever essa história em seu próprio interesse.
Na verdade, para muitas pessoas isso já foi feito: já existe uma ortodoxia de direita no sentido de que Fannie e Freddie é que causaram a bolha imobiliária e sua explosão. Tudo foi culpa do governo!
E de onde partiu essa ideia? Bem, como se verificou, boa parte das alegações tiveram por base publicações de Edward Pinto da AEI, que afirma que Fannie e Freddie detinham uma grande porcentagem das “hipotecas subprime e outras de alto risco” – uma afirmação que, às vezes em discussões casuais, é transformada numa acusação, de que F&F detinham uma grande fração das hipotecas suprime.
Portanto é bom que Mike Konczal nos lembre que a definição de Edward Pinto de hipotecas “do tipo subprime” foi algo que ele criou – e o que acabou se verificando é que as suas supostas categorias de alto risco não tinham, absolutamente, tanto risco e que na verdade elas se assemelhavam mais a uma hipoteca tradicional do que uma verdadeira real suprime.

 052111krugman1_blog480.jpg

O documento do qual tirei o diagrama acima, de David Min, deixa claro que os empréstimos feitos por Fannie-Freddie comportavam muito menos risco do que aqueles originados no setor privado – e em particular que os títulos lastreados em hipotecas emitidos por instituições privadas que, essencialmente, não eram regulamentados, implicavam muito mais risco do que qualquer coisa que o governo estava promovendo.
Em resumo, a afirmação de que “o governo é que fez isso” está baseada em dados totalmente errôneos e é difícil ler esta história sem acreditar que esses dados foram deliberadamente arquitetados de modo a nos confundir.

Nenhum comentário:

Postar um comentário