Zelaya volta a Honduras no palanque
Eduardo Verdugo/Associated Press |
FLÁVIA MARREIRO
ENVIADA ESPECIAL A TEGUCIGALPA
Quase dois anos depois de ser deposto da Presidência de Honduras, Manuel Zelaya foi recebido ontem por uma multidão de apoiadores em Tegucigalpa e prometeu levar "a resistência popular" ao comando do país.
Zelaya agradeceu o apoio dos países latino-americanos e ao atual governo de Honduras por "restituir seus direitos democráticos". Culpou os EUA pelo fracasso das negociações anteriores e anunciou que sua tarefa será organizar sua base política para promover uma Constituinte.
O ex-presidente voltou a partir de Manágua, num avião cedido pelo governo do venezuelano Hugo Chávez.
Zelaya tem o desafio de consolidar sua heterogênea base de apoio no país.
No aeroporto, era esperado por seguidores que usavam blusas e camisas da Frente Nacional de Resistência Popular (FNRP), criada pós-golpe, misturados a símbolos do Partido Liberal, a legenda original de Zelaya.
O ex-presidente agora se define "liberal pró-socialista em resistência". "Esperamos que Zelaya organize a resistência", disse o técnico em informática Douglas Sierra, 26, envolvido numa bandeira do Brasil. "Comprei para homenagear o apoio brasileiro a Mel [apelido de Zelaya]."
Em setembro de 2009, tentando forçar sua restituição ao poder, Zelaya refugiou-se na Embaixada brasileira em Manágua. Ficou lá por quase quatro meses até ir para o exílio na República Dominicana. A aposta da FNRP para seguir unida é intensificar a campanha para convocar uma Constituinte -ironicamente, um motivo alegado para o golpe contra Zelaya.
A possibilidade de propor uma consulta popular sobre mudança da Constituição -e sua posterior reforma total- foi viabilizada pelos atuais governo e Congresso e fez parte do acordo para a volta de ex-presidente, mediado pela Venezuela e Colômbia.
"O status quo hondurenho fez tudo para impedir qualquer mudança. Espero que tenham percebido que o desenho institucional de Honduras na atual Constituição foi uma das razões da crise de 2009", diz Kevin Casas-Zamora, ex-vice-presidente da Costa Rica e analista para a região do Brookings Institute (EUA).
Pela atual Carta, que veta a reeleição, Zelaya não poderá se candidatar às presidenciais de 2013. A ideia é lançar desde já a mulher do ex-presidente, Xiomara Castro, que foi uma das oradoras do evento de ontem.
Pacto não oferece garantias, dizem ONGs
DA ENVIADA A TEGUCIGALPA
Triunfo político do ex-presidente -e da diplomacia regional-, o acordo para a volta de Zelaya a Honduras não tem garantias jurídicas para o ex-mandatário, não pune os golpistas nem os violadores de direitos humanos.
Quem protesta é um conjunto de ONGs locais e do exterior que exige que a Organização dos Estados Americanos imponha condições para Honduras voltar à entidade.
O grupo lembra o alarmante recorde do país na matéria: do golpe até agora, nada menos que 11 jornalistas foram assassinados, e as contas totais, somando mortes de defensores de direitos humanos e líderes camponeses, alcançam ao menos o dobro.
A votação na OEA será na quarta, e a possibilidade de que o apelo seja acatado é remota. Só o Equador defende que o acordo fechado entre Zelaya e o atual presidente hondurenho, Porfirio Lobo, não basta para reintegração.
"Sou um dos 300 professores suspensos pelo atual governo por decreto, em represália a greve. Não há garantias para exercer a oposição. A volta de Zelaya é só o início. É um acordo que não nos satisfaz por completo", diz a líder sindical Janina Parada.
Viviana Krsticevic, diretora da ONG Cejil, lembra que juízes destituídos por protestar contra o golpe não foram reintegrados. "E os golpistas não só não foram punidos como foram premiados."
Os chefes da Corte Suprema e do Ministério Público, que comandaram o que Krsticevic chama de "complô institucional" contra o ex-presidente, continuam em seus cargos, aponta ela.
Os pró-acordo, como o Brasil, alegam que o acompanhamento externo servirá de salvaguarda a Zelaya. (FM)
ANÁLISE
Acordo nega legitimidade a golpe e vinga posição do Brasil
CLAUDIA ANTUNES
DO RIO
O acordo que abriu caminho para a reintegração de Honduras à OEA não restitui Manuel Zelaya ao poder, como exigiu a entidade há dois anos, nem garante a estabilidade num país polarizado.
Seu mérito é negar qualquer pretensão de legitimidade ao complô cívico-militar que retirou o presidente de pijamas da residência oficial e o expulsou do país.
O acordo premia a persistência do Brasil e de seus sócios no Mercosul, para os quais a época de quarteladas na região fora encerrada com a aprovação da Carta Democrática da OEA, em 2001.
Esses países resistiram à ofensiva liderada pelos EUA para que a situação fosse dada por normalizada após a eleição de Porfírio Lobo.
Na época, o governo Obama buscou acomodação com os golpistas devido à pressão conservadora no Congresso e ao lobby da Câmara de Comércio EUA-Honduras, detalhado nos telegramas obtidos pelo grupo WikiLeaks.
Fez isso apesar de o próprio embaixador dos EUA em Tegucigalpa, Hugo Llorens, ter dito que a deposição fora "ilegal e inconstitucional".
Embora a Carta hondurenha seja falha em mecanismos para resolver disputas entre os Poderes, o certo é que o afastamento legal do presidente só poderia ter ocorrido após sua condenação em processo judicial.
A alegação dos golpistas era que Zelaya violara a Constituição ao organizar consulta popular sobre a convocação de Constituinte. A acusação se baseava na suposição de que o objetivo final era mudar a cláusula pétrea que proíbe a reeleição.
O acordo intermediado por Colômbia e Venezuela pretende encerrar a polêmica ao reconhecer o direito de Zelaya de promover a consulta.
Se realizado, desta vez o plebiscito poderá versar diretamente sobre mudanças em cláusulas pétreas, conforme regulamentação do tema aprovada em janeiro por iniciativa de Lobo, sob o argumento -tirado da Carta- de que "soberano é o povo".
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