sábado, 21 de maio de 2011

Rebeldes

 
"The Wild One" (1953)



São Paulo, sábado, 21 de maio de 2011


Rebeldes

RUY CASTRO
 
RIO DE JANEIRO - Há dias, morreu na Califórnia uma atriz de Hollywood. Chamava-se Mary Murphy, tinha 80 anos e não era famosa. Não que o tenha sido um dia e, depois, esquecida -nunca chegou a ser. Eu próprio, ao ver seu nome no "New York Times", não a associei a nenhum rosto ou filme. Depois, ao ler mais, situei-a facilmente. É a jovem ingênua e doce pela qual Marlon Brando quase se enternece em "O Selvagem", de 1953.
Mary tinha então 22 anos, mas o papel não foi suficiente para tirá-la da zona fantasma. Dali, fez alguns seriados de TV e, na década de 70, aposentou-se. Provavelmente casou-se, teve filhos, converteu-se ao avental sujo de ovo e foi feliz. Por que, então, falar dela?
Porque, na brutalidade que caracteriza "O Selvagem" - duas gangues de motociclistas barbarizam uma cidadezinha americana, vandalizando lojas, ofendendo cidadãos, humilhando mulheres -, ela protagoniza o único momento de lirismo do filme. É quando, no papel de balconista da lanchonete, tenta entender a cabeça de Brando e pergunta: "Você é contra o quê?". E ele, frio: "O que você sugere?".

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É um diálogo representativo daquela que, no Brasil, se chamou de "juventude transviada" e, nos EUA, com mais propriedade, de "rebeldes sem causa"
. Num tempo de feroz racionalismo, como os anos 50, supunha-se que, se uma geração se rebelava, devia haver uma causa - um alvo -, nem que fosse a família, os mais velhos, o sistema.
Para estes, que eram os potenciais inimigos, parecia incompreensível que tal "rebeldia" acontecesse no país mais rico do mundo e numa época, como aquela, de escandalosa prosperidade. Não havia motivo, pensavam. Com o tempo, aprendemos que o buraco era mais embaixo: nem precisava. O personagem de Brando não sabia contra o que estava se rebelando. Mas aceitava sugestões e, para ele, qualquer uma servia.

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