31/05/2011
Sua vida dá um livro? Francesa se especializa em narrar memórias das 'pessoas comuns'
Luiza Duarte | Paris
Contar histórias de pessoas comuns por encomenda foi a solução encontrada pela jovem escritora francesa Sarah Herbeth para obter algum retorno financeiro com sua formação em Letras. Ela passou a transformar memórias pessoais de anônimos e segredos de família em livros.
Segundo Sarah, de apenas 29 anos e residente em Paris, não é preciso ser uma celebridade para eternizar em uma biografia cada detalhe de sua existência. Ao contrário, a maior parte das pessoas que a procura são pessoas idosas, em sua maior parte, mulheres.
“Eu conheço muitos idosos que têm um diário. Meu avô já fazia isso”, conta. Por impossibilidade ou conveniência, alguns preferem que alguém escreva por eles. “Eu quero apenas ser uma porta-voz”, garante Sarah.
Primeiras linhas
“Tudo começou quando eu terminei meus estudos em Letras, há três anos. Quando você tem um diploma como esse na França, é impossível encontrar trabalho”, lamenta a parisiense. Foi trabalhando como acompanhante de idosos e convivendo com sua avó em um asilo que ela encontrou suas primeiras “clientes”. “As histórias que eu ouvia ... ficava me perguntando se haveria uma forma de guardá-las”, confessa.
Luiza Duarte
Sarah, que por pouco não se tornou historiadora, ainda está começando, mas pretende se dedicar integralmente à nova ocupação. “É uma profissão que não existe e é muito difícil encontrar clientes”.
No entanto, o interesse dos franceses pelas histórias de suas famílias pode ser medido pela quantidade de sites que propõem árvores genealógicas, bases de dados sobre pessoas e sobrenomes, além da disponibilização online de registros de estado civil.
Ela concorda que exista algo de cultural nessa demanda. Entretanto, Sarah considera que há outras duas razões para tanto interesse em levar pessoas a quererem preservar suas memórias: um medo universal do esquecimento e a preocupação com a transmissão de saberes.
“Toda pessoa quando é confrontada a uma morte próxima sente necessidade de consertar certas coisas e contar o que passou. É uma reação natural diante de uma angústia existencial”, acredita. No processo de reconstituição do passado de seus clientes, Sarah recolhe segredos e desvenda mistérios.
“Muitos querem dar seu testemunho e acertar contas em complicados casos de família”. Alguns biografados querem que os envolvidos só tenham acesso ao conteúdo após suas mortes. Ela se compromete a não tornar público os textos e a confiá-los apenas às pessoas indicadas.
Vida em capítulos
Cada biografia tem de 50 a 150 páginas. Após uma dezena de encontros e muitas horas de gravação, começa a etapa de transcrição. “Relato tudo em primeira pessoa, respeitando a ordem cronológica, mas adaptando a vontade da pessoa de dedicar mais tempo à infância, adolescência ou vida adulta”, revela.
Luiza Duarte
Sarah classifica a si mesma como a 'pluma dos anônimos'.
Ela reestrutura o que escuta, mas garante não ter pretensões literárias. “Eu não quero trair a linguagem e a oralidade da pessoa. Quero que, quando seus filhos lerem, tenham a impressão de que tivesse sido feito por suas avós ou mães. Sou muito fiel às expressões e vícios de linguagem”, precisa.
Além do texto, podem ser acrescentados documentos, fotos, árvore genealógica, citações de livros ou extratos de jornais. Geralmente, o livro final, impresso em dois exemplares, é um presente encomendado por filhos e netos.
As confidências custam 25 euros por página. Em média, é preciso contar 2.500 euros para ter sua própria biografia.
Outro aspecto interessante de suas obras é que, através da trajetória de vida das pessoas que pediram seus serviços, é a possibilidade também de revelar pequenas frações da história da capital francesa.
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