quarta-feira, 25 de maio de 2011

Caso DSK: 'Um burocrata no cio' e 'A omertà da imprensa francesa'



São Paulo, quarta-feira, 25 de maio de 2011


Toda Mídia

NELSON DE SÁ - nelsonsa@uol.com.br

Em monitoramento
O francês "Le Monde" publicou que pessoas próximas a Sarkozy vazaram a repórteres do próprio "Le Monde", nos últimos meses, informações da vida sexual de Dominique Strauss-Kahn, então diretor-gerente do FMI e favorito à eleição presidencial de 2012. Sarkozy teria uma "equipe" nos serviços de polícia e inteligência.

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                             Quarta-feira, 24 de maio de 2011
 
CASO STRAUSS-KAHN
Um burocrata no cio

 
Por Rolf Kuntz em 24/5/2011


Um escândalo sexual deu a Dominique Strauss-Kahn uma notoriedade global jamais alcançada como deputado, professor, ministro da Economia da França e diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI). Muita gente de peso o considerou competente em todas essas funções. Mas, antes de ser preso em Nova York, acusado de ataque a uma camareira, seu nome raramente apareceu nas primeiras páginas de jornais fora da Europa.
Leitores de todo o mundo aprenderam muito, nos últimos dias, sobre outros escândalos, sobre sua fama de mulherengo e até sobre sua mulher, uma ex-jornalista famosa e muito rica, Anne Sinclair. O Globo publicou sobre ela excelente matéria no domingo (22/5). Mas pouco se publicou, até o fim de semana, sobre os desafios do próximo ocupante do cargo.
A diretoria executiva do FMI, responsável formal pela escolha do diretor-gerente, divulgou na sexta-feira (20/5) uma nota sobre a sucessão. Segundo a nota, a seleção será baseada no mérito e realizada por meio de um processo aberto. Poderão concorrer, portanto, candidatos de qualquer país sócio da organização. Pela primeira vez serão admitidos oficialmente nomes apresentados por países de fora da Europa. Além disso, no texto aparecem os pronomes "ele" e "ela", na descrição do perfil apresentado como desejável.

Papel relevante
Os grandes jornais do Rio e de São Paulo deixaram de aproveitar esse material. Mas a nota é mais que um documento burocrático. É politicamente importante, porque oficializa, de certa forma, a adoção do novo critério. A partir de agora, pelo menos formalmente, deixa de vigorar o acordo original entre as grandes potencias do pós-guerra - um europeu para chefiar o FMI e um americano para comandar o Banco Mundial.
Na prática, o velho esquema poderá funcionar mais uma vez, com apenas um toque de novidade. Até o fim da semana, a figura mais cotada para assumir o posto era a ministra da Economia da França, Christine Lagarde. Ela é reconhecida, amplamente, como dotada dos atributos apontados como desejáveis para a função - por exemplo, uma atuação destacada na elaboração de política econômica, em postos superiores, um currículo profissional notável, capacidade administrativa e habilidade diplomática para conduzir uma instituição multilateral. Outros candidatos podem ter várias dessas qualidades - e isso inclui alguns nomes de países emergentes -, mas Lagarde tem também um inegável prestígio político internacional.
Seu favoritismo tem sido apontado nos jornais, mas os jornais teriam prestado um bom serviço adicional se explorassem a nota da diretoria executiva. O posto é político, sem dúvida, mas o perfil do candidato desejável ajudaria a entender o assunto. A combinação de capacidade profissional e de talento diplomático é especialmente importante em vista das novas funções do FMI.
O Fundo tem sido essencial para o funcionamento do Grupo dos 20, como organismo técnico e também como formulador de propostas políticas. Tem participado do esforço de reforma do sistema financeiro internacional, juntamente com a Junta de Estabilidade Financeira (Financial Stability Board) e com o Banco de Compensações Internacionais, de Basileia, também conhecido como Banco Central dos Bancos Centrais. Tem realizado os primeiros ensaios do sistema de avaliação mútua, lançado pelos governos do G-20, e deve exercer um papel relevante na supervisão do sistema financeiro e na tentativa de prevenção de crises. Isso vai muito além de funções técnicas e dos papeis desempenhados até o fim dos anos 1990.

Estereótipo fácil
A mera oficialização do novo critério é politicamente relevante e configura uma vitória de governos do mundo emergente, incluído o brasileiro. Os emergentes podem contabilizar esse ganho, mesmo se for escolhido, mais uma vez, um nome proposto pelos europeus.
Esse avanço se deve, em grande parte, ao trabalho de Dominique Strauss-Kahn. Sua biografia combina, de forma surpreendente, uma reputação de brutalidade com as mulheres - uma delas o descreveu como um macaco no cio - e uma reconhecida competência diplomática no trato com governos de todos os grupos de países. Sua condição de favorito, até há poucos dias, na próxima eleição presidencial francesa completa o retrato de articulador político.
Também esse contraste torna o seu caso notável. Qualquer das imagens, tomada separadamente, enquadra-se num estereótipo sem dificuldade. Intrigante é a sua combinação. Os jornais mostraram isso, até certo ponto.




                             Quarta-feira, 25 de maio de 2011

CASO STRAUSS-KAHN
A omertà da imprensa francesa


Por Leneide Duarte-Plon, de Paris em 25/5/2011

Por que os jornalistas franceses se calaram tanto tempo? A imprensa deve publicar tudo o que os jornalistas sabem sobre a vida privada dos políticos? Onde termina a vida privada e onde começa a vida pública? Por que a imprensa francesa nunca comentou as histórias de donjuanismo de Dominique Strauss-Kahn, o ex-diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional?
Excetuando-se o caso que ele teve com uma economista do FMI, denunciado por um jornal americano e investigado pelo Fundo para ver se era o caso de afastar ou não o então diretor por assédio sexual, na França ninguém ousava escrever sobre o Don Juan que assediava jornalistas e colegas de trabalho. Com a tese de que a relação foi consensual, o FMI fechou aquela página e os socialistas se preparavam para apostar no brilhante economista para representá-los na eleição presidencial de 2012. DSK era o preferido da esquerda contra Sarkozy.
No entanto, le tout Paris jornalístico conhecia a fama de sedutor e mesmo de libertino (libertin, em francês, aquele que vive uma sexualidade livre, sem entraves, como os libertins do século 18) do personagem. Por que todos se calaram todo tempo?

A piada e a demissão
Acusados pela imprensa internacional de timidez na melhor das hipóteses, incompetência e conivência na pior, os jornalistas franceses responderam com horas e horas de discussão, páginas e páginas de artigos tentando se justificar nos jornais, revistas semanais e programas de debates na televisão e no rádio. O jornal Le Monde publicou, entre outras, duas páginas exclusivamente de artigos sob o título geral "O papel da mídia no affaire DSK", seguido do subtítulo "Os jornalistas praticaram a ormetà em relação a Dominique Strauss-Kahn? Houve conivência entre os jornalistas e DSK?"
Num dos artigos, o jornalista Nicolas Beau relembra que seus colegas praticaram a omertá por 14 anos, escondendo da opinião pública francesa o que sabiam: que o então presidente da República François Mitterrand tinha uma filha fora do casamento; que a protegia às custas do contribuinte francês (com um esquema de segurança); e da cumplicidade dos jornalistas, impedidos de publicar a história por respeito à lei que reza que "todo cidadão tem direito ao respeito de sua vida privada".
Os jornalistas sabiam das relações extraconjugais dos presidentes Giscard d’Estaing e Jacques Chirac, e nunca uma linha sequer saiu nos jornais durante os respectivos mandatos. A mulher de Chirac mencionou as relações extraconjugais do marido em um livro de entrevistas a Patrick de Carolis, publicado quando ele ainda estava no poder.

Só até a porta do quarto
"A informação para na porta do quarto de dormir", escreveu o semanário Le Canard Enchaîné em seu editorial do primeiro número depois do "affaire DSK. O jornalista Franz-Olivier Giesbert, diretor da revista Le Point defende a tese de que como não havia nenhum caso de delito, a imprensa não tinha que investigar a vida sexual de Dominique Strauss-Kahn, assim como não tem de investigar a vida de quem quer que seja.
A exceção à lei do silêncio foi o jornalista de Libération, Jean Quatremer, que escreveu no seu blog em 2007, logo depois da nomeação de Strauss-Kahn para a direção do FMI: "O único problema de Strauss-Kahn é sua relação com as mulheres. Apressado, ele beira frequentemente o assédio. Uma fraqueza conhecida da mídia, mas da qual ninguém fala..."
O único que teve a coragem e a audácia de comentar, em 2009, com um humor cáustico, a fama de Don Juan do então diretor do FMI foi o humorista Stéphane Guillon, numa crônica que fazia diariamente na estação de rádio France Inter. As alusões e os trocadilhos do genial texto de Guillon desagradaram ao poderoso DSK. Entrevistado ao vivo poucos minutos depois da crônica, Dominique Strauss-Kahn demonstrou seu descontentamento no ar. Poucos dias depois, o humorista foi demitido da rádio, uma das estações que fazem parte da estatal Radio France. A demissão provava que para o poderoso DSK "jornalista bom é jornalista calado".
A quem compreende o francês sugiro o vídeo de Stéphane Guillon lendo sua crônica (gravado ao vivo) e a reação de DSK neste link.

Pressões da assessoria
No livro Sexus politicus, lançado em 2006, que analisa a sexualidade dos políticos franceses, os jornalistas Christophe Deloire e Christophe Dubois escreveram um capítulo dedicado a DSK e nele mencionavam, sem dar o nome dela, o caso da jornalista Tristane Banon, com quem Strauss-Kahn marcou um encontro para uma entrevista. Ao chegar, a jovem descobre que o apartamento é uma garçonnière com um sofá e uma cama como únicos móveis. Tristane contou que DSK tentou estuprá-la. Esse caso era conhecido de inúmeros jornalistas – que fizeram um silêncio ensurdecedor. O advogado da jornalista justifica: "É aterrorizador se opor a alguém como Dominique Strauss-Kahn".
Depois do atual affaire, o Libération lembrava que El País publicara um artigo de seu correspondente em Paris no qual atribuía a Sarkozy a recomendação feita a DSK, em 2007, logo depois de sua nomeação para o FMI: "Cuidado, nos Estados Unidos não se brinca. Evite entrar sozinho num elevador com uma estagiária. Você sabe de que eu estou falando. A França não pode se permitir um escândalo".
Na Itália, o jornal do irmão de Berlusconi, Il Giornale, atacou duramente os franceses num editorial: "Strauss-Kahn era de fato um homem doente que não foi impedido a tempo, pagando paradoxalmente pela sutil hipocrisia de uma França onde a imprensa não hesita em dar lições de transparência e moralidade aos outros, mas que diante de seus poderosos – seja Strauss-Kahn ou Sarkozy – se mostra extraordinariamente covarde. Covarde até a omertà".
O Times de Londres escreveu que os "britânicos podem ser pudicos em relação ao sexo enquanto os franceses são fascinados pelos sedutores políticos". Para o diário britânico, o escândalo DSK pode ser visto "como o machismo no banco dos réus, a cultura francesa do segredo que considera que ser mulherengo faz parte de uma longa tradição francesa: liberté, égalité, infidélité".
Na Newsweek, Michelle Goldberg escreveu que o silêncio da imprensa francesa que protegia DSK lembra uma conspiração para permitir a um homem poderoso a exploração de mulheres desprotegidas. "E os defensores de Strauss-Kahn, entre eles o eminente Bernard-Henri Levy, aparecem não como humanistas refinados, mas como membros de um clã de personalidades narcísicas dotadas de um sentimento desmesurado de que tudo lhes é permitido".
Os escrúpulos dos jornalistas não se limitavam aos escândalos sexuais de DSK. A omertà funcionava em todos os níveis. Quando o jornal France-Soir revelou – poucos dias antes do escândalo de Nova York – que os ternos de DSK custavam até 30 mil dólares, feitos pelo mesmo alfaiate de Barack Obama, em Washington, a agência France Presse confirmou a informação, mas a jornalista que fez a investigação sofreu todas as pressões imagináveis dos marqueteiros que cuidam da imagem do ex-chefe do FMI.

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