Tony Palocci deu uma daquelas declarações de “tranquilizar o mercado”: ele declarou tudo ao Imposto de Renda.
O CABO PALOCCI
Esta é uma historia de um cabo paulista, contada e recontada desde os tempos de Ademar de Barros, governador de São Paulo.
Ele era cabo do Palácio Bandeirantes. Todo fim de mês, de manhã cedo, recebia um envelope fino, fechado, muito bem fechado, para entregar a um senhor gordo e estranho nos subúrbios da capital. E trazia de volta, mandado pelo senhor estranho e gordo, um pacote grosso, bem fechado.
Um mês, dois meses, seis meses, todo dia 30, de manhã bem cedo, o cabo levando o envelope fino e trazendo o pacote grosso. Morria de curiosidade, mas não abria nem o envelope fino nem o pacote grosso.
Nem sequer tentava enxergar alguma coisa ao sol. Estava ali cumprindo seu dever. E o segredo era o preço primeiro do dever.
Um dia, o cabo não se conteve mais. Abriu pela ponta, discretamente, o pacote grosso. Era dinheiro, muito dinheiro. Tudo nota de mil. Resistiu à tentação, entregou o pacote inteiro, intocado. No mês seguinte, dia 30. deram-lhe de novo o envelope fino. Abriu. Era um cartão, escrito à mão:
- “50 contos no bicho que der.”
O cabo não resistiu. Pegou uma caneta em um botequim e emendou:
- “50 contos no bicho que der. Aliás, 55”.
Nunca mais lhe deram o envelope fino nem o pacote grosso. Foi Demitido.
São Paulo, domingo, 22 de maio de 2011
Pena mais dura para riqueza ilícita empaca no Congresso
FERNANDA ODILLA
DE BRASÍLIA
Estão parados há mais de um ano no Congresso projetos que o próprio governo federal apresentou para impor penas severas a funcionários públicos com evolução patrimonial suspeita e empresas envolvidas em corrupção.
Um dos projetos transforma em crime o enriquecimento ilícito de funcionários públicos. Foi preparado pelo ex-chefe da CGU (Controladoria-Geral da União) Waldir Pires e enviado ao Congresso pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2005.
A Lei de Improbidade Administrativa, única que trata do tema atualmente, define o enriquecimento ilícito como a obtenção de vantagem patrimonial indevida em razão do cargo, mandato ou função pública. A lei prevê sanções como a demissão e a suspensão de direitos políticos.
O projeto que está na Câmara transforma a evolução patrimonial sem justificativa num artigo do Código Penal, com pena de três a oito anos de prisão, mesmo nos casos em que não for comprovado dano ao patrimônio público.
Se o projeto tivesse sido aprovado, casos como o do ministro da Casa Civil, Antonio Palocci, poderiam ser analisados sob a ótica de uma lei mais rigorosa.
O ministro comprou um apartamento de luxo e um escritório em São Paulo com os rendimentos de sua empresa de consultoria, que faturou R$ 20 milhões no ano passado. Palocci nega ter cometido irregularidades na condução de seus negócios privados.
Integrantes de órgãos de controle interno do governo já perderam as esperanças de que o projeto que criminaliza o enriquecimento ilícito seja aprovado. Ele passou pelas comissões da Câmara e está pronto para ser apreciado no plenário desde 2007, mas nunca entrou na pauta.
Outro projeto que não foi longe no Congresso Nacional propõe aplicar a empresas envolvidas com corrupção multas equivalentes a até 30% do faturamento. A proposta foi elaborada pelo Ministério da Justiça em conjunto com a CGU e a AGU (Advocacia-Geral da União).
A ideia do projeto é reforçar sanções de caráter administrativo para inibir a participação das empresas em esquemas de corrupção. "Não tem como colocar uma empresa na cadeia", afirma o chefe da AGU, Luís Adams.
Lula enviou o projeto ao Congresso em fevereiro do ano passado. Na Câmara, decidiu-se que a proposta deveria ser analisada por uma comissão especial, mas ela não foi criada até agora.
"Nós, os órgãos de controle, nos ressentimos dessa lacuna legislativa que é a falta de um instrumento específico para alcançar o patrimônio das empresas", afirma o chefe da CGU, Jorge Hage.
Quando os dois projetos chegaram à Câmara, decidiu-se que eles tramitariam em regime de prioridade. Mas a ideia acabou abandonada.
"Esses projetos mexem com o poder econômico e por isso enfrentam mais dificuldade para andar", afirma o deputado Carlos Zaratini (PT-SP), que pediu à Mesa da Câmara a criação imediata da comissão especial.
São Paulo, quinta-feira, 19 de maio de 2011
Decodificando Palocci
CLÓVIS ROSSI
SÃO PAULO - Quando Lula montava seu ministério, no finzinho de 2002, Ricardo Kotscho, assessor de imprensa e, mais que isso, amigo íntimo, cobrou: "Você tem que nomear o Palocci".
Lula quis saber a razão, e Kotscho explicou direitinho: "Porque ele é muito divertido".
Premonitório meu amigo Kotscho: Palocci se divertiu à beça, como ele próprio confessa agora candidamente (ou cinicamente, a seu gosto, leitor).
Usou seus anos de ministério para construir os alicerces de um apartamento de R$ 6,6 milhões, comprado praticamente à vista. Como? "No mercado de capitais e em outros setores, a passagem por Ministério da Fazenda, BNDES ou Banco Central proporciona uma experiência única que dá enorme valor a esses profissionais no mercado", explica a nota de Palocci.
Ingênuo e purista que sou, não gosto de que se coloque etiqueta de preço em seres humanos, ainda mais em servidores públicos. Mas não sou tão ingênuo a ponto de ignorar que Palocci disse a verdade, parte da verdade ao menos.
A parte que ocultou é a seguinte: a passagem por esses postos - ou outros - dá a quem a fez conhecimento das entranhas e engrenagens do poder, o que facilita abordagens do setor privado que quer ou precisa fazer negócios com o Estado, em qualquer de suas esferas.
Em linguagem clara, o mecanismo chama-se tráfico de influência. Não sei se Palocci o praticou, mas é evidente que as empresas que contrataram a sua consultoria estavam de olho nessa possibilidade. Só não sabia que esse, digamos, trânsito dava tanto dinheiro assim.
Como é ilógico supor que uma eventual queda de Palocci seria um desastre (se não o foi em 2006, menos ainda o seria agora), resta suspeitar que a blindagem que até a oposição oferece ao ministro deve-se à expectativa de usar, hoje ou no futuro, a "experiência única" que tanto gozo deu a Palocci
São Paulo, quinta-feira, 19 de maio de 2011
Palocci, o devedor
JANIO DE FREITAS
A PARTE VALIOSA na nota explicativa do ministro Antonio Palocci, o único trecho em que não repete seu velho truque de embaralhar assuntos, contém a revelação, despercebida, de que a colheita para o seu patrimônio aumentou em mais do que as 20 vezes constatadas nos R$ 7,4 milhões de dois imóveis comprados.
No antepenúltimo dos 13 itens de pretensas explicações, diz a extensa nota com referência à empresa Projeto, em cujo nome o ministro pôs seu novo patrimônio: "A gestão dos recursos financeiros da empresa foi transferida a uma gestora de recursos, que tem autonomia contratual para realizar aplicações e resgates, de modo a evitar conflito de interesse".
Durante os quatros anos como deputado, de 2007 a 2010, portanto, o hoje ministro teve também ganhos em dimensão que justifica a entrega, sob a forma de "recursos financeiros" e não de imóveis, à gestão de empresa especializada "com autonomia para aplicações e resgates", como é próprio de patrimônio em títulos ou espécie.
Esse acréscimo à parte constatada do veloz patrimônio não se traduz em comprovação de ilícito na maneira de obtê-lo, dada por Palocci como "remuneração" de "serviços para a iniciativa privada", "atividade de consultoria". É o máximo que diz sobre a procedência do novo patrimônio. No restante, manobra exaustivamente como se questionado por atividade empresarial imprópria a deputados, invocando 273 que a têm (o que deveria ser e não é ilegal). E, ainda, sobre pagamento de impostos e legalidade da Projeto. A mesma tática de ter um assunto pela proa e agir como se fosse outro, tal como o uso que pretendeu com a atribuição de venalidade ao caseiro Francenildo Costa.
Palocci não está adotando uma linha de defesa. É só uma linha de fuga e despistamento.
Como ocupante de um cargo da altitude de chefe do Gabinete Civil da Presidência da República, qualquer um tem o dever, com o país, de prestar informações quando atingido por suspeita. A situação de Palocci vai além: seus antecedentes robustecem as suspeitas e o seu dever de esclarecimento.
Mais ainda, bancar seu retorno ao governo apesar dos antecedentes, e para o cargo que tem com a influência que tem, foi uma atitude de Dilma Rousseff que não deveria ser retribuída com máculas que contaminem o governo.
A atitude atual de Antonio Palocci já expele efeitos tóxicos. A ética de um governo não está só nas suas decisões. Depende também da conduta e do conceito de seus integrantes.
E, ao deixar a primeira sob dúvidas graves e o segundo com a recuperação em suspenso, Palocci compromete o governo de Dilma Rousseff. Já transfere para a própria presidente a expectativa da opinião pública e suas consequências onerosas.
Apesar do seu admirável patrimônio, Antonio Palocci é um grande devedor.
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