quinta-feira, 26 de maio de 2011

Genérico eleva deficit comercial da saúde

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Este não é José Serra afirmando ser o autor do programa dos genéricos


São Paulo, quinta-feira, 26 de maio de 2011

Genérico eleva deficit comercial da saúde

MARIANA BARBOSA
DE SÃO PAULO

O programa de medicamentos genéricos, criado em 1999, ampliou o acesso da população a medicamentos, mas produziu efeitos colaterais na economia.
Sem um programa de investimento em pesquisa e inovação para desenvolver a indústria farmacêutica, o Brasil se tornou dependente de insumos importados.
O deficit na balança comercial (diferença entre importação e exportação) do complexo industrial da saúde cresceu 167% desde 1999. Passou de US$ 1,98 bilhão para US$ 5,29 bilhões (R$ 8,6 bilhões) no ano passado.
O complexo inclui insumos farmoquímicos (princípios ativos, principal matéria-prima de uma droga), medicamentos prontos, vacinas e material de diagnóstico.
A importação de farmoquímicos manteve-se estável de 1999 até 2006, quando muitas fábricas de genérico entraram em funcionamento.
Entre 2006 e 2010, a importação de insumos mais que dobrou, para US$ 2,36 bilhões (contribuindo para o deficit com US$ 1,85 bilhão).
No mesmo período, a importação de medicamentos acabados saltou de US$ 1,8 bilhão para US$ 3,2 bilhões (deficit de US$ 2,3 bilhões).
A venda de genéricos cresce 30% ao ano, ritmo mais acelerado do que o da venda de medicamentos de referência. E, até 2014, 280 patentes vão vencer, estimulando o mercado de genéricos.
Porém, mais de 90% dos princípios ativos usados no país vêm de fora, principalmente da Índia, segundo a Protec (Sociedade Brasileira Pró-Inovação Tecnológica).

VENDAS
Como não há como substituir a importação de medicamentos prontos, de alta tecnologia e protegidos por patentes, o Ministério da Saúde criou programa para estimular a produção local de princípios ativos e vacinas.
O programa, que usa o poder de compra do governo, começou em 2009 e os primeiros resultados estão saindo dos laboratórios.
Dos R$ 10 bilhões (US$ 6,1 bilhões) que o governo adquire em medicamentos e vacinas por ano, R$ 2,5 bilhões serão comprados de laboratórios como Cristália, Libbs, Globe, Nortec e Genvida. A maior parte dos medicamentos é para tratamento de Aids e câncer.
Em 2012, as compras de laboratórios nacionais devem saltar para R$ 3,5 bilhões. Isso levará a economia de US$ 700 milhões na conta das importações, diz o ministério.

FINANCIAMENTO
Além do contrato garantido com o governo, os laboratórios recebem financiamentos para pesquisa. "O desafio do setor hoje é aliar a política de acesso a uma política de desenvolvimento tecnológico", diz Carlos Gadelha, secretário de ciência e tecnologia do Ministério da Saúde.
O Brasil possui 98 fabricantes de genéricos. A maioria funciona como "montadora". Importa produtos prontos ou semiprontos e embala no Brasil.
Para os fabricantes, contudo, sem o programa, o deficit poderia ser ainda maior.
"Hoje importamos commodities. Sem o genérico, estaríamos importando mais medicamentos acabados", diz o presidente da Pró Genéricos, Odnir Finotti.
Para o diretor da Protec, Roberto Nicolsky, a falta de um programa para estimular a produção de princípios ativos, como fez a Índia, é o grande "defeito" da lei dos genéricos.
"O Brasil não só não desenvolveu uma indústria farmoquímica como perdeu conteúdo. Deixou, por exemplo, de fabricar antibióticos."


ANÁLISE


A rota da inovação no setor farmacêutico

ROBERTO NICOLSKY
ESPECIAL PARA A FOLHA

O acordo Trips (sobre propriedade intelectual, da Organização Mundial do Comércio, de 1994) gerou em 1996 uma lei nacional de patentes com moléculas e sínteses químicas.
Tal fato exigiu novas metas às nossas farmoquímicas e farmacêuticas, em vez da antiga rota de criar similares aos medicamentos descobertos pela pesquisa no mundo.
Dois novos rumos não excludentes se oferecem à indústria nacional.
Um desses vem da lei dos genéricos, de 1999, que são patentes vencidas tornando públicos princípios ativos de medicamentos de marca, mas que têm de ser fabricados idênticos aos originais.
Inconveniente óbvio: se devem ser idênticos, então só podem se diferenciar pelo preço, isto é, reduzindo o lucro das empresas.
Outro rumo é o da inovação tecnológica, propiciando à indústria renovação do acervo de medicamentos para evitar a obsolescência terapêutica dos velhos similares e diferenciando os produtos.
As empresas nacionais que já faziam inovações se ajustaram bem à nova exigência. Outras iniciam agora esse processo virtuoso, algumas escoradas no mercado obtido via genéricos.
Mas que inovação tecnológica é viável para a indústria nacional que se inicia nessa prática? A base da nossa política de apoio à pesquisa em universidades é tentar novas moléculas terapêuticas.
Essa rota, embora seguida desde a criação do CNPq, em 1951, jamais deu resultado e dificilmente dará, pois as exigências de ensaios clínicos são cada vez maiores.
Assim, é quase impensável uma empresa da magnitude das nossas ter experiência, capital e estrutura para bancar um medicamento com um novo princípio ativo.
Isso não tira oportunidade à indústria. Ao contrário, há exemplos de que a busca de novo princípio ativo é substituída com vantagem por inovações que agregam melhorias e valor aos produtos e processos existentes.
Exemplo disso é a Índia, cuja indústria farmacêutica cresce cerca de 20% ao ano e está estimada em US$ 25 bilhões no ano fiscal 2009/ 2010, quando era de US$ 5 bilhões em 2000/2001.
Sem novo princípio ativo, baseia-se em inúmeras inovações e notadamente em novas sínteses de genéricos. E é da Índia a maior parte dos genéricos que usamos.
A agregação de inovações tecnológicas é mais rápida, de menor risco e mais eficiente para a indústria emergente no cenário mundial.
São novos processos de síntese assim como alterações de moléculas, o chamado "mee-to" ou ainda "mee-better", associações inteligentes de dois ou mais princípios ativos num único medicamento, novas apresentações farmacêuticas, novas formulações de medicamentos, aplicações etc.

Felizmente, várias indústrias nacionais já seguem essa rota.


ROBERTO NICOLSKY é físico, professor aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro, diretor-geral da Sociedade Brasileira Pró-Inovação Tecnológica (Protec) e superintendente do Instituto de P&D em Fármacos e Medicamentos (IPD-Farma).
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São Paulo, terça-feira, 26 de outubro de 2010

Serra, genéricos e outros mistérios  
ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE

Como consequência da Guerra das Malvinas, quando a Argentina, por ter abdicado da produção própria de fármacos, ficou desabastecida de medicamentos, o governo militar brasileiro aprovou um programa, por mim proposto, de desenvolvimento dos princípios ativos (fármacos) dos 350 remédios constituintes da farmácia básica nacional.
Estimava-se que, em dez anos, seria possível desenvolver, por engenharia reversa, pelo menos 90% desses produtos. De fato, em pouco mais de três anos, cerca de 80 processos já haviam sido desenvolvidos e 20 produtos já estavam sendo produzidos e comercializados por empresas brasileiras.
O sucesso inicial desse projeto permitiu que fosse iniciada por mim, nesta Folha, uma campanha de esclarecimento sobre medicamentos genéricos, o que não teria sentido sem a produção própria de fármacos.
Precipitadamente, o governo Itamar Franco tentou lançar a produção de genéricos. O poderoso cartel de multinacionais de medicamentos se insurgiu. Ameaçou-nos de desabastecimento, de verdadeira guerra. Derrotou e humilhou o Ministério da Saúde.
Poucos anos depois, esse cartel não somente cedeu prazerosamente ao ministro José Serra, então na pasta da Saúde, como até fez dele seu "homem do ano".

Seria o costumeiro charme do ministro? Seu sorriso cândido? Senão, qual o mistério?
Como consequência da isenção de impostos de importação para o setor de química fina, da infame lei de patentes e de outras obscenidades perpetradas pela administração FHC, mais de mil unidades de produção no setor de química fina, dentre as quais cerca de 250 relativas a fármacos, foram extintas.
Além do mais, cerca de 400 novos projetos foram interrompidos.
Os dados foram extraídos de boletim da Associação Brasileira de Indústria da Química Fina. Em poucos anos, o deficit da balança de pagamentos para o setor saltou de US$ 400 milhões para US$ 7 bilhões. Quem acha que, com isso, Serra não merece o título de homem do ano das multinacionais de medicamentos?
Também os "empresários" brasileiros do setor de genéricos têm muito a agradecer ao ex-ministro da Saúde, pelas suas margens de lucro leoninas. Basta ver os imensos descontos oferecidos por quase todas as farmácias, que com frequência chegam a 50%. Os genéricos do Serra nada têm a ver com os genéricos que planejamos.
E persiste o fato de que, durante a administração Serra na Saúde, os recursos destinados ao saneamento, à época atribuídos a esse ministério, não foram aplicados.
Mesmo sem contar mistérios como aqueles dos "sanguessugas" e da supressão do combate à dengue no Rio, entre outros, considero pífia, eminentemente pífia, a atuação de Serra no Ministério da Saúde.


ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE, 79, físico, é professor emérito da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), presidente do Conselho de Administração da ABTLuS (Associação Brasileira de Tecnologia de Luz Síncrotron) e membro do Conselho Editorial da Folha.

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