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O caso DSK : sintoma do nosso tempo ?
Por Dany-Robert Dufour*
Partamos do seguinte: não tenho nada a dizer sobre a psicologia de Dominique Strauss-Khan. Além disso, ele tem direito, como todo mundo, à presunção de inocência. Em contrapartida, há muito a dizer sobre o meio, sobre a cultura de que está impregnado o mundo dos negócios e das finanças onde DSK se movimentava.
Para ter uma idéia, basta reler o que dizia há pouco tempo Sr. Alan Greenspan que comandava o todo poderoso Banco Central Norte-americano (Fed) e que era designado como « o Maestro », o fazedor de milagres, isto é, de dinheiro. Interrogado no auge da crise iniciada em 2008 pela Comissão dos Estados Unidos, o gênio da economia declarou não entender nada do que estava acontecendo pois, disse ele, « sempre acreditou que a percepção dos próprios interesses por parte dos banqueiros era a melhor proteção para todo mundo ». Portanto, o que ele estava dizendo claramente é que esse era um mundo em que o interesse pessoal, que se confunde facilmente com a avidez e o desejo de ter cada vez mais, fora alçado à categoria de lei universal.
Em suma, ele estava designando a cultura dominante desse meio como caracterizada pela ausência de limite. Trata-se em evidência de um princípio cínico, pois diz que se formos tão ávidos, egoístas e preocupados com nossos interesses e prazeres quanto possível, melhor contribuiremos para a prosperidade geral. Ora, esse princípio produz um mundo obsceno. Um mundo que, aliás, havia sido entrevisto e descrito à perfeição pelo marquês de Sade no século XVIII, pouco depois de ter nascido o princípio liberal, esse princípio que diz que é preciso liberar os vícios privados porque é isso que produz a fortuna pública. Essa obscenidade pode tomar várias formas. Pode ser a forma que na Antiguidade era chamada de libido dominandi em que se trata de dominar possuindo cada vez mais. Pode ser uma libido sentiendi que remete à volúpia dos sentidos. Os Antigos eram muito perspicazes nesse domínio pois diziam que essas libidos podem facilmente se converter uma na outra porque ambas participam da ausência de limites, da desmedida e do sentimento de omnipotência, o qual pode vir a funcionar como um potente afrodisíaco. Em resumo, essa cultura constitui um meio incitador a todo tipo de passagem ao ato. Sabe-se hoje que o mundo dos traders era também o da prostituição e da cocaína. Sinto-me então tentado a ver no caso DSK um verdadeiro sintoma de nossa época, algo que diz a verdade desse tempo marcado pela ausência de limites dos verdadeiros donos desse mundo.
É verdade que essa acusação visa somente a um meio tentado permanentemente pela passagem ao ato e que em nada permite afirmar uma culpa pessoal de DSK. Entretanto cabe notar que, se ele quisesse verdadeiramente demonstrar sua inocência ou denunciar a armação de um golpe contra ele, deveria ter escolhido um outro advogado e não Benjamin Brafman, o advogado vedete das causas perdidas dos poderosos. De fato, pode-se perguntar por que escolher o advogado de mafiosos notórios, advogado também de Michael Jackson em relação ao qual todos sabem o preço que foi pago para liberá-lo da acusação de pedofilia. Brafman foi ainda advogado do rapper Diddy (Sean Combs) e conseguiu inocentá-lo da acusação de porte ilegal de armas embora ele tivesse sido visto por uma centena de testemunhas no momento em que usava sua arma, em uma briga na saída de uma casa noturna. Uma coisa é conseguir ser liberado judicialmente, outra coisa é conseguir convencer seus concidadãos de sua inocência.
Sabe-se muito bem como funciona a justiça americana: ela começa quase sempre bem (estamos em um espaço liberal onde cada um, mesmo uma camareira, deve ser defendido em seus direitos), e com frequência, termina mal porque o Mercado e a espetacularização logo se imiscuem no caso. Todos sabem que um advogado hábil e bem remunerado pode comprar testemunhas, mantendo as devidas aparências, ou conseguir, por exemplo, um indivíduo nos confins da África qui certifique que a dita camareira lhe roubara um pacote de arroz há vinte anos, o que, portanto, torna suspeitas suas declarações atuais. De modo que, ao final, essa mulher será aconselhada a retirar sua queixa mediante enormes indenizações, e o caso será arquivado. É possível, senão provável, que esse caso que se iniciou como obscenidade moral termine como uma forma de obscenidade judiciária. Evidentemente, se DSK for inocentado nessas condições corre o risco de todos acreditarem que ele é tão « inocente » quanto o foram Michael Jackson ou Diddy.
Um último ponto, dessa vez, otimista. Os franceses tiveram muita sorte, porque esse caso aconteceu antes da indicação dos candidatos à eleição presidencial. Durante o período eleitoral, o caso teria desacreditado o candidato portador das matizes socialistas e teria acarretado a vitória quase automática do candidato do outro lado. E se acontecesse depois da eleição presidencial, teria colocado o eventual governo de esquerda em uma situação hyperberlusconiana – algo que, francamente, não faz falta à França nesse momento de sua história.
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