A derrota do fascismo no Peru
Mario Vargas Llosa - O Estado de S.Paulo
"Fascismo" é uma palavra que tem sido usada levianamente pela esquerda, mais como um conjuro ou um insulto contra o adversário do que como um conceito político preciso, o que para muitos pode parecer um rótulo quase sem significado para indicar uma típica ditadura terceiro-mundista. Não foi isso, mas sim algo mais profundo, complexo e totalitário do que os golpes de Estado tradicionais, quando um caudilho mobiliza os quartéis, assume o poder, enche os bolsos e os dos seus colaboradores, até que, repelido pelo país explorado até à ruína, acaba fugindo.
O regime de Fujimori e Montesinos - dá vergonha dizer - foi popular. Contou com a solidariedade da classe empresarial por causa da sua política de livre mercado e pela prosperidade observada com o aumento dos preços das matérias primas, e também de amplos setores da classe média por causa dos golpes infligidos ao Sendero Luminoso e ao Movimento Revolucionário Tupac Amaru, cujas ações terroristas viviam em meio à insegurança e o pânico. Os setores rurais e marginalizados foram conquistados mediante políticas assistencialistas de distribuição e dádivas. Aqueles que denunciavam os abusos eram perseguidos e intimidados, e sofreram todo o tipo de represálias.
Montesinos patrocinou o florescimento de uma "imprensa marrom" imunda, cuja razão de ser era lançar no opróbio seus oponentes por meio de escândalos fabricados. Os meios de comunicação foram subornados, extorquidos e neutralizados, de modo que o regime só contava com uma oposição na imprensa reduzida e em surdina, o necessário para alardear que respeitava a liberdade de crítica.
Jornalistas e proprietários de meios de comunicação eram convocados por Montesinos para o seu escuro gabinete no Serviço de Inteligência, onde ele não só pagava pela sua cumplicidade com grandes somas de dólares, mas também os filmava às escondidas para guardar provas da sua infâmia. Por ali passavam empresários, juízes, políticos, militares, jornalistas, representantes de todo espectro profissional e social. Todos saíam com seu presente embaixo do braço, corrompidos e contentes.
A Constituição e as leis foram adaptadas às necessidades do ditador, para que ele e seus cúmplices parlamentares pudessem reeleger-se com comodidade. A malandragem não tinha limite, tendo chegado a um nível sem precedentes na história da corrupção peruana.
Ou seja, resumindo, é isso que retornaria ao Peru com o voto dos peruanos, se Keiko Fujimori tivesse vencido esta eleição. Ou seja, o fascismo do século 21. Um fascismo que não é mais representado nas suásticas, na saudação imperial, no passo de ganso e um caudilho histérico vomitando insultos racistas do alto de uma tribuna. Mas foi o que representou exatamente, no Peru de 1990 a 2000, o governo de Fujimori. Uma quadrilha de bárbaros vorazes que, aliados a empresários sem moral, jornalistas canalhas, pistoleiros e assassinos, e a ignorância de setores da sociedade, instalou um regime de intimidação e corrupção, que, fingindo assegurar a paz, eternizou-se no poder.
O triunfo de Humala mostrou que ainda restava no Peru uma maioria não corrompida por tantos anos de iniquidade e perversão dos valores cívicos. O fato de essa maioria ter sido de apenas três pontos porcentuais é assustador, pois indica que as bases de sustentação da democracia são muito débeis e há no país quase uma metade de eleitores que prefere viver sob uma tirania do que em liberdade. Uma das grandes tarefas que o governo Humala tem pela frente é a regeneração moral e política de uma nação que o terrorismo e a ditadura levaram a uma tal desorientação ideológica a ponto de boa parte dos eleitores ter saudade de um regime autoritário.
Um traço particularmente triste desta campanha eleitoral foi a preferência pela opção da ditadura por parte da chamada classe A, ou seja, a camada mais próspera e mais educada do Peru, aquela que passou por excelentes escolas, onde se ensina o inglês, que envia seus filhos para estudar nos EUA, essa "elite" convencida de que a cultura cabe em duas palavras: uísque e Miami. Aterrorizada com as mentiras fabricadas pelos jornais, rádios e canais de TV que lançaram uma campanha de intoxicação, calúnias e infâmias indescritíveis para impedir o avanço do candidato do bloco progressista "Gana Perú", que incluiu, é claro, despedidas e ameaças a jornalistas mais independentes e capazes. E o fato de esses jornalistas, não terem se deixado amedrontar, resistirem às ameaças e lutado, abrindo brechas nos meios de comunicação onde o adversário pudesse se expressar, foi um dos fatos mais dignos da campanha eleitoral.
Assim como foi um dos mais indignos o papel desempenhado pelo arcebispo de Lima, o cardeal Cipriani, da Opus Dei, um dos pilares da ditadura de Fujimori, que me honrou fazendo ler, na missa do domingo, um panfleto em que me atacou por tê-lo denunciado de calar quando Fujimori fez esterilizar cerca de 300 mil camponesas, sendo que muitas delas morreram nessa infame operação.
E agora, o que deve suceder? Leio no El Comercio, jornal do grupo que superou todas as formas de infâmia em sua campanha contra Humala, um editorial escrito com moderação e, até diria, com entusiasmo, sobre a política econômica que o novo presidente deseja implementar.
O que sucedeu para que todos se tornassem "humalistas" tão rápido? O novo presidente somente repetiu o que disse ao longo da sua campanha: que respeitaria as empresas e as políticas de mercado, que o seu modelo não era a Venezuela, mas o Brasil, pois sabia muito bem que o desenvolvimento deve continuar para a luta contra a pobreza e a exclusão ser eficaz. Naturalmente, é preferível que os nostálgicos da ditadura escondam agora os dentes e ronronem carinhosos na porta do novo governo. Mas não devemos levá-los a sério. Sua visão é minúscula, mesquinha e interesseira, como demonstraram nos últimos meses. E, sobretudo, não devemos acreditar neles quando falam de liberdade e democracia, palavras às quais recorrem quando se sentem ameaçados.
TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO
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