São Paulo, quinta-feira, 23 de junho de 2011.
Corpus Christi
ALDO PEREIRA
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Embora Jesus haja instituído a eucaristia (comunhão) na ceia da Quinta-Feira Santa, a Igreja Católica comemora o sacramento também no feriado de Corpus Christi ("corpo de Cristo"). A mesma festividade reafirma, ainda, o dogma da transubstanciação, ou Presença de Cristo, na cerimônia da comunhão.
Judaísmo e cristianismo evoluíram a partir de culturas agrícolas de povos para os quais a realidade do cotidiano evidenciava sujeição da existência a poderes sobre-humanos e inspirava o animismo, do qual é plausível supor terem provindo todas as religiões.
Daí ritos sacrificiais propiciatórios, reconhecimento simbólico de que animais e plantas não pertencem a quem os consome, mas, sim, a potestades que lhes proveem sustentação da vida. Levítico, terceiro livro da Bíblia católica, dedica seus primeiros sete capítulos a prescrições do cerimonial de sacrifício.
Jesus ("Cordeiro de Deus") aboliu tacitamente o sacrifício de animais e o substituiu pelo sacrifício simbólico de si mesmo ao determinar que o pão e o vinho da Santa Ceia representariam o corpo e o sangue dele.
Em 1245, santa Juliana (1193-1258), prioresa de convento na diocese belga de Liège, revelou ao bispo Robert de Thorete que Jesus inspirava nela, insistentemente, a visão de mancha (ou linha) preta no disco da lua cheia. Ainda, noutra visão, Jesus lhe teria interpretado o augúrio como recomendação de a eucaristia ser comemorada em festividade e data especiais.
Impressionado e persuadido, o bispo recorreu à autoridade episcopal que então lhe cabia para, em 1246, convocar um sínodo, no qual se resolveu que, a partir do ano litúrgico seguinte, a diocese celebraria um feriado comemorativo da eucaristia. A festividade incluiria procissão para expor ao povo uma hóstia consagrada, acondicionada em ostensório.
O bispo morreu sem ter visto a festa, que, aprovada por vários papas, continua celebrada em muitos lugares, seja na quinta-feira, seja no domingo seguinte.
No dia 11 de outubro de 1551, a 13ª sessão do Concílio de Trento estabeleceu como dogma (ponto doutrinário não sujeito a discussão) que, na consagração da hóstia e do vinho, "a substância integral do pão se converte na substância do corpo de Cristo nosso Senhor, e a substância integral do vinho [se converte] na substância de seu sangue (...)".
Mas note: o magistério católico justifica a presença de Jesus na comunhão como essencialmente espiritual: nenhuma análise de laboratório poderia detectar diferença material na composição da hóstia e do vinho por efeito da consagração.
Quanto de interesse a festa de Corpus Christi ainda inspira no minguante contingente de católicos e nos demais brasileiros? Ao que parece, num feriadão destes, a maioria prefere petiscos e caipirinha em lugar de pão e vinho.
ALDO PEREIRA é ex-editorialista e colaborador especial da Folha.
E-mail: aldopereira.argumento@uol.com.
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