quinta-feira, 19 de maio de 2011

Caso DSK: Sexo, poder e justiça americana

Folha.com, 19/05/2011 

Strauss-Kahn renuncia ao cargo de diretor-gerente do FMI

DAS AGÊNCIAS DE NOTÍCIAS

O diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), o francês Dominique Strauss-Kahn, renunciou ao cargo na noite de quarta-feira em meio às acusações de abuso sexual que efrenta nos Estados Unidos, anunciou a entidade em um comunicado à imprensa.

"É com infinita tristeza que hoje me sinto obrigado a apresentar ao Conselho Administrativo minha renúncia ao cargo de diretor-geral do FMI", disse Strauss-Kahn em sua carta de renúncia.
No breve comunicado o dirigente acrescenta que tomou a decisão para proteger o FMI, "ao que serviu com honra e devoção, e especialmente porque quero dedicar todas as minhas forças, meu tempo e energia em provar a minha inocência".
Desde sua detenção em Nova York no último sábado, após ter sido acusado de crimes sexuais contra uma camareira de um hotel, cresceu a pressão para que o político francês apresentasse sua renúncia à frente da entidade.
Durante a semana, Timothy Geithner, secretário do Tesouro dos Estados Unidos, assegurou que Strauss-Kahn não estava em posição de dirigir o FMI.
A direção do fundo foi assumida interinamente pelo americano John Lipsky, o número dois da entidade, enquanto teve início uma corrida pela sucessão de Strauss-Kahn.


New York State/Reuters
Imagem mostra a ficha de identificação do francês Dominique Strauss-Kahn no Departamento de Polícia de NY
Imagem mostra a ficha de identificação do francês Dominique Strauss-Kahn no Departamento de Polícia de NY


FIANÇA
Pouco antes, na noite de quarta-feira, os advogados de defesa de Strauss-Kahn entraram com um novo pedido de fiança na Justiça de Nova York, no valor de US$ 1 milhão. O francês se dispõe ainda a usar uma tornozeleira eletrônica de localização e a ficar em regime de prisão domiciliar como garantias de que não tentará sair do país.
Até o momento agências de notícias indicam que a nova audiência do francês foi antecipada de sexta para esta quinta-feira. A France Presse cita a porta-voz Erin Duggan, da corte de Nova York que julga o caso, como fonte. No entanto, não houve anúncio oficial.
Fontes ligadas ao caso disseram à CNN que esperam que o francês possa sair "o mais rápido possível" do presídio nova-iorquino de Rikers Island, onde está preso desde segunda-feira, para acabar com uma situação que está sendo "negativa para sua saúde" e que representa "uma discriminação".
Em contrapartida, a defesa da camareira que acusa o francês de abuso sexual manifestou-se contrária à nova petição.
"A ideia de que este homem esteja nas ruas provoca uma profunda preocupação a minha cliente", indicou também à "CNN" Jeffrey Shapiro, advogado da suposta vítima, após conhecer a notícia.
Shapiro detalhou que sua cliente está "muito preocupada sobre sua segurança, sobre o que este homem é capaz de fazer e o que poderia lhe acontecer".

DEPOIMENTO DA CAMAREIRA
De acordo com a agência de notícias France Presse, a camareira que acusa Stauss-Kahn já prestou depoimento ao júri num tribunal de Nova York na noite de quarta-feira. À tarde, quando foi questionado sobre a data audiência, Shapiro respondeu: "Sim, a meu ver é hoje".
Outras agências e jornais americanos, no entanto, não confirmaram a informação.
Shapiro voltou a falar à imprensa na noite desta quarta e citou os exames de DNA realizados durante a semana, mas não revelou os resultados.
Ele reafirmou que a mulher não fez sexo consntido com Strauss-Kahn na suíte do hotel onde trabalhava como camareira, e disse que as evidências vão confirmar isto.
"As evidências forenses foram reunidas pelo promotor do distrito (...) mas, infelizmente, não posso comentar isto com vocês", disse o advogado à CNN.
"Há muitas teorias conspiratórias e várias outras coisas, mas nada é verídico", destacou Shapiro. "O mais importante é escutá-la. Ela não tem outro caminho a não ser dizer a verdade".


Mike Segar /Reuters
Dominique Strauss-Kahn (centro), chefe do FMI, deixa delegacia de Nova York na noite do último domingo
Dominique Strauss-Kahn (centro), chefe do FMI, deixa delegacia de Nova York na noite do último domingo 

Tal como tinha confirmado Shapiro anteriormente à imprensa, a suposta vítima, uma imigrante africana de 32 anos da Guiné, muçulmana, viúva e mãe de uma adolescente, negaria perante o grande júri qualquer consentimento em ter relações sexuais com o político francês.
O advogado assinalou que, quando sua cliente prestasse depoimento aos membros do júri e contasse sua própria história, eles entenderiam que alegações da defesa de que houve sexo consentido não são verdadeiras e que "não houve nada de mútuo acordo no quarto desse hotel".
NOVO CASO
Mais uma jornalista disse nesta quarta-feira ter sido alvo de uma investida sexual do diretor-gerente do FMI, o francês Dominique Strauss-Kahn, informa o jornal britânico "The Times".
A reportagem não identifica o nome nem a nacionalidade da repórter, tratada apenas pelo nome fictício Martina.
De acordo com a jornalista que trabalha para um jornal europeu, Strauss-Kahn teria feito sua abordagem durante uma coletiva de imprensa há cerca de 2 anos e meio.
Na época, a embaixada francesa revelou seu telefone ao chefe do FMI, acredita a repórter.

Daniel Janin/France Presse
A jornalista Tristane Baron foi a 2ª mulher a indicar uma possível tentativa de abuso de Strauss-Kahn nesta semana
A jornalista Tristane Baron foi a 2ª mulher a indicar uma possível tentativa de abuso de Strauss-Khan nesta semana

"Ele começou a me ligar, dizendo, 'se você sair comigo, pode ter sua entrevista exclusiva. Eu disse não. Ele estava quase começando a implorar, quando eu desliguei o telefone", conta a repórter ao diário britânico.
A repórter diz ainda que o francês foi insistente em suas propostas. Meses depois da primeira tentativa, ele voltou a ligar.
Desta vez a oferta era de que ela fosse a Paris passar um fim de semana com ele.
"Ele foi incrivelmente insistente. Ele deixou quase explícito que eu deveria dormir com ele para conseguir a entrevista", acrescenta.
Este é o terceiro relato de investidas sexuais do francês nos últimos dias. Após o escândalo no sábado, que levou Strauss-Kahn à prisão nos EUA, uma escritora disse na segunda-feira ter sido alvo de assédio do chefe do FMI.
O advogado David Koubbi disse que sua cliente, a francesa Tristane Banon, poderia apresentar uma queixa por um suposto incidente que ocorreu quando ela foi entrevistar Strauss-Kahn, o ex-ministro das Finanças francês, em um apartamento.
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http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/pepe-escobar-sexo-poder-e-justica-americana.html

18 de maio de 2011 

Sexo, poder e justiça americana

por  Pepe Escobar, Asia Times Online
Tradução do Coletivo de Tradutores Vila Vudu

Pois fato é que, afinal, Osama bin Laden não será o personagem principal no julgamento do século. Uma piscadela do destino, e o papel caberá a Dominique Strauss-Khan (DSK), o todo-poderoso diretor do Fundo Monetário Internacional (FMI), que agora medita na ilha Rikers “Alcatraz” em Nova York.
O chefão com nome de sopa de letrinhas posto à frente do juiz, muito contrariado; o Departamento de Polícia de Nova York mundialmente conhecido pelos seriados de televisão, mostrando serviço real e ao vivo; a captura-suspense, na cabine da primeira classe, no último momento, antes da partida do avião para voo transcontinental; a cerimônia da identificação entre suspeitos assemelhados e a exibição para a mídia, do acusado algemado[1], são, todos, ingredientes do mais recente escândalo sociopolítico global.
No mundo dos tabloides nova-iorquinos, quase sempre nauseabundo, foi difícil resistir à metáfora que, de tão clara, cintilava: o FMI – que tem reputação de ferrar sistematicamente os pobres do mundo –, apanhado pela polícia, precisamente, quando tentava aplicar à força um ajuste estrutural, numa suíte de hotel em Manhattan, contra uma discreta viúva africana, muçulmana e imigrada que vive no Bronx com a filha adolescente. O linchamento pela mídia jamais seria menos cruel ou violento, que o fato.
Pelo que já se viu, DSK tem muito mais sorte que o líder líbio coronel Muammar Gaddafi, porque só terá de enfrentar um júri nova-iorquino, não a Corte Internacional de Justiça [ing. International Criminal Court (ICC)] em Haia. Diferente de Gaddafi, DSK – pelo menos em teoria – é inocente até que se prove o contrário, embora já tenha sido condenado pela imprensa marrom.
Muito menos visíveis dos dois lados do Atlântico, são os intelectos sãos que tanto trabalham para mostrar que os escroques de Wall Street roubaram trilhões de dólares do cidadão comum; que os executivos da British Petroleum estão destruindo o Golfo do México; e que, de fato, o governo de George W Bush levou os EUA à bancarrota ao lançar uma guerra que matou mais de um milhão de iraquianos. Nenhum desses foi pré-condenado nem mereceu, sequer, ser exibido em algemas.
Só uma coisa é certa, indiscutível: no que tenha a ver com “a justiça norte-americana”, são zero as chances de alguém ver algemados o governo Bush ou os perpetradores do “golpe Goldman Sachs”.
Escândalo, sexo e gritaria
Acompanhar em detalhe a histeria da imprensa dos dois lados do Atlântico foi mais fascinante que viagem a Marte. Na França, era absolutamente garantido que DSK seria eleito presidente nas eleições de 2012, depois de derrotar o naufragante Nicolas Sarkozy, libertador neonapoleônico da Líbia. DSK – arma de escolha dos poderes financeiros que rastejam por trás do trono – deveria anunciar sua candidatura ainda em maio.
O tom dominante na grande imprensa francesa – em vasta medida subserviente a Sarzoky e seus lacaios – é que os norte-americanos, confirmando todos os velhos preconceitos e estereótipos anti-França, humilharam a nação, ao exibir DSK algemado e conduzido por policiais ante câmeras de televisão antes de ser julgado (o que é proibido por lei, na França) e ao negar-lhe o direito à liberdade sob fiança (de US$1 milhão).
A justiça norte-americana ao estilo do seriado “Law and Order” está sendo arrastada pela lama, atrelada ao puritanismo dos norte-americanos. Simultaneamente, entre simpatizantes catatônicos do Partido Socialista, circulam as inevitáveis teorias de conspiração.
Pelo menos parte da França parece dar por certo que a camareira do hotel Sofitel, nascida na Guiné, não era nenhuma Mata Hari. Mas talvez seja agente da CIA. E há também o maldito twitter – amplificado por um lacaio de Sarkozy – noticiando que DSK teria sido “preso” antes de a polícia de Nova York dar o primeiro pio: invenção que se espalhou pelo planeta. Nada menos que 57% dos eleitores franceses e 70% dos socialistas acreditam que DSK foi vítima de conspiração.
Cui bono [quem se beneficia], no caso de ter havido conspiração? Sarkozy, com certeza, ganha alguma coisa; ganham também os que ganhem na campanha eleitoral e na reeleição, além dos contatos ultraconservadores que Sarkozy cultiva nos EUA; também ganham os neofascistas da Frente Nacional francesa, cuja candidata, a empresarial  Marine Le Pen, mantém boa chance de chegar ao segundo turno em 2012; e ganham todos os tubarões das finanças globais, aos quais muito infelicitava a posição mais “liberalizante” do FMI de DSK.
O ultra carismático DSK é socialista suave, à Moet & Chandon. Fosse banco, DSK estaria na categoria “grande demais para falir”. Está falido. Mas não é banco.
Fosse político norte-americano, seria uma espécie de Bill Clinton – com quedinha para misturar sexo e mídia e tudo. Clinton só por um triz não foi derrubado da presidência por uma gangue de puritanos, e só por causa daquilo na Casa Branca. Mas o circuito Paris de coquetéis jamais acreditará que DSK, mulherengo conhecido, cometeria a loucura, a imbecilidade, de trocar a presidência da França por uma faxineira africana muçulmana que fala francês em Nova York.
Assim sendo, a ideia dominante é que tudo não passou de mal-entendido. DSK estava à espera de uma prostituta “de classe” à moda Nova York, quando a camareira entrou descuidadamente na toca do leão e colidiu com o leão que esperava por outra (e armado).
Essa íntima colisão entre o FMI e uma economia subsaariana em desenvolvimento não implica que DSK seja defensor dos pobres ou da classe trabalhadora. Longe de ser socialista, DSK é parceiro íntimo das elites financeiras globais e do capital transnacional. Mas há detalhes a considerar.
Um dos detalhes lamentáveis de todo esse negócio sórdido é que DSK estava, de fato, tentando reformar o FMI – tentando empurrá-lo para linha mais progressista. Foi muito elogiado por esse trabalho. Seu substituto interino é o norte-americano John Lipsky – ex-vice-presidente do JP Morgan. Por falar em retrocesso…
DSK estava empenhado em afastar o FMI do papel nefando que teve durante a crise financeira asiática. Naquele momento, em 1997, os remédios amarguíssimos inspirados pelo Departamento do Tesouro, que o FMI prescrevia, apesar de terem gerado ganhos imensos para os credores, quase destruíram economias inteiras, da Tailândia à Indonésia. Brasil e Rússia também sofreram.
Depois, seria a hora de “domar” a Argentina – mas a Argentina quebrou no final de 2001. O FMI fez o que pôde para sabotar o país, mas a economia argentina estabilizou-se; e o país voltou a crescer novamente em 2002.
Os mercados emergentes estão fartos de ver o FMI comandado por europeus. Em 26 dos seus 33 anos de vida, o FMI foi presidido por franceses. A distribuição de poder é medieval: de 24 diretores, nove são europeus; o diretor brasileiro representa nove países, mas seu voto só pesa 2,4%; o voto dos EUA pesa quatro vezes mais que os demais.
Esses 24 diretores executivos vão agora eleger o próximo presidente do FMI. Os europeus já estão envolvidos na mais viciosa batalha de vale-tudo – não querem entregar a palma. Mas as apostas indicam que o escolhido será Kemal Dervis, da Turquia; ou candidatos da Índia e África do Sul. A China ainda está pensando se sobe ao ringue.
Caso aconteça de a demissão de DSK abrir a porta para que um representante de país emergente chegue à presidência do FMI – e que espetacular justiça poética! –, terá sido graças a uma africana, muçulmana, imigrante e mulher.

[1] No orig. perp walk. Gíria norte-americana. Aplica-se a uma prática da polícia, que promove um desfile público, para as televisões, de preso célebre ainda não julgado – e cuja inocência, portanto, deve ser presumida –, em situação de humilhação pública, quase sempre algemado. A expressão tem traços também de ostentação, pela polícia, de prisão feita. Parece ser redução da palavra perpetrator [perpetrador]. Pode ser traduzida, tentativamente, como “desfile do já condenado”, a ser interpretada no contexto específico de celebridade presa pela polícia, exibida às televisões (NTs).

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