quinta-feira, 18 de agosto de 2011

A vida secreta de Marighella

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São Paulo, quinta-feira, 18 de agosto de 2011


A vida secreta de Marighella

Divulgação

Marighella (à dir.) com a sobrinha Isa apoiada em seu ombro, ao lado da companheira Clara Charf e do resto da família Grinspum em 1962

MORRIS KACHANI
DE SÃO PAULO

"Um dia, faz 40 anos, eu estava indo com meu pai para a escola e ele disse: 'Vou te contar um segredo: seu tio Carlos é o Carlos Marighella'". Assim começa o documentário "Marighella", de Isa Grinspum Ferraz, com estreia prevista para outubro. Em uma hora e 40 minutos, "Marighella" desfia a trajetória do ícone da esquerda brasileira que acabou baleado e morto dentro de um Fusca em 1969, em São Paulo.
Meio século da história do país pode ser contado a partir dos acontecimentos em sua vida: a gênese do comunismo baiano, mulato, do qual Jorge Amado era partidário; o conflito entre integralistas e comunistas; a legalização do Partidão; a clandestinidade; a frustração com Stálin; o golpe militar e, por fim, a luta armada.
Mas o que torna "Marighella" único é o olhar íntimo que só quem era de dentro da família seria capaz de documentar: "Tio Carlos era casado com tia Clara. Eles estavam sempre aparecendo e desaparecendo de casa. Era carinhoso, brincalhão, escrevia poemas pra gente. Nunca tinha associado o rosto dele aos cartazes de 'Procura-se' espalhados pela cidade", continua a voz em off da própria Isa, que assina direção e roteiro do filme.
"A ideia é desfazer o preconceito que até pouco tempo atrás havia contra meu tio. Era um nome amaldiçoado, sinônimo de horror. Além da vida clandestina e do ciclo de prisões e torturas, procuramos mostrar também o poeta, estudioso, amante de samba, praia e futebol, e acima de tudo o grande homem de ideias que ele foi", diz Isa, socióloga formada na USP.
Na esteira da pesquisa que foi feita, surgiram algumas revelações. Clara Charf, companheira de Marighella de 1945 até sua morte, hoje aos 86, desenterrou uma pasta que pertencia a ele, na qual aparecem correspondências, mapas e esboços de ações guerrilheiras. A produção também descobriu uma gravação de Marighella para a rádio Havana, de Cuba. Em sua fala tipicamente cadenciada, ele anuncia o rompimento com o Partido Comunista e a adesão à luta armada. Mesma época em que intelectuais europeus como o cineasta francês Jean-Luc Godard passam a enviar remessas de dinheiro em apoio à sua causa.
O filme ainda traz trilha sonora de Marco Antônio Guimarães e Mano Brown e depoimentos esclarecedores de militantes históricos, como o crítico literário Antonio Candido: "Marighella encarnava moral e psicologicamente o seu povo. Ele era pobre e não abandonou sua classe".
Já a judia Clara enfrentaria resistência do pai ao assumir o relacionamento, no que acabou se transformando numa versão tropical de "Romeu e Julieta". "Carlos era preto, comunista e gói (não judeu)", lembra Clara, aos risos. "Mas era muito doce e, no fim, conquistou a todos."


"Marighella lembra Malcolm X, Public Enemy, Racionais"

MORRIS KACHANI - DE SÃO PAULO

O rapper Mano Brown, 41, é o autor da música que encerra "Marighella". Para ele, o governo estadual e a prefeitura são "racistas".

Folha - Por que aceitou participar de "Marighella"?
Mano Brown -
Só conhecia a lenda. Alguém me falou que em algum detalhe ele parecia comigo. Na luta dele, na ideia. Somos os dois filhos de preto com italiano, e minha família também vem da Bahia.

Quais os paralelos?
Marighella lembra Malcolm X, Public Enemy, Racionais. Muito do que cantamos no rap provavelmente veio dele. Por exemplo, a violência contra a violência. Ele foi proibido de correr pelo certo. Resolveu usar a força, pois só isso resolveria. Tentei traduzir a ideia dele pra rapaziada.

Como enxerga a luta de hoje?
Hoje temos um governo de esquerda. Se Marighella estivesse vivo, provavelmente estaria apoiando Dilma e Lula. Mas a luta continua, as forças contrárias estão atuando.

Quais, por exemplo?
O governo [Geraldo] Alckmin (PSDB) é inimigo, é um governo racista de repressão. A morte de pretos aumentou pra caramba sob sua gestão. A polícia na rua botando pressão onde não tem motivo. Só neste ano já fui enquadrado umas dez vezes.

E o prefeito Kassab (PSD)?
Desde que assumiu, o número de shows do Racionais diminuiu muito. É gestão racista do caralho, tudo que faz é contra a cultura negra.

Algum recado para seus fãs?
Não perder a resistência. Tomar cuidado com as informações rápidas e erradas. A falsa impressão é de que hoje não existe coisa para conquistar.

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