Dilma não é Cardoso
Darío Pignotti - Página/12
A propósito do Pensamento Jornalístico Único. Em bloco, os três maiores jornais brasileiros ilustraram suas capas de sexta-feira com fotos da presidenta Dilma Rousseff, pertencente ao Partido dos Trabalhadores (PT), de esquerda ou centro-esquerda, junto ao ex-mandatário Fernando Henrique Cardoso, do Partido da Socialdemocracia Brasileira (PSDB), nascido na centro-esquerda, tornado direitista. Para o Pensamento Jornalístico Único abraçado com maior ou menor ortodoxia pelos jornais Folha, Estadão e O Globo, Cardoso é uma esfinge: sólido intelectual, símbolo e sempre defensor das privatizações dos anos 90, confiável tanto para Washington como para os banqueiros e consequente antagonista de Luiz Inácio Lula da Silva e do “lulismo”.
Mas se ponderamos a atualidade com mais rigor que ideologia veremos que o referido Pensamento Jornalístico Único é pouco objetivo ao conceder tanta transcendência à foto de Dilma com Cardoso que, aos 80 anos, deixou de ser um personagem determinante do cenário brasileiro. Houve temas de igual ou maior importância, merecedores de um lugar mais destacado nas capas, mas que não tiveram esse destaque. Por exemplo, no mesmo dia em que se encontrou com Cardoso, Dilma entregou 1.900 casas a famílias pobres de São Paulo, sob a promessa de construir mais dois milhões de casas como forma de enfrentar a crise, mediante uma fórmula distinta da “insensatez” dos Estados Unidos que, conforme disse, insiste em subsidiar os bancos. E declarou que a prioridade de seu governo é o social, muito mais do que “limpeza ética” que causou a renúncia de quatro ministros, a remoção de um quinto que agora comanda uma secretaria sem peso, e tem outros dois sob observação, os de Turismo e Cidades, segundo se informou neste final de semana.
O certo é que esses assuntos significativos, como o Programa Brasil Sem Miséria ou a recente cúpula da Unasul em Lima, passam quase em branco nas manchetes, pois o Pensamento Jornalístico Único (o chamaremos de PJU), antes de responder a critérios noticiosos, responde a um programa de ação política, dado que a imprensa desempenha o papel de principal força opositora, enquanto se reconstrói o Partido da Socialdemocracia, reduzido a escombros após ser derrotados nas eleições do ano passado pelo PT de Rousseff e Lula.
A cruzada de Dilma contra os funcionários desonestos tem a já mencionada aprovação do partido midiático, do líder socialdemocrata Cardoso e da opinião publica, que a premiou com 70% segundo uma pesquisa da semana passada. Em troca, Lula, seu conselheiro e criador político, sugeriu a Rousseff evitar a tentação ética. Animal político de fino instinto, Lula percebe que o aplauso da imprensa às medidas moralizantes pode ser uma armadilha para que Rousseff acabe abraçando uma agenda exageradamente moralizante, mais própria dos conservadores do que de um governo de esquerda. Ao ex-sindicalista e presidente de honra do PT preocupa que sua companheira descuide o lado social, ainda mais quando começam a se ouvir algumas vozes descontentes.
A Central Única dos Trabalhadores desaprovou algumas reformas anunciadas pelo governo (como a desoneração da folha salarial para os empresários), assim como a vigência das taxas de juro mais altas do mundo que enchem de felicidade e lucro os especuladores. Os camponeses sem terra tampouco aprovam as medidas de austeridade previstas pelo governo para atacar a crise e anunciaram uma marcha de protesto esta semana em Brasília. Os últimos dias possivelmente deixaram ensinamentos a Dilma, que começa a perceber que sua governabilidade é mais frágil do que supunha, pois depende de uma coalizão de partidos de duvidosa lealdade e de que o impacto da crise, até o momento sob controle, não atinja o apoio popular. Rousseff sabe que o mapa político brasileiro, para além das instituições formais, está dominando por duas grandes correntes: o lulismo, que ultrapassa o PT e arrasta o espectro progressista, e o Partido do Pensamento Jornalístico Único, em torno do qual orbitam diferentes expressões mais ou menos conservadoras.
Tradução: Katarina Peixoto
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