Espanha: Congresso quer dar status constitucional à austeridade
Fabíola Munhoz
Nesta terça-feira (30), o Congresso Nacional da Espanha deve apreciar a proposta de reforma da Constituição Federal do país, que pretende tornar exigência constitucional a limitação do déficit público espanhol em até 0,40% do PIB. Em resposta a tal plano, que resultou de acordo entre o PP (Partido Progressista) e o PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol), respectivamente legendas que se definem de direita e esquerda - embora essa separação já não se faça visível na atual conjuntura política europeia -, a população espanhola, mais uma vez, sai às ruas para protestar contra o corte de direitos sociais que vêm sendo executado pelo governo de José Luis Rodrigues Zapatero e se acentuará, caso seja aprovada a alteração da Constituição.
Essas medidas de austeridade econômica são praticadas por ordem do Parlamento Europeu, do Fundo Monetário Internacional e do Banco Central Europeu que, em troca, prometem auxílio è recuperação econômica de países periféricos, como Espanha, Portugal, Grécia, Itália e Irlanda, atualmente em risco de quebra desde a avalanche causada pela crise financeira iniciada em 2008. Por isso, no domingo (28), cerca de 3 mil pessoas marcharam pacificamente desde a estação Atocha até a Porta do Sol, em Madri, para exigir a realização de um referendo, em que a população possa decidir se concorda ou não com essa proposta de reforma constitucional. Outras milhares de pessoas se reuniram em manifestações igualmente não-violentas, realizadas em dezenas de cidades espanholas, dentre as quais Barcelona, onde em torno de 2000 “indignados” tomaram as ruas. Novos protestos são planejados para esta terça, quando a modificação da Constituição será analisada pelo Congresso Nacional espanhol. Os integrantes do 15-M, também conhecido como movimento Democracia Real Ya (DRY), em Madri, já sinalizaram que se concentrarão nas imediações do Parlamento nacional desde as 14h00 até as 16h00, sendo que a reunião entre os deputados tem início previsto para as 10h00.
Embora a marcha de ontem tenha sido convocada por iniciativa desse grupo popular, também se somaram aos protestos o bloco Juventud Sin futuro e outros coletivos com reivindicações similares, além de pessoas de diversas faixas etárias que, em clima de festa, pediam a reforma da lei eleitoral espanhola e maior participação cidadã. Segundo o jornal El País, durante todo o ato, a presença dos policiais antidistúrbios se fez notar com discrição. Talvez porque essa instituição tenha preferido poupar a exposição de sua imagem, um pouco manchada, depois do enfrentamento de seus integrantes com participantes de uma marcha a favor do Estado laico, realizada no dia 17 de agosto, por ocasião da visita do Papa Bento XVI a Madri.
A manifestação laica havia sido articulada sob o lema “dos meus impostos, ao Papa zero”, em referência aos gastos exorbitantes para um contexto de recessão econômica, que haviam sido realizados pelo governo espanhol com o objetivo de financiar a participação dessa autoridade eclesiástica na Jornada Mundial da Juventude Católica, evento cuja edição deste ano foi sediada em Madri. Porém, não se permitiu a conclusão dessa passeata laica depois que seus participantes se depararam com os jovens peregrinos católicos presentes na Porta do Sol. Ali, os dois grupos trocaram insultos e foram separados por cordões policiais, até que, depois das 22h30, os antidistúrbios retiraram os manifestantes laicos do local com violência, numa operação que resultou em 11 feridos e oito detidos. Também causou alarde na opinião pública a divulgação de um vídeo em que uma jovem de 17 anos é agredida por alguns desses homens fardados ( http://www.youtube.com/watch?
Haverá uma grande manifestação em Madri no dia 6 de setembro e são preparados protestos no resto do país para os dias 31 de agosto e 1º de setembro. Os coletivos que protagonizam essas estratégias de luta também não descartam uma greve geral, como forma de pressionar que os parlamentares votem contra a alteração constitucional.
É uma pena que a possibilidade de realização de um referendo, forma de participação cidadã mais democrática, porque direta, venha acompanhada da discussão sobre uma proposta de mudança da Constituição tão absurda. Ao invés de tentar fazer retroceder direitos sociais conquistados a duras penas pelos movimentos populares, os governantes da zona do euro deveriam se preocupar em apresentar projetos de lei que regulamentem o mercado financeiro, cuja anarquia suscetível aos interesses de poderosos econômicos tem sido a causadora da crise hoje vivenciada. O povo, ainda firme nas ruas, demonstra essa consciência de que a reforma estrutural do atual sistema capitalista é a única, de fato, urgente e necessária.
(*) Advogada, jornalista e mestranda em Comunicação e Educação
Sábado, 20 de Agosto de 2011
Leonardo Boff
Afunilando as muitas análises feitas acerca do complexo de crises que nos assolam, chegamos a algo que nos parece central e que cabe refletir seriamente. As sociedades, a globalização, o processo produtivo, o sistema econômico-financeiro, os sonhos predominantes e o objeto explícito do desejo das grandes maiorias é: consumir e consumir sem limites. Criou-se uma cultura do consumismo propalada por toda a midia. Há que consumir o último tipo de celular, de tênis, de computador. 66% do PIB norteamericano não vem da produção mas do consumo generalizado. As autoridades inglesas se surpreenderam ao constatar que entre os milhares que faziam turbulências nas várias cidades não estavam apenas os habituais estrangeiros em conflito entre si, mas muitos universitários, ingleses desempregados, professores e até recrutas. Era gente enfurecida porque não tinha acesso ao tão propalado consumo. Não questionavam o paradigma do consumo mas as formas de exclusão dele.
No Reino Unido, depois de M.Thatcher e nos USA depois de R. Reagan, como em geral no mundo, grassa grande desigualdade social. Naquele país, as receitas dos mais ricos cresceram nos últimos anos 273 vezes mais do que as dos pobres, nos informa a Carta Maior de 12/08/2011. Então não é de se admirar a decepção dos frustrados face a um “software social” que lhes nega o acesso ao consumo e face aos cortes do orçamento social, na ordem de 70% que os penaliza pesadamente. 70% do centros de lazer para jovens foram simplesmente fechados.
O alarmante é que nem primeiro ministro David Cameron nem os membros da Câmara dos Comuns se deram ao trabalho de perguntar pelo porquê dos saques nas várias cidades. Responderam com o pior meio: mais violência institucional. O conservador Cameron disse com todas as letras:”vamos prender os suspeitos e publicar seus rostos nos meios de comunicação sem nos importarmos com as fictícias preocupações com os direitos humanos”. Eis uma solução do impiedoso capitalismo neo-liberal: se a ordem que é desigual e injusta, o exige, se anula a democracia e se passa por cima dos direitos humanos. Logo no pais onde nasceram as primeiras declarações dos direitos dos cidadãos.
Se bem reparmos, estamos enredados num círculo vicioso que poderá nos destruir: precisamos produzir para permitir o tal consumo. Sem consumo as empresas vão à falência. Para produzir, elas precisam dos recursos da natureza. Estes estão cada vez mas escassos e já delapidamos a Terra em 30% a mais do que ela pode repor. Se pararmos de extrair, produzir, vender e consumir não há crescimento econômico. Sem crescimento anual os paises entram em recessão, gerando altas taxas de desemprego. Com o desemprego, irrompem o caos social explosivo, depredações e todo tipo de conflitos. Como sair desta armadilha que nos preparamos a nós mesmos?
O contrário do consumo não é o não consumo, mas um novo “software social” na feliz expressão do cientista político Luiz Gonzaga de Souza Lima. Quer dizer, urge um novo acordo entre consumo solidário e frugal, acessivel a todos e os limites intransponíveis da natureza. Como fazer? Várias são as sugestões: um “modo sustentável de vida”da Carta da Terra, o “bem viver” das culturas andinas, fundada no equilíbrio homem/Terra, economia solidária, bio-sócio-economia, “capitalismo natural”(expressão infeliz) que tenta integrar os ciclos biológicos na vida econômica e social e outras.
Mas não é sobre isso que falam quando os chefes dos Estados opulentos se reunem. Lá se trata de salvar o sistema que veem dando água por todos os lados. Sabem que a natureza não está mais podendo pagar o alto preço que o modelo consumista cobra. Já está a ponto de pôr em risco a sobrevivência da vida e o futuro das próximas gerações. Somos governados por cegos e irresponsáveis, incapazes de dar-se conta das consequências do sistema econômico-político-cultural que defendem. É impertivo um novo rumo global, caso quisermos garantir nossa vida e a dos demais seres vivos. A civilização técnico-científica que nos permitiu niveis exacerbados de consumo pode pôr fim a si mesma, destruir a vida e degradar a Terra. Seguramente não é para isso que chegamos até a este ponto no processo de evolução. Urge coragem para mudanças radicais, se ainda alimentamos um pouco de amor a nós mesmos.
Leonardo Boff é teólogo e escritor.
Governados por cegos e irresponsáveis
Leonardo Boff
Afunilando as muitas análises feitas acerca do complexo de crises que nos assolam, chegamos a algo que nos parece central e que cabe refletir seriamente. As sociedades, a globalização, o processo produtivo, o sistema econômico-financeiro, os sonhos predominantes e o objeto explícito do desejo das grandes maiorias é: consumir e consumir sem limites. Criou-se uma cultura do consumismo propalada por toda a midia. Há que consumir o último tipo de celular, de tênis, de computador. 66% do PIB norteamericano não vem da produção mas do consumo generalizado. As autoridades inglesas se surpreenderam ao constatar que entre os milhares que faziam turbulências nas várias cidades não estavam apenas os habituais estrangeiros em conflito entre si, mas muitos universitários, ingleses desempregados, professores e até recrutas. Era gente enfurecida porque não tinha acesso ao tão propalado consumo. Não questionavam o paradigma do consumo mas as formas de exclusão dele.
No Reino Unido, depois de M.Thatcher e nos USA depois de R. Reagan, como em geral no mundo, grassa grande desigualdade social. Naquele país, as receitas dos mais ricos cresceram nos últimos anos 273 vezes mais do que as dos pobres, nos informa a Carta Maior de 12/08/2011. Então não é de se admirar a decepção dos frustrados face a um “software social” que lhes nega o acesso ao consumo e face aos cortes do orçamento social, na ordem de 70% que os penaliza pesadamente. 70% do centros de lazer para jovens foram simplesmente fechados.
O alarmante é que nem primeiro ministro David Cameron nem os membros da Câmara dos Comuns se deram ao trabalho de perguntar pelo porquê dos saques nas várias cidades. Responderam com o pior meio: mais violência institucional. O conservador Cameron disse com todas as letras:”vamos prender os suspeitos e publicar seus rostos nos meios de comunicação sem nos importarmos com as fictícias preocupações com os direitos humanos”. Eis uma solução do impiedoso capitalismo neo-liberal: se a ordem que é desigual e injusta, o exige, se anula a democracia e se passa por cima dos direitos humanos. Logo no pais onde nasceram as primeiras declarações dos direitos dos cidadãos.
Se bem reparmos, estamos enredados num círculo vicioso que poderá nos destruir: precisamos produzir para permitir o tal consumo. Sem consumo as empresas vão à falência. Para produzir, elas precisam dos recursos da natureza. Estes estão cada vez mas escassos e já delapidamos a Terra em 30% a mais do que ela pode repor. Se pararmos de extrair, produzir, vender e consumir não há crescimento econômico. Sem crescimento anual os paises entram em recessão, gerando altas taxas de desemprego. Com o desemprego, irrompem o caos social explosivo, depredações e todo tipo de conflitos. Como sair desta armadilha que nos preparamos a nós mesmos?
O contrário do consumo não é o não consumo, mas um novo “software social” na feliz expressão do cientista político Luiz Gonzaga de Souza Lima. Quer dizer, urge um novo acordo entre consumo solidário e frugal, acessivel a todos e os limites intransponíveis da natureza. Como fazer? Várias são as sugestões: um “modo sustentável de vida”da Carta da Terra, o “bem viver” das culturas andinas, fundada no equilíbrio homem/Terra, economia solidária, bio-sócio-economia, “capitalismo natural”(expressão infeliz) que tenta integrar os ciclos biológicos na vida econômica e social e outras.
Mas não é sobre isso que falam quando os chefes dos Estados opulentos se reunem. Lá se trata de salvar o sistema que veem dando água por todos os lados. Sabem que a natureza não está mais podendo pagar o alto preço que o modelo consumista cobra. Já está a ponto de pôr em risco a sobrevivência da vida e o futuro das próximas gerações. Somos governados por cegos e irresponsáveis, incapazes de dar-se conta das consequências do sistema econômico-político-cultural que defendem. É impertivo um novo rumo global, caso quisermos garantir nossa vida e a dos demais seres vivos. A civilização técnico-científica que nos permitiu niveis exacerbados de consumo pode pôr fim a si mesma, destruir a vida e degradar a Terra. Seguramente não é para isso que chegamos até a este ponto no processo de evolução. Urge coragem para mudanças radicais, se ainda alimentamos um pouco de amor a nós mesmos.
Leonardo Boff é teólogo e escritor.
Nenhum comentário:
Postar um comentário