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22 de agosto de 2011 às 21:08
A “queda” de Kadafi e a disputa pelos recursos da África
Por Luiz Carlos Azenha
Parte da esquerda descobriu que morre de amores por Kadafi. Outra parte — ou será a mesma? — descobriu que ama o Assad, da Síria. Dois ditadores repugnantes. Não menos repugnantes, no entanto, que alguns democratas do Ocidente. George W. Bush, por exemplo, que matou milhares de pessoas sob o falso argumento de que pretendia conter a proliferação de armas de destruição em massa no Iraque.
Não é preciso ir longe para descobrir a hipocrisia: ditaduras do Golfo Pérsico “promovem” a democracia na Líbia, ao mesmo tempo em que massacram, silenciam ou desconhecem a oposição em casa (a escolha é sua). O mesmo vale para a Arábia Saudita, que invadiu um vizinho para “promover” a estabilidade que interessa a Washington, Paris e Londres.
Assim é a realpolitik, para além das belíssimas declarações de intenções publicadas nos jornais. Não podemos deixar de notar, no entanto, especialmente no caso da Líbia, que foram abertos alguns precedentes preocupantes:
1. A autorização dada pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas foi utilizada para promover a troca de regime.
2. A Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) deu mais um passo para se tornar uma espécie de polícia da globalização.
A cobertura que a mídia brasileira faz da África é tão bisonhamente fraca que nossos jornalistas e comentaristas acabam simplesmente reproduzindo a opinião alheia, de matriz estadunidense ou europeia, como se fosse verdade absoluta, justamente no momento em que o Brasil busca e precisa de uma política externa soberana e independente, que expresse seu novo papel na economia mundial. Isso está na raiz, inclusive, da incompreensão que a política do Itamaraty desperta em alguns setores da sociedade brasileira. São setores que não conseguem dissociar os interesses do Brasil daqueles de nossas metrópoles. É a turma da genuflexão automática.
Kadafi era um ator importante nos negócios africanos. A Líbia era um dos grandes investidores no continente, derivando daí o apoio obtido por Kadafi dentro da União Africana. No contexto regional, as posições do ditador líbio eram, vamos dizer, “nacionalistas”. O projeto de Kadafi, montado em seus bilhões de dólares do petróleo, era ancorar a Líbia firmemente nas instituições africanas, apesar das óbvias diferenças históricas, étnicas e culturais entre o norte árabe do continente e a África subsaariana.
Pobre México, tão longe de Deus, tão perto dos Estados Unidos, diz o ditado. Pobre Líbia, tão longe de Deus, tão perto do Mediterrâneo. Qualquer regime que suceder Kadafi não tem chance de durar alguns meses se for carimbado como abertamente entreguista dos recursos naturais do país, ou seja, do petróleo. A dinâmica política interna não permitirá isso, a não ser que tropas da OTAN sejam despachadas para “pacificar” os líbios.
Não duvido que, nos próximos dias, uma “força de estabilização” seja convocada para atuar na Líbia, composta por soldados árabes e/ou africanos. A Líbia é muito importante para ser entregue aos líbios, diriam nos bastidores os europeus. A disputa pelos recursos naturais do país se dá em um contexto mais amplo, o da valorização dos recursos naturais do continente.
A diplomacia chinesa é a mais atuante na África. Beijing não faz qualquer exigência a seus aliados locais, nem em termos econômicos, nem políticos, muito menos diplomáticos. A China pode arguir que, diferentemente dos países ocidentais, nunca invadiu a África, nem promoveu a escravidão, nem provocou matanças ou graves violações dos direitos dos africanos comparáveis às cometidas por ingleses, franceses, alemães, belgas, portugueses, etc. Além disso, os chineses lembram o apoio que deram à luta anticolonial. A China troca os recursos minerais que obtém na África por importantes obras locais. A China ofereceu às elites locais uma alternativa às fórmulas do FMI e do Banco Mundial que, nos anos 90, resultaram apenas no enfraquecimento de estados que já eram mínimos. Não é por acaso, portanto, que outro engajamento recente do Ocidente tenha se dado justamente na partilha do Sudão, um dos grandes aliados da China no continente e também produtor de petróleo.
Vocês não acham curioso que ninguém se importe com as areias do Mali ou com a democracia na República Centro-Africana?
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