quarta-feira, 20 de julho de 2011

O depoimento de Murdoch

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São Paulo, quarta-feira, 20 de julho de 2011


'Humilde', Murdoch diz ter sido traído

VAGUINALDO MARINHEIRO
DE LONDRES

Uma cena impensável há pouco tempo: Rupert Murdoch, o magnata das comunicações, aquele que os políticos do Reino Unido temiam e cujo apoio imploravam, senta-se diante de parlamentares britânicos para se desculpar e dizer que é o dia "mais humilde" de sua vida.
Murdoch depôs por três horas em conjunto com o filho James, gestor de suas empresas na Europa, e disse que nunca soube dos crimes cometidos por profissionais do "News of the World", que incluíram escutas ilegais e corrupção de policiais.
Afirmou que foi traído por pessoas em quem confiava, sem nomeá-las, e que são essas pessoas que devem pagar pelos crimes. "Elas se comportaram de maneira vergonhosa." Disse ainda ser "a melhor pessoa para resolver isso" (a crise dos grampos).
O empresário falou ao comitê da Câmara dos Comuns que investiga crimes cometidos pelo jornal. Pouco antes do final, um homem da plateia o atingiu com um prato cheio de espuma de barbear. Foi preso.
Murdoch e o filho pediram desculpas às vítimas das escutas dezenas de vezes. O pai disse que ficou chocado e envergonhado ao saber que um detetive a serviço do jornal acessou a caixa de mensagens de Milly Dowler, menina de 13 anos que foi sequestrada e morta por um maníaco sexual.
Depois, o magnata alegou que não sabia dos casos porque o "News of the World" representava só 1% de suas operações, que incluem canais de TV, operadoras de TV por assinatura, editoras e cerca de 200 jornais. Já seu filho afirmou que as empresas exigem a delegação de responsabilidades.
Um parlamentar perguntou se conheciam a expressão "willful blindness" (algo como cegueira voluntária). James disse que não. O parlamentar explicou - a expressão legal significa que alguém pode e deve tomar conhecimento de irregularidades dos subordinados, mas escolhe não saber.
Murdoch disse: "Não podemos ser acusados disso". O empresário afirmou que decidiu fechar o "NoW" por vergonha. "Quebramos a relação de confiança que tínhamos com o leitor." Mas disse que, apesar da gravidade, os concorrentes se uniram para atacá-lo. "É um mercado muito competitivo. Pegaram-nos com as mãos sujas e criaram essa histeria."

PRIMEIRO-MINISTRO
O comitê também tentou explorar a relação de Murdoch com o premiê David Cameron. Um membro do Partido Trabalhista quis saber por que ele entrou pela porta dos fundos ao visitar Cameron, após a eleição de 2010. "Porque pediram. Acho que era para evitar os fotógrafos", disse Murdoch. "Também entrei pelos fundos quando visitei Gordon Brown." Brown, trabalhista, foi premiê de 2007 a 2010.
Cameron está sendo pressionado por causa de suas relações com os Murdoch e com executivos de seu conglomerado. Ele irá ao Parlamento hoje para se explicar.
Depois dos Murdoch, depôs Rebekah Brooks, que era responsável pelos jornais da família no Reino Unido. Ela voltou a insistir que não sabia das escutas, mas confirmou que o jornal contratava detetives para ajudar na apuração de reportagens.

Magnata é atacado com espuma, e sua mulher revida

DE LONDRES

O tom de todo o depoimento do magnata Rupert Murdoch ao Parlamento britânico foi de seriedade, mas, no final, um parlamentar afirmou: "Senhor Murdoch, sua mulher tem um gancho de esquerda muito bom". Todos riram.
Pouco antes, a mulher do empresário, Wendi Deng - 42 anos, 38 a menos que o marido -, atacara um homem que atingiu Murdoch com um prato cheio de espuma de barbear.
Quando ela viu o homem, um comediante chamado Jonnie Marbles, perto do empresário, pulou da cadeira e deu um tapa no rosto do agressor.
A sessão foi interrompida por pouco mais de dez minutos. Quando foi retomada, Rupert Murdoch estava sem paletó, que tinha ficado cheio de espuma.
O empresário australiano foi, na maioria das vezes, monossilábico. "Sim" e principalmente "não" eram as suas respostas. Dois parlamentares foram os principais inquisidores. Um foi Tom Watson, parlamentar trabalhista, que focou em Murdoch pai por mais de 20 minutos.
Foi ele que perguntou: "O senhor é responsável por todo esse fiasco?" "Não", foi a resposta. A outra foi Louise Mensch, 40, do Partido Conservador. Foi quem perguntou a Murdoch se ele não deveria renunciar ao comando de seu império, já que não foi capaz de saber o que se passava em uma de suas empresas. Novo monossílabo: "Não".
Uma das poucas admissões dos Murdoch é que a empresa pagou a defesa do detetive contratado pelo jornal e que fazia as escutas ilegais.


ANÁLISE

Depoimento funciona, até como dramaturgia

NELSON DE SÁ
ARTICULISTA DA FOLHA

O filho começava a falar quando Rupert Murdoch tocou seu braço e fez a primeira intervenção: "Só gostaria de dizer uma frase. Este é o dia mais humilde da minha vida". E o filho seguiu no que falava, sem revelar reação.
A palavra que o magnata jogou, "humble", indica mais que humildade. Ecoa submissão, até humilhação. Se ambos passaram por ensaios, como noticiado, aquela primeira cena foi a melhor expressão de que funcionou, inclusive como dramaturgia.
Nas duas horas seguintes, o filho James falou, falou, falou, sem convencer, mas também sem comprometer. De surpresa, um parlamentar conseguiu tirar dele que, sim, a News Corp. continuou pagando o detetive preso pelos grampos, anos antes. Mas foi só.
Mais importante, também aparentemente parte do roteiro, as respostas monótonas do filho serviram de escudo a qualquer desatino de ironia ou sarcasmo do pai, o maior temor de acionistas e outros, antes da audiência.
Com longos silêncios depois de ouvir as perguntas, empostando cansaço, levando a mão ao ouvido de vez em quando para escutar o que diziam os parlamentares, o pai recorria em última instância ao filho, para evitar este ou aquele tema.
Por vezes, tamanha era sua alienação que parecia a um passo de cair no sono. Para dizer que não deixou escapar alguma coisa, Rupert Murdoch batia de vez em quando com a palma da mão na mesa, ecoando pelo microfone, o que levou seu filho a instruí-lo no meio da audiência a parar de "gesticular".
Em conteúdo, o esforço do magnata foi repisar que não sabia dos grampos, que confiou em seus executivos e estes talvez tenham confiado em outros, abaixo deles. Que o "News of the World" representava "menos de 1%" da News Corp. Diferentemente do que se viu uma semana antes, não se bateu por Rebekah Brooks, pelo contrário.
Quando surgiu para sua audiência, em seguida, Brooks estava sozinha, não só pela ausência de Rupert e James Murdoch, mas ao responder, tantas vezes, que não poderia responder para não prejudicar a investigação de que é objeto. Ela é ré, não mais executiva. Antes, para coroar o êxito de sua performance na audiência, Murdoch foi atacado por um comediante "stand- up", mas também membro do Partido Trabalhista.
E a sessão terminou com pedido público de desculpas do presidente da comissão, "em nome do Parlamento". As investigações prosseguem, mas a batalha de ontem foi vencida pelo magnata.

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