sábado, 30 de julho de 2011

O enfrentamento da crise internacional pelo Brasil




Sábado, 30 de Julho de 2011

Enfrentamento da crise


Amir Khair*

As análises conservadoras atribuem peso excessivo à ameaça da inflação. Como antídoto recai no velho chavão de que o governo está gastando em excesso, o crescimento está elevado demais e que isso obriga o Banco Central (BC) elevar a Selic para conter o excesso da demanda criada pelo governo. É a política do pé no freio da economia para conter a inflação. É sempre a mesma ladainha. O que na realidade querem é que a Selic suba para dar mais lucro financeiro aos que aplicam nos títulos do governo federal. Isso vem se repetindo há anos e o custo dessa política de taxas de juros elevada atingiu nos últimos doze meses até maio R$ 220 bilhões (5,7% do PIB). Esse custo na média mundial é de 1,8% do PIB.
Essas análises parecem desconhecer que o que está elevando as despesas do governo são os juros e essa elevação é bem superior à própria capacidade do governo em crescer suas despesas. Assim essas análises são totalmente desprovidas de sentido, mas por serem as mais difundidas pela mídia acabam por iludir a opinião pública para não focar a causa central dos problemas criados pelo BC e pelo mercado financeiro que são as taxas de juros Selic e taxas de juros dos bancos, as mais altas do mundo e que impedem o País de ter os recursos necessários para enfrentar os elevados déficits sociais e de infraestrutura.

Na China a taxa básica de juros equivalente à Selic é de 3% e a taxa de juros ao consumidor de 6% ao ano. Aqui, a taxa de juros média cobrada do consumidor pelos bancos foi de 46,1% em junho, ou seja, oito vezes maior do que a chinesa.
Nos empréstimos do cheque especial entre os maiores bancos em 18 de julho, segundo dados do BC, foi de 167% na Caixa Econômica Federal, 175% no Banco do Brasil, 176% no Itaú e Bradesco e 219% no Santander. Agiotagem em alto grau, inclusive nos bancos oficiais.

O governo tem o poder de limitar essas taxas de juros, mas não enfrenta o mercado financeiro e tem que dar nó em pingo d’água para conduzir a economia dentro dessas distorções que afetam o poder de compra dos consumidores e as empresas que dependem de capital de giro para viabilizarem seus negócios.

Cenário externo
O cenário internacional está em franco processo de deterioração. A dívida dos EUA, mesmo se ampliada pelo Congresso, já arranhou a imagem do país e passou a ser motivo de preocupação para todo o mundo. Os americanos viveram artificialmente um super consumo irrigado a crédito barato e, agora se encontram endividados, tendo que conter a volúpia consumista. Como 70% do PIB dos EUA dependem do consumo, a tendência é de estagnação por vários anos. Para agravar esse quadro, as despesas militares não cabem mais no orçamento americano e, quanto mais tempo permanecerem tentando impor sua hegemonia militar, com tropas espalhadas pelo mundo, pior será.
Na Europa a falta de entendimento entre o Banco Central Europeu (BCE), os governos da Alemanha e França e os bancos privados para tentar contornar a crise grega evidenciou a fragilidade da zona do euro. A tendência é permanecer estagnada a economia por vários anos e com riscos de default da Grécia, Irlanda, Portugal, Espanha e Itália, atingindo o sistema bancário dentro e fora da zona.

Estratégia de enfrentamento da crise
Diante deste cenário, o Brasil deve se defender, baseando sua força no desenvolvimento do seu mercado interno e na posição estratégica que tem nas commodities e alimentos que contribuem tanto interna quanto externamente nas exportações. O governo deve priorizar o abastecimento interno das commodities e alimentos regulando os volumes exportados para que não faltem ao consumo. O que sobrar é que deve ser destinado à exportação. Quanto aos preços das commodities o governo deve assumir a posição estratégica de aproveitar as cadeias produtivas que têm no topo as commodities, para agregar valor e empregos nas empresas à jusante dessas cadeias.

No comércio exterior o melhor caminho é continuar sua política externa no rumo dos países emergentes, que apresentam crescimento econômico e defender nossas empresas da invasão de produtos importados ilegalmente por dumping e triangulação da China usando outros países para suas exportações ao Brasil.

Para tentar controlar o câmbio o governo resolveu atuar sobre o mercado futuro com medidas mais fortes e que podem reduzir a especulação com os derivativos. O CMN impôs três medidas, que poderão conter os movimentos especulativos sobre o real. A primeira medida foi cobrar 1% de IOF quando os investidores ampliarem suas apostas na valorização do real, que excederem US$ 10 milhões. Junto, a ameaça é que o IOF pode ir até 25% se o governo achar necessário. A segunda é exigir o registro de todas as operações com derivativos. Com isso, espera ter mais transparência e controle sobre esses negócios. A terceira taxa em 6% de IOF os financiamentos superiores a 720 dias que forem antecipadamente resgatados.

Essas decisões, embora acertadas, não irão coibir a maior fonte de ingressos de dólares pela porta dos investimentos diretos de estrangeiros (IDE), que não pagam o IOF de 6%. O BC poderia controlar essas operações antes da internação dos dólares pelo depósito obrigatório em sua conta no exterior, só liberando cada entrada ao fluxo de caixa necessário ao investimento a ser feito no Brasil. Não o faz e, assim, os dólares que entram se transformam em reais e podem ser aplicados na Selic gerando lucros financeiros que são remetidos para a matriz estrangeira. Isso ficou evidenciado na anormal elevação do IED nos primeiros cinco meses deste ano em comparação com o mesmo período de 2010. Atingiram 138% (!)

Para completar a defesa cambial do País é necessário que a Selic vá para o nível internacional rapidamente, para coibir toda e qualquer operação de carry trade (aplicação financeira que consiste em tomar dinheiro a uma taxa de juros em um país e aplica-lo em outro, onde as taxas de juros são maiores). O controle inflacionário deve ser feito via metas de inflação, através das medidas macroprudenciais, que podem calibrar o crédito e o valor das prestações (o que a Selic não consegue), adequando o crescimento da oferta de empréstimos à evolução da massa salarial, para ter sob controle a inadimplência.

Em apoio ao controle inflacionário e melhoria do comércio exterior, o governo deve agir mais sobre as importações via impostos, preços mínimos, quantitativos máximos, como fazem os demais países para a proteção de suas empresas e/ou da população contra os preços abusivos internos. Dilma deve por o mercado financeiro e o BC a favor da economia e da sociedade, limitando as taxas de juros e tarifas bancárias extorsivas e trazer a Selic ao nível internacional até meados de 2012.

Se a presidente assumir esse enfrentamento terá o apoio da sociedade e se livrará das amarras que até agora vem impedindo aproveitar o imenso potencial material e humano que o Brasil possui. Felizmente, algumas iniciativas governamentais estão indo na direção desejável.

Moralização - Priorizar a gestão e enfrentar a corrupção, como as do DENIT, terá apoio da sociedade, trunfo necessário para enfrentar ameaças no Congresso, que refluem quando a mídia denuncia a corrupção. É assim, que se constrói seriedade e ponto de partida para cortar desperdícios de recursos públicos, permitindo alocá-los onde as carências são flagrantes.

Estímulo - Algumas medidas foram tomadas na direção do desenvolvimento ao deslanchar programas sociais, como a elevação dos valores do Bolsa Família, o lançamento do Brasil sem Miséria e a segunda fase do Minha Casa Minha Vida. Pode contribuir o lançamento do "Programa de Inovação do Brasil", referente à política de desenvolvimento da competitividade, com incentivo à exportação de manufaturados e assentar os pilares da política industrial, na exigência de maior conteúdo local, agregação de valor, compras governamentais e política de defesa comercial.

Dia 9, a presidente disse que anunciará "uma boa melhorada" no Super Simples, que prevê a unificação de oito tributos - seis federais, um estadual e um municipal. Ele atinge a maioria das empresas.

São iniciativas pró-desenvolvimento, mas insuficientes para os desafios da crise internacional, que se aprofunda e poderá se estender por vários anos.

(*) Mestre em finanças públicas pela FGV e consultor

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