terça-feira, 26 de julho de 2011

Das iniquidades disfarçadas como posturas libertárias

Hindenburg


http://www.viomundo.com.br/politica/pos-murdoch-o-debate-sobre-a-regulamentacao-da-midia.html


26 de julho de 2011

 

Pós-Murdoch, o debate sobre a regulamentação da imprensa

da revista Economist, sobre o escândalo do jornalismo à la Murdoch

[...] as revelações mudaram a atitude política britânica em relação à regulamentação da mídia com rapidez assustadora. Livres do jugo da News International [empresa de Murdoch], pelo menos temporariamente, os políticos agora parecem inclinados a evitar que qualquer empresa de mídia consiga o nível de poder que a News Corporation [de Murdoch] conseguiu no Reino Unido. Houve debates sobre trazer de volta leis que controlem a propriedade por estrangeiros e também sobre reforçar as leis de pluralidade, para que sejam aplicadas como em um teste contínuo, durante o crescimento e a conquista de fatias do mercado pelas empresas de mídia, não apenas quando acontecem fusões ou quando compram umas às outras. Em 14 de julho, o sr. Clegg [Nick, líder dos liberais democratas] citou três princípios de “liberdade, prestação de contas e pluralidade”, e declarou que “diversidade de proprietários é um indelével princípio liberal, porque um monopólio da mídia corporativa ameaça a liberdade de imprensa quase tanto quanto um monopólio estatal”.
Em outro texto:
“Em 20 de julho [o primeiro-ministro] David Cameron formou uma comissão, liderada por um juiz, e deu a ela um ano para elaborar novas regras para a imprensa (entre outras coisas). Sinalizando o fim da autorregulamentação pura, o sr. Cameron fala em um órgão regulador “efetivamente independente” do governo. Ele sinalizou que o modelo poderia ser encontrado na Advertising Standards Authority (ASA), um órgão financiado pela indústria mas que pode contar com canais legais — reguladores oficiais com poder para punir violações contínuas das regras. O líder da oposição trabalhista, Ed Miliband, fala em um órgão “independente” que — ao contrário da Press Complaint Commission (PCC) — não inclua editores em atividade. Ele quer que o órgão tenha poder de investigação e que tenha o direito de fazer as empresas pagarem indenização e dar direito de resposta de forma destacada”.

As aparências enganam, sim; que o diga o império midiático


Enio Squeff

As reações dos ingleses ao escândalo do tablóide News of the World - uma espécie de arquétipo dos jornais do magnata Rupert Murdoch - proprietário do maior conglomerado midíatico do mundo (o News Corp) - parecem se alinhar ao que seria proverbial na Inglaterra: a recusa aos embustes "muito evidentes". Mas há uma providencial distância, mesmo na Inglaterra, entre a verdade e a sua versão. Albert Finney, grande ator inglês, recusou o título de "sir" que a realeza britânica concede a certos cidadãos pela "relevância" de seu trabalho. Explicou que, como filho de operário, um título de "sir" não alteraria em nada seu status social - mas aumentaria o que ele considerava o pior defeito dos ingleses - o esnobismo. Achava que se se somasse a outros nomes de artistas, cantores, e atores seria apenas mais um a magnificar um laurel sem sentido algum. Ninguém se preocupou muito em julgá-lo um mal-criado que devia favores à rainha. Mas parece ter respondido à altura a um mundo de aparências que não é apanágio só da Inglaterra - mas de todos os países, incluindo-se aí, de forma especial, o Brasil.

Granham Green, escritor inglês, tinha franco desprezo por algumas instituições britânicas, a começar pelo seu aparelho de informação. No seu "Nosso Homem em Havana", as referências à CIA e a sua pretensão de ser onisciente mereceram uma dos melhores romances em forma de sátira que se escreveram em língua inglesa. Mas Graham Green nunca disfarçou seu desprezo também pelo serviço secreto inglês a que ele próprio pertenceu durante a Segunda Guerra. A pergunta que se impõe talvez seja reveladora: até quando certo tipo de imprensa e os serviços secretos são atividades paralelas? No fundo, é uma questão a que o próprio grupo de Murdoch respondeu - ambos se nutrem das histórias que ninguém deixa de contar por pertencerem ao âmbito do privado. Para Murdoch e seu grupo, os métodos da imprensa investigativa e dos serviços ditos "de inteligência", sempre se justificaram no que lhes seria comum - que são os seus fins. O fato de uma revista conseguir descobrir a corrupção de um ministro, pode não ser necessariamente obtido por "meios ilegais" - ou seja por outros métodos que não os das escutas telefônicas clandestinas, ou pela compra de informações - mas as diferenças podem também ser muito tênues. O fundamental, dirá a opinião pública, é que os crimes sejam descobertos. E denunciados - o que, realmente, é muito bom para a sociedade.

Não foi bem isso, porém,o que aconteceu na Inglaterra. Lá os grampos ilegais teriam sido usados à larga, o que provocou a reação dos anunciantes do tablóide. Mesmo assim, o que se questiona é a pergunta que se impões: quando da renúncia do presidente Nixon, dos EUA, foram por métodos rigorosamente legais que os dois jornalistas do "Washigton Post" descobriram as mentiras do então primeiro mandatário do país? Não se trata, aliás, de uma questão tão contemporânea quanto se imagina. Nas descobertas da imprensa, haveria um rito sherloquiano, difícil de ser contestado: Conan Doyle, na construção de seu personagem, Sherlock Holmes faz questão de ressaltar o processo intelectual do detetive. A sua mente brilhante descobrirá o autor dos crimes, não por escutas ao pé da porta, mas por processos que teriam um viés até científico. Num tempo em que a ciência podia responder a tudo sobre a natureza, o mundo e o caráter das pessoas, Holmes manterá a fleuma e a elegância. Nunca lhe ocorre valer-se de intuições ou de preconceitos: é um cientista - máxime, um proto-repórter investigativo - ou seja, serão sempre esses tipos que apreciamos ver na televisão, nos jornais ou nos rádios. E que relemos no dia seguinte, nos diários, a desfilarem como exemplos de inteligência pela suprema façanha não só para descobrir crimes, mas pela honestidade que perpassa seus feitos e revelações.

Vistos genericamente, de fato, policiais dessa estirpe são também repórteres brilhantes. Sem métodos violentos ou desonestos, eles chegam à solução dos crimes apenas pelo raciocínio. Digamos que nada disso seja sequer parecido com as ações do grupo do magnata australiano, nascido em Israel mas de cidadania também americana. Conjetura-se, porém, que o sucesso de Murdoch e seus asseclas são, apesar de tudo, perfeitamente adequados ao mundo em que vivemos. Com outras palavras e para dizer o mesmo: Murdoch não faria sucesso a ponto de se tornar o maior magnata das comunicações, não fosse a satisfação com que o Tea Party - a extrema direita do Partido Republicano norte-americano - o lê. E o divulga como o supra sumo da sagacidade e das boas idéias. Diga-se o que se disser, o grupo de Murdoch é um consenso indiscutível nas hostes conservadoras do mundo.

São, a propósito, conhecidas as ações que se contrapõem aos consensos. Era consensual na França do século XIX, que o capitão Alfred Dreyfus tinha traído seu país e que merecia a cadeia sub-humana a que fora relegado na Guiana Francesa. Se ao fim do processo não houvesse um escritor e romancista, Émile Zola, a execrar publicamente a decisão dos militares e da Igreja católica que os apoiava, muito provavelmente não teria ocorrido nada: Dreyfus continuaria na cadeia até a morte. É um exemplo clássico que parece embaralhar a defesa de Murdoch: não é por uma mera coincidência que seu conglomerado midíaco criou consensos. Assim como era consensual na França de Zola, que Dreyfus era um traidor ("até por ser judeu", conclamava a maior parte do clero católico), não são menos unívocas as teses de Murdoch que seus jornais e suas redes de TV escolham suas vítimas, sempre em nome da iniciativa privada. E que mesmo que por outros métodos - um mero "discurso do método" digamos - haja sempre razões para absolver as culpas do sistema, justamente para impô-lo de novo e sempre agressivamente como inculpável. A ninguém é dado dizer nas páginas do sr. Ruppert Murdoch, que os mercados sejam os responsáveis pela crise do capitalismo neste começo de século. Pelo contrário, a apropriação das riquezas dos países se deu sempre em conformidade com as razões eternas do capital - que são eternas, por serem do capital.

Há mais de um aspecto interessante nesse processo todo. E parece se alçar para além da questão das culpas. Fala-se do que se opõe, mais uma vez, a liberdade de imprensa à liberdade dos oligopólios. Para os defensores da Inquisição, como Torquemada ou mesmo São Domingos, o Verbo Divino sempre "se faria carne". Por outra, sempre estaria certo por se expressar pela boca de seus representantes (leia-se portadores da infalibilidade dos interlocutores de Deus). Ainda que sob torturas, a confissão dos acusados se faria eternamente em conformidade com a vontade Divina. Troque-se Deus pela liberdade do mercado, e as desculpas que o sr. Murdoch, seu filho e seus asseclas deram no parlamento inglês, será considerada apenas um pequeno deslize - um acidente de trabalho digamos; no mais, não cabe discutir se o oligopólios de empresas jornalísticas podem tudo em nome da liberdade; ou se o grande processo inquisitorial deverá continuar com a imprensa graúda, donatária do direito da última palavra, ainda que o seja para justificar os engôdos gigantescos, monstruosos. Que não necessitarão de justificativas para se imporem: Roma locuta, causa finita ("Roma disse; o processo deve terminar") repetiam os padres, para justificarem o fim das apelações; ou antes, para manterem incólume a estrutura da justiça inquisitorial. Qualquer semelhança....

Talvez não seja irônico, porém, que o processo que envolve um oligopólio midíatico, ocorra no país tido como o berço da imprensa livre. Não é uma novidade que graças à imprensa, principalmente do sr. Murdoch, o assassínio do brasileiro Jean Charles de Meneses pela Scotland Yard tenha passado como um mero acidente. Lembra-se, em tempo, que foi também por obra e graça da imprensa britânica que o escritor Oscar Wilde acabou condenado à prisão por ser flagrado em seu homossexualismo. Daquela época em diante, falou-se mal das leis homofóbicas - que, oportunamente e já há anos, foram abolidas não só na Inglaterra. Mas quase não se comenta o que os jornais afirmavam na época; e o quanto os jornalistas - os donos dos jornais, melhor dizendo - deveriam ser culpabilizados por não terem afrontado a legislação e os costumes de seu próprio país. E em nome da liberdade.

As coisas, de fato, surpreendem: o sr. Tony Blair disse em alto e bom som que tinha "provas" da existência das armas de destruição em massa em poder do governo iraquiano. Nunca se comprovou de que estava certo; aliás, o que se provou é que ele estava errado - mas a imprensa do sr. Murdoch se encarregou não só de não cobrá-la. Imposto o dito pelo não dito e, claro, a despeito de milhares de mortes depois (inclusive inglesas), eis que o ex-primeiro ministro continua desfilando sua inegável simpatia, sem que ninguém lhe cobre a "destruição em massa" - essa devidamente patrocinada pelas tropas britânicas e seus aliados. E que sempre encontraram na mídia do sr. Murdoch a pá-de-cal oportuna para que nada fosse cobrado de ninguém.

Em bom latim, talvez o católico Graham Greene lembrasse as palavras da Bíblia: Sic transit gloria mundi - assim passa a glória do mundo. Mas alguém duvida de que o teatro vai continuar; e que o conglomerado do grande capo australiano persistirá dando as cartas, não só na Inglaterra e nos Estados Unidos, mas também no mundo, já que as tenazes do New Corp se estenderiam também à América Latina?

Há muito de insidioso sob a égide da liberdade. A escritora francesa, madame Roland, que perdeu a cabeça a reclamar dos crimes cometidos em nome da liberdade, talvez alertasse para o que é cada vez mais comum; que a imprensa sempre invoque os seus direitos para atentar justamente contra a liberdade. É isso mesmo, mas alguém desconfia de que não vá continuar assim? São poucos os indícios de que à versão, haverá, um dia, o "triunfo da verdade". O direito à liberdade de imprensa parece se estreitar sempre na consideração feita, anos atrás, pelo dono de um grande jornal brasileiro: se os jornalistas quisessem escrever livremente - eles que fundassem os seus próprios jornais. Digamos, como na velha fórmula do padeiro da esquina que, quem não tem capital, não se estabeleça. Já, quem tem, que exerça a sua liberdade - principalmente no direito de mentir.

O mais são pancadinhas na cabeça dos embusteiros muito evidentes - não mais que meros cascudos públicos para que tudo continue como está. Nada mais, em suma, do que as aparências detectadas por Albert Finney.

Enio Squeff é artista plástico e jornalista.




A verdadeira história de Rupert Murdoch


Bruce Page - CounterPunch

O pai de Rupert, Sir Keith, fundou a dinastia durante a Primeira Guerra Mundial como agente servil para jogadas sujas de “Billy” Hughes, provavelmente o mais repugnante primeiro ministro da Austrália. O mito de sua cobertura como heroico repórter de guerra já foi tão exaustivamente desmantelado que não impressiona mais ninguém, com exceção dos empregados da família. Em Versailles, Keith foi o assistente onipresente de Billy em seus esforços por converter a Conferência de Paz em uma baderna maléfica, rica em conteúdo racista e imperialista. Curiosamente, a dupla não teria exercido nenhuma influência se não fosse pelo fracasso de um complô armado por Keith, que tratou de remover, em 1918, John Monash, o comandante no campo de batalha da Austrália na Frente Ocidental, por ser um judeu pouco heroico (Em uma carta à família, Monash escreveu que era aborrecido ter que enfrentar um “pogrom” ao mesmo tempo em que combatia Ludendorff (general alemão). O comandante superior, general Douglas Haig, não quis participar. As divisões de Monash encabeçaram a ofensiva britânica em Amiens que, ao arruinar Ludendorff, colocaram a Alemanha – repentina e inesperadamente – a mercê dos aliados.

Haig e outros soldados esperavam que houvesse espaço para uma paz decente. Mas políticos de diferentes estirpes tinham outra opinião e nenhum superou o chefe de Keith em sua demagogia vingativa, destruindo finalmente todo o crédito que Monash havia conseguido para a Austrália. Billy e Keith não foram os principais autores da debacle de Versailles em 1919. Mas ninguém trabalhou mais duro para que isso ocorresse.

Esta irônica história produz dois exemplos de relevância atual. Um é que nos mostra a base do negócio de Murdoch: oferecer serviços de propaganda política disfarçados de jornalismo. Outro é que Murdoch tem um talento surpreendente para agarrar o lado errado de qualquer conflito político ou militar disponível. A opinião de Keith sobre Monash e a de Rupert sobre o pseudo-guerreiro Bush Jr. eram recíprocas, sem dúvida, e identicamente estúpidas.

Não que, com o passar dos anos, tenhamos visto Murdoch sentindo algum incômodo pelos resultados de servir como subordinado acrítico do poder. Por impossível que possa parecer agora, no início Rupert tinha aberto um caminho honrado e inclusive deu alguns passos nesta direção. Na Austrália dos anos cinquenta, herdou um pequeno, mas próspero, periódico dirigido por pessoas que eram seus amigos e admiradores. Havia temas apaixonantes; sobretudo, a liberação do povo indígena da Austrália e o resgate da maioria branca de uma perigosa querela racista com seus vizinhos asiáticos. Estes temas se desdobraram em movimentos populares sérios, mas durante décadas foram repugnantes para os políticos ortodoxos. E estes últimos, compreendeu Rupert, eram os que distribuíam as concessões de canais de televisão.

Aí veio sua primeira defenestração editorial, que se converteu em um modelo: de um íntimo e leal amigo que esteve envolvido com ele na luta para salvar da execução um homem negro acusado falsamente de violação e assassinato. A campanha realmente poderia ter dado a Murdcoh a condição de inovador que ele sempre pretendeu ser. Mas fiel ao que viria se tornar, alçou o que só pode ser qualificado como uma bandeira branca. Apesar de tudo, segundo o ex-editor de então, Rohan Rivett, ele descobriu uma irregularidade suficiente para evitar a pena de morte e o homem foi condenado à prisão perpétua. Este ato incompleto de valor desinteressado seguiu sendo o único na história de Murdoch.

A posse de licenças de televisão (bem, monopólios estatais) na Austrália do Sul e em Nova Gales do Sul deu a ele suficientes recursos para entrar na cena mundial. Murdoch chegou a Londres precisamente quando os imensos periódicos populares britânicos começavam a dar-se conta (demasiado tarde) que estavam doentes, em geral de maneira mortal. Foi aí, nos anos setenta, que ocorreu o indispensável ingresso de Murdcoh, um evento complexo que Wolff não entendeu. Os diários britânicos da primeira parte do século passado eram, sobretudo, um hábito da classe média. Ao chegar a Segunda Guerra Mundial quase toda a sociedade seguiu a mesma tendência. As causas foram múltiplas: novos métodos populistas no jornalismo e publicidade, surpreendentes dramas sociopolíticos e a tardia consolidação do forte impulso da alfabetização da classe trabalhadora.

Em 1960, a tiragem do Daily Mirror era de cinco milhões. Mas ao final dos anos sessenta, todos os jornais populares tinham problemas. Por exemplo, o News of the World, que Murdoch adquiriu em 1969 com uma tiragem de cinco milhões, havia vendido oito milhões dez anos antes. Essencialmente, a imprensa popular (naquele momento não “tabloide”) havia sido surpreendida pelas novas ondas de educação e progresso social do pós-guerra. Ainda que tanto a esquerda como a direita desprezassem essa realidade, ela era bastante real e levou à divisão do público do jornalismo popular. Aproximadamente metade da população queria um produto novo, mais inteligente. A outra metade se contentava com mais do mesmo.

Apenas um proprietário solucionou criativamente esse problema clássico de administração dos meios de comunicação, e não foi Rupert. Vere Harmsworth, enquanto absorvia reveses financeiros com o Daily Mail, investiu fortemente nas capacidades de brilhantes editores, de caráter. The Mail aumentou suas vendas em 50% entre 1970 e 2000 e conseguiu isso mediante crescimento orgânico, não com a aquisição de outros títulos. Enojados com sua política frenética, os liberais desprezaram a inteligência populista do Mail. No entanto, ela é formidável.

Murdoch fez outra coisa. Seu objetivo era o colossal Mirror, cujos chefes trataram a crise dos anos setenta como uma tentativa suicida. Depois de envernizar o antigo periódico com algumas pequenas mudanças, reduziram seu tamanho e, simultaneamente, aumentaram seu preço. Murdoch adquiriu o abandonado Sun, o relançou com uma grosseira clonagem do antigo Mirror, mas maior, mais barato e mais vulgar. As vendas do Mirror caíram; o Sun voltou a subir. A economia midiática não conhece um exemplo mais claro (ou mais merecido) de simbiose parasitária.

Mas a turba tem a sua função. Primeiro, mesmo em decadência, os tabloides britânicos geram um vasto fluxo de caixa, essencial para a vitalidade financeira da Newscorp. Segundo, todos os jornais, lucrativos ou não, são acessórios empresariais de um tipo especial. Prestam um serviço político especial e permitiram a Murdoch extrair de governos na Austrália, EUA e Grã Bretanha passes livres contra a regulação, feita para sustentar a diversidade e a independência dos meios, impressos e eletrônicos. Ronald Reagan, Margaret Thatcher e Tony Blair foram seus comparsas mais conhecidos, mas é bom não esquecer os dirigentes do Partido Trabalhista australiano (especialmente inclinados a imaginar que estavam explorando Murdoch).

A ascensão da Newscorp à condição de potência de televisão foi um importante argumento secundário epopeia de quatro décadas de desregulação, agora reconhecida tardiamente como liberadora de Caliban. Sua dinâmica explica as incessantes quedas de circulação de Murdoch. Para ser entregue na casa das pessoas, um jornal (ou programa de televisão) deve ser previsível. Assim, pode-se administrar (e inclusive estabilizar) sua decadência, mas não se deve esperar um crescimento orgânico. Se você vai ser leal a um punhado de políticos, nada é pior que seu próprio pessoal traga à luz seus pequenos delitos – ainda que de forma acidental -, por mais interessantes que possam ser para seus leitores.

Do ponto de vista operativo, tudo isso requer uma grotesca maquinaria de bravatas, conformidade, manipulação e adulação servil. Essa maquinaria usa, sobretudo, pessoal que não tem outra saída, já que prestar serviços a Murdoch sempre danificou severamente um currículo. De vez quando envolveu gente capaz: alguns encontraram refúgios onde podem trabalhar decente e discretamente, mas a maioria acaba expulsa ou se auto-expulsa. Esta última opção não é apreciada. Quando o The Times teve uma febre de tabloide e descolou de sua própria imagem, Simon Jenkins foi contratado para realizar reparos cosméticos, mas só assinou por dois anos. Murdoch disse que preferia demitir os editores ele mesmo, mas teve que aceitar; é certo que não demorou muito para brigar com Jenkins).

Quando escrevi The Murdoch Archipelago, com Elaine Potter, justificamos nosso título dizendo que os Murdoch tinham construído um domínio tão próximo à tirania de sua pessoa como o permite o marco legal no Ocidente. A maioria dos observadores está de acordo com isso, e também estão alguns ex-participantes de sua equipe, a menos que esperem novos favores da Newscorp.

Previsivelmente, a admiração por seu pai envolve esse hediondo cavalo de batalha, o establishment. A besta existe só para que os membros da classe dominante a reneguem, determinados a escapar de qualquer obrigação de lei ou honra que um status semelhante possa atrair. Assim, ações que seriam codiciosas e irresponsáveis em um dirigente confesso, se convertem em rebelião inocente, empreendida para libertar-se da opressão por elites invisíveis. Os acólitos de Murdoch utilizam rotineiramente semelhantes truques de mágica para obscurecer a verdadeira natureza do chefe, frequentemente para si mesmos. Se alguém vê Murdoch dessa maneira, como adulador do poder no longo prazo, não há nada que não se possa acreditar, e considerar o Post como um paladino do jornalismo não representa nenhuma dificuldade. O longo apoio a ele, contra um desastroso rendimento no mercado (e, a essa altura, seguramente, um valor político diminuído), indica que Murdoch pensa o mesmo.

É, no final das contas, sua criação por excelência, mais que qualquer outro meio. A Fox News foi obra de Roger Ailes; The Sun, de Larry Lamb e Kelvin McKenzie; Newscorp (diferente do original) Sunday Times, de Andrew Neil; a rede Sky, do voraz Sam Chisholm. Sem dúvida, todos eles o aceitaram como chefe supremo, com tristes consequências para seus produtos (e, na maior parte dos casos, para suas ambições). Mas, deixando de lado o mito de Murdoch, todos eram profissionais endurecidos, que faziam seu trabalho eles mesmos (e que se esquivavam de Rupert sempre que possível). Seus produtos não são muito bons, mas têm um certo brilho profissional; refutação, por certo, da afirmação de que não se tirar brilho da merda. The Post, no entanto, é o produto em estado bruto. Representa Rupert fazendo um trabalho complicado, difícil, o melhor que pode: algo que nos deveria fazer pensar intensamente sobre os perigos que ameaçam a democracia.
Não é bastante conhecido que nem Rupert nem seu pai tiveram alguma formação séria em jornalismo. Keith, já em avançada idade, confessou que poderia ter sido um melhor jornalista se as coisas tivessem sido diferentes.

De fato, ele cresceu como um aventureiro curioso independente, tratando de conseguir algumas linhas nos subúrbios eduardianos de Melbourne e foi, como disse, um “esforçado”. Há poucos começos piores, já que a remuneração depende de escrever sem questionar nada tudo os que as fontes podem oferecer, e desenvolver hábitos de julgamento independente envolve sérias possibilidades de passar fome.

Nos anos cinquenta, os periódicos metropolitanos da Austrália e dos EUA (e alguns da Inglaterra) tinham sistemas bastante detalhados de capacitação. Por certo, Keith ajudou na sua criação. Mas criou também o canal dinástico por meio do qual Rupert esquivou-se desses sistemas, ao herdar diretamente o negócio do Adelaide News que Keith havia extraído habilmente da companhia pública da qual era diretor gerente. É muito provável que Keith tenha pensado que viveria alguns anos mais, mas a morte apareceu quando Rupert ainda estava em Oxford, sem estar mais preparado para dirigir um jornal do que estaria para dirigir um pequeno barco de guerra ou um julgamento de mediana importância. Os procedimentos de fideicomisso previam que sua mãe, com outros testamenteiros, certificaria a preparação profissional de Rupert e essa pantomima foi encenada perfeitamente.

De muitos papeis de similar complexidade excluímos os não qualificados. Tua família pode deixar-te um avião comercial, mas não pode te legar o direito a fazê-lo voar. O mesmo ocorre no caso de uma farmácia, ainda que, como disse Kipling, não há drogas tão perigosas como as palavras se não limitamos seu tráfico. Como temos que fazê-lo. O direito de construir um império nocivo como Newscorp é uma consequência indispensável da liberdade de expressão. Nenhuma sociedade livre, disse Rosa Luxemburgo, pode ser saudável sem ela. (Ela é a libertária mais confiável; se consultamos a direita, como em Hayek, vemos alguns sentimentos admiráveis. Mas logo começam as bobagens como dizer que governos autoritários podem ser, afinal de contas, liberais).

Evidentemente, esta liberdade não pode ser protegida por leis prescritivas (ainda que algumas modestas regulações possam ser úteis e nenhuma das dribladas pela Newscorp foram ou são barreiras para a liberdade, como tampouco o são as regras sobre a difamação). É uma questão de consciência, como deixa claro Rosa Luxemburgo com seu princípio de que “A liberdade é sempre e exclusivamente liberdade para aquele que pensa de maneira diferente”, o que se aplica inclusive quando o outro é Murdoch.
E, assim, tem seu custo: um preço que deve ser pago por todos os que acreditam neste princípio.

Assume várias formas e primeiro vem o esforço de impedir que a própria mente decaia (como no caso de cronistas de Murdoch como Michael Wolff), até que se começa a disseminar coisas insensatas sobre Rupert, o radical contrário ao establishment. Pode haver dias difíceis, chuvoso, quando alguém tem que trabalhar para a Newscorp. Mas ninguém deveria fazê-lo com a ilusão (ou pretensão) de que está fazendo um favor à sociedade, ou que está aprendendo a praticar jornalismo. Murdoch controla agora o suficiente do mercado do jornalismo em língua inglesa para que, qualquer um que queira manter-se livre, perca uma certa vantagem competitiva. As pessoas – que já estão preparadas – devem aceitar a limitação e deixar que Murdoch encontre seus empregados em outra parte. Devemos abandonar o argumento de “se eu não faço, haverá outro que o fará”.

Pode ser que custe mais aos políticos abandonar o hábito da Newscorp. Verdadeiros jornalistas, em qualquer meio, podem formar perguntas incômodas: não só paladinos da direita se sentiram a vontade com Rupert. E, como regra, seus desejos são poucos, só quem se elimine algo da lei de monopólios a qual os eleitores ignoram.

Basicamente, Newscorp é só uma das iniquidades geradas por quatro décadas de falta de moderação das classes altas, disfarçada como postura libertária. Possivelmente não existe cura. Mas se existe, virá com um clima moral muito diferente daquele que foi propício a Murdoch até agora.

(*) Bruce Page é autor (con Elaine Potter) de The Murdoch Archipelago, Pocket Books: 2004, 592pp. Para contatos: bruce@pages2.adsl24.co.uk.

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer

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