Opera Mundi, 27/07/2011
A pornografia e a indústria do sexo
Jaskiran Chohan | Washington
Em suas raízes, a pornografia surge como uma revolta contra o puritanismo promovido pela direita e pela fé cristã. No entanto, este legado não é nada mais que história, pois hoje reforça a opressão sexual feminina em vez de desempenhar um papel de dissensão. A pornografia é parte da indústria do sexo, mas esse termo também inclui a prostituição, os clubes de striptease e o baile erótico. As duas últimas manifestações apresentam a face respeitável de um mundo baseado na coisificação do corpo da mulher, mas também mostram o vínculo mais destacado entre o sexo e o mercado.
É fato conhecido que a prostituição existia durante a época greco-romana e também na antiga Mesopotâmia. No entanto, em muitos aspectos, estas mulheres eram mais liberadas sexualmente, pois não sofriam a estigmatização social por ter filhos com vários homens, e também podiam buscar um companheiro, como por exemplo as mulheres astecas. O que deu início à mudança foi a introdução da propriedade privada e da ideia da família nuclear, como definiu muito bem o marxista Friedrich Engels. Ele explicou que nossas relações com o mercado definem as relações pessoais e sexuais.
Assim, a família nuclear e a necessidade de filhos legítimos eram motivadas pelo acúmulo da riqueza e pela competição que dominava o mercado. Isso não só confinava a mulher aos limites do lar, como também lhe atribuía papéis de dona de casa ou cuidadora, encarregada do trabalho reprodutivo. Dessa forma, o prazer sexual era negado ao casal, e o sexo se firmava como função reprodutiva. Isso reforçou em grande medida a ideia de gozar do sexo fora do lar, habitualmente com prostitutas.
Alienação das emoções
Esse processo histórico tem muito a ver com o boom atual da indústria do sexo. De novo, as mudanças econômicas criaram uma indústria que oferece um acesso fácil à satisfação sexual. O desenvolvimento da tecnologia e o ritmo de vida que levamos nos transformaram em máquinas, completamente alienados de nossas próprias emoções, e a indústria do sexo respondeu a isso. Transformou o sexo e os desejos humanos em produtos vendáveis e apelos econômicos.
Não devemos esquecer que uma característica fundamental dos mercados é a de transformar as relações sociais. Estima-se que as receitas anuais da pornografia sejam maiores que as das indústrias do futebol americano, beisebol e basquete somadas. É tão rentável que, a cada ano, movimenta até sete bilhões de dólares, uma cifra que nem sequer inclui a prostituição.
A indústria do sexo não existe em sua própria bolha, e sim na rede do capitalismo global. No Estado espanhol, só duas em cada 100 trabalhadoras do sexo são autóctones, o que mostra claramente a influência das reestruturações econômicas encabeçadas pelo FMI, as quais agravaram a polarização e a pobreza mundial. Para muitas das imigrantes presas na indústria do sexo devido à falta de trabalho e de documentos, simplesmente não resta outra opção. Nesse aspecto, são fundamentais sindicatos e organizações que defendam os direitos das trabalhadoras do sexo, para evitar condições de trabalho ainda mais precárias.
Ao contrário do que dizem as pós-feministas, a indústria do sexo não é um exemplo da liberdade sexual da mulher, pois fortalece a superioridade masculina como parte do sistema capitalista que tenta dividir a classe trabalhadora sob falsos preceitos, como o das "raças" ou o do gênero. O exemplo que ilustra isso mais claramente é o fato de que os clubes de baile erótico e striptease são freqüentados majoritariamente por banqueiros e homens de negócios do setor financeiro. Não surpreende que este setor continue sendo um dos mais sexistas, onde as mulheres ainda precisam enfrentar muita pressão na questão sexual.
Não se trata de entrar na discussão sobre a liberdade das mulheres de escolher se querem ingressar ou não nessa indústria, já que as próprias forças do mercado e a maneira como se forma a cultura põem em dúvida essas ideias de suposta liberdade. A maioria das mulheres sofre uma pressão diária para ter uma imagem coisificada que domina nossa cultura e apoia-se no mercado capitalista.
A única maneira de combater essa opressão é, além de uma luta feminista, uma luta anticapitalista. O sexismo não poderá ser erradicado enquanto o sistema que o produz continuar em vigor.
O aumento da mortalidade infantil, a redução da escolarização, o crescimento do trabalho infantil, a perda de empregos e a redução de remessas de fundos aos países de origem: esses males se abatem sucessivamente sobre meninas e mulheres, vítimas em grande escala da recessão mundial. A organização não-governamental Plan Internacional que, além de realizar seu próprio estudo, compilou muitos outros realizados em todo o mundo, apresenta uma imagem completa em seu relatório intitulado "A situação das meninas no mundo em 2009", publicado esta semana. De forma argumentativa, o documento também demonstra em números as perdas que o Estado sofre ao renunciar à meta de escolarizar e integrar as mulheres ao mundo do trabalho.
Cobertura completa da crise
A discriminação em relação às meninas começa desde o berço (ou ainda antes, se levarmos em conta o "feticídio" de meninas). O Banco Mundial já identificou 58 países nos quais a crise poderia desembocar no agravamento da mortalidade infantil, que alcançaria a taxa de 400 mil mortes por ano.A crise ameaça também os avanços na escolarização das meninas. "No transcurso dos últimos vinte anos, a porcentagem de meninos entre 10 a 14 anos que nunca foram à escola caiu de 21% para 11%, e de 39% para 18% no caso das meninas", assinala o relatório. Mas agora, por falta de meios para pagar a escola ou obrigadas a ajudar nas tarefas domésticas por necessidade, muitas meninas podem ter que se distanciar das lousas.
Além disso, entre 2000 a 2006, o número de meninas aumentou mais do que o de meninos na escola primária, mas elas dificilmente conseguem passar o nível do ensino secundário (43% delas têm acesso a ele nos países em desenvolvimento). Entretanto, vários estudos demonstram que é necessário um mínimo de dez anos de escolarização para "rentabilizar as vantagens da educação no sentido econômico", afirma a Plan Internacional.
Para as jovens em si, continuar seus estudos tem um efeito muito concreto. "As que frequentaram o ensino secundário ganham 2 mil dólares a mais que aquelas que ficam na escola primária", observa o relatório, com apoio em dados do Banco Mundial.
Ao tirá-las da escola, a crise obriga as crianças a trabalhar, seja de maneira formal ou informal. Este fenômeno, entretanto, havia se reduzido nos últimos anos, segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT). Atualmente, não menos de 218 milhões de crianças de 5 a 17 anos de idade - ou seja, um em cada sete - trabalham, principalmente na economia informal.
Outra praga agravada pela crise: a prostituição. "As fábricas fecham por toda parte e, agora, as mulheres são abordadas por traficantes sexuais que perguntam se elas querem ir trabalhar no Ocidente", afirma Jitra Kotchadet, responsável sindical da Tailândia citado no relatório da Plan Internacional.
Mas é no emprego das mulheres que a recessão se faz sentir com mais força. Depois de discorrer sobre as consequências desastrosas das crises recentes sobre o trabalho feminino - a da Ásia em 1997, a da Argentina em 2001 e o surgimento da bolha da Internet nos Estados Unidos no mesmo ano -, o relatório aponta os primeiros efeitos da crise atual.
Segundo a OIT, em 2009, 22 milhões de mulheres de todo o mundo poderiam perder seu emprego, e a taxa de desemprego aumenta mais rápido no caso das mulheres do que no dos homens. A OIT afirma que entre 50% e 55% das mulheres empregadas ocupam postos considerados "vulneráveis" (pelo salário ou pelas condições), em comparação a 47% a 52% dos homens.
Nos países emergentes, onde o mercado de trabalho se feminilizou devido à globalização, especialmente no setor dos serviços, saúde e confecção de roupas, o impacto foi enorme. "No setor formal, e especialmente nas indústrias destinadas à exportação, nas quais 75% a 80% da mão de obra é feminina, cerca de 70% dos trabalhadores demitidos por causa da crise foram mulheres", diz a Aliança Nacional de Mulheres das Filipinas, citada pela Plan Internacional.
Na África, segundo Ritu Sharma, presidenta da WTW, coalizão de cerca de 50 associações norte-americanas, cerca de cem mil empregos estão ameaçados na indústria têxtil, dos quais 90% são ocupados por mulheres pobres.
Essas demissões massivas podem ter consequências dramáticas quando o emprego é exercido fora das fronteiras do país de origem. As mulheres representam "pelo menos a metade da população de imigrantes internacionais", segundo um relatório do Fundo das Nações Unidas para a População, por isso essa perda de empregos significa também uma queda nas remessas de dinheiro às famílias que ficam no país de origem.
Para 2009, o Banco Mundial prevê uma redução de 7,3% desse fluxo financeiro, avaliado em 2007 em 14.500 milhões de dólares.
Tradução: Eloise De Vylder
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