MONTBLÄAT – 403 - Rio de Janeiro, 30 de julho de 2011
Coisas que (me) incomodam e causam estranheza
Fritz Utzeri – criador e editor do Montblaat
Confesso que o radicalismo xenofóbico (é fascismo mesmo) europeu me enoja.
Durante séculos, os europeus (leia-se os homens brancos) se expandiram por todos os continentes do Mundo e oprimiram todas as etnias e religiões, massacraram povos inteiros em nome da “civilização” e do “cristianismo”. Só para ficar nos exemplos mais recentes, esquecendo as Cruzadas e os “descobrimentos”, basta lembrar o verdadeiro genocídio praticado pelos belgas no Congo, a opressão dos povos árabes pelos ingleses e a “colonização” do Magreb, principalmente da Argélia, pelos franceses. Com que moral agora os europeus não querem ver estrangeiros em suas praias? É apenas a volta do pau de aroeira no lombo de quem mandou dar.
Quando se passava fome na Europa, as Américas os acolheram aos milhões e agora nós, brasileiros e cucarachas em geral, somos olhados com desprezo e arrogância por povos que buscaram (e encontram) refúgio aqui.
Pessoalmente o racismo não me atinge, pois, afinal, nasci europeu e filho de europeus, mas vi um dia na Itália uma cena que me revoltou. Um senhor negro, já de certa idade, distinto, mostrou seu passaporte ao agente da
imigração e este o olhou com evidente cara de desprezo e uma superioridade que não tinha razão alguma (se tivesse que definir alguém como “superior” escolheria o africano). Após carimbar o passaporte o agente deixou – de propósito – que o documento caísse no chão. Revoltei-me, mas me segurei (na época não tinha passaporte comunitário) se o tivesse faria um escândalo. Baixei-me a apanhei o passaporte.
Os europeus ficaram ricos e se não fosse o fluxo de imigrantes muitos trabalhos que os “sinhozinhos” não querem mais fazer, quem os faria?
Como ricos passaram a não querer incômodos e deixaram de gerar filhos, ameaçando ficar em minoria devido ao fato que os imigrantes ainda veem no “proletariado” o sentido original do termo (a riqueza é a prole).
São esses imigrantes que mantem dinâmica de setores inteiros da economia. Lembro que na França, um epicier, traduziu para mim o sentido de “Arrab” (uma expressão carregada no “r” que muitos franceses dizem
com desprezo e medo). “Arab quer dizer loja aberta sete dias por semana, 24 horas por dia”.
É inegável que os europeus estão empenhados numa experiência de engenharia social e econômica inédita num continente em que as guerras foram a tônica até meados do século passado e mesmo mais recentemente como vimos na “limpeza étnica” da ex-Iugoslávia. Nasci na Europa, numa Alemanha devastada pela guerra insana, provocada pelo nazi-fascismo e sempre me admiro ao ver poucas cicatrizes e verdadeiras invasões de turistas em lugar de gente de bota capacete e fuzil. Mas as tensões afloram, cada vez mais e tendem a piorar com a crise econômica. A esquerda está perdida, sem rumo e os eleitores não a distinguem da direita tradicional. A casca de civilização que recobre tudo é fina e a anágua aparece com frequência. Experimente passar um réveillon em Paris. Nas duas vezes que o fiz me espantei com a violência, e os impulsos xenofóbicos aparecem com frequência, em grupos de skinheads e até em pessoas “respeitáveis”, apagadas e banais. O Islã é uma obsessão. O muçulmano é um terrorista nato que pratica uma religião violenta e vai acabar com o Cristianismo e a civilização.
Curioso é que ambos devem muito aos seguidores de Maomé. Se tivermos que contabilizar quem deve a quem em matéria terror, morte e opressão veremos que somos largamente imbatíveis, desde as Cruzadas. E isso para não falar da preservação da obra dos filósofos gregos e de imensas contribuições notadamente nas áreas da Matemática e Medicina. Historicamente, sempre que judeus e cristãos viveram sob domínio islâmico, foram mais bem tratados do que quando ocorreu o contrário. E a injustiça continua.
Porque os alemães não pagaram a conta do Holocausto? Por mim, Israel ficaria na Baviera e Munique passaria a ser Nova Jerusalém. Mas a conta sobrou para os palestinos, que entraram nessa como Pilatos no Credo. Alegam os sionistas o “direito ancestral” à Terra Prometida, mas se lermos no Antigo Testamento o que o povo de Israel fez, a partir de Josué, com os povos que lá estavam muito antes deles, veremos genocídios em que sequer os animais eram poupados (e por ordem explicita de Jeová!), episódios de vilania e traição, com os quais me divirto horrorizando minha sogra, com leitoras de trechos selecionados, como o
destino que Davi deu a Urias. Ou a história de Oola e Oliba. Leia, é puro xrated. Devia vir embalado em plástico, fora do alcance das crianças.
Sobre o terrorista norueguês, esse ser desprezível, pouco direi. Trata-se de um psicopata, como encontramos com frequência nas hostes nazistas. Sua apreciação do mundo é torta e idiota, a começar pela sua visão do Brasil
condenando – se é que o termo se aplica a tal indivíduo – a melhor coisa que esta civilização gerou: a miscigenação. Povos “puros”, ao contrario do que dizem os eugenistas, são fracos; misturar é bom, quanto mais melhor. Afinal não há raças nem diferenças entre nós. Pelo menos não deveria haver.
Quem olha para a cara de Andres Behring Brevic não imaginaria que ali está um assassino capaz de eliminar 77 pessoas a sangue frio. A expressão chega a ser plácida, um homem comum. Na Segunda Guerra cidadãos alemães,
boa parte voluntários, “bons pais de família”, faziam parte dos einsatzgruppen, grupos de extermínio, que matavam a sangue frio homens, mulheres e crianças com um tiro na nuca e iam dormir como se fossem dedetizadores que passaram o dia eliminando baratas. O que preocupa é justamente isso. Se os assassinos fossem monstruosos, nós nos separaríamos deles facilmente, mas a pergunta que cabe é “onde está o assassino em nos?”.
Lembro que quando trabalhava em Nova Iorque, um criminoso de guerra, um carrasco ucraniano que assassinara milhares de judeus, foi extraditado para a URSS (ainda existia). Os vizinhos revoltaram-se afirmado que ele
não podia ser mau, pois “cuidava muito bem de seu jardim” (!). Outra coisa que me chamou à atenção foi a passividade dos noruegueses massacrados, algo que me intriga e assusta desde que – ainda menino –
tomei conhecimento do Holocausto. Como foi possível? Como as pessoas se deixavam matar?
O assassino passou praticamente duas horas abatendo-os como galinhas e as vítimas não eram crianças como as da Escola Tasso da Silveira, em Realengo, mas pelo menos 500 jovens adultos. E na ilha havia hotéis e habitantes. Mesmo com um fuzil automático o assassino mataria 10, 20, mas acabaria pego se um grupo significativo se unisse e decidisse enfrentá-lo. E isso sem falar da polícia. Tá certo a Noruega é um país extremamente civilizado, mas tem tropa no Afeganistão e participou na ação contra Kadafi, na Líbia. A possibilidade de uma retaliação por parte de radicais islâmicos deveria ter sido levada em consideração. Mas apesar disso, em Oslo não havia um só helicóptero ou barco capaz de levar força policial até a ilha do massacre, a meros 600 metros do continente. Vá ser desprevenido assim lá... Na Noruega.
São Paulo, sábado, 30 de julho de 2011
MASSACRE
Noruega enterra primeiras vítimas; número sobe para 77
DAS AGÊNCIAS DE NOTÍCIAS - Uma semana após o massacre na Noruega, as primeiras vítimas foram enterradas ontem, em cerimônias cheias de comoção, como na da jovem Bano Rashid, 18, em um cemitério de Nesodden, sul de Oslo.
Na principal mesquita da capital, o primeiro-ministro, Jens Stoltenberg, disse que o ódio do extremista Anders Behring Breivik acabou "gerando amor". "O mal despertou o que há de melhor em nós", disse, em homenagem celebrada às 10h30 de Brasília, hora em que a bomba explodiu no dia 22.
O número de mortos subiu ontem de 76 para 77, depois que um dos feridos morreu.
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