A FEB na Itália
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31/07/2011
A FEB, O SANGUE E A OFENSA
Por Mauro Santayana
As guerras podem ser necessárias ou inevitáveis, segundo alguns. O que as torna mais insuportáveis é que nunca se concluem. Mesmo as contendas míticas, como a de Tróia, permanecem com sucessivas versões dramáticas, em que o heroísmo de alguns é contestado, e a astúcia de outros, execrada.
Neste mês de julho, há 67 anos, o primeiro escalão da FEB desembarcava em Nápoles. Os combatentes eram o sumo da sociedade brasileira de então, em que predominavam as atividades rurais. Mas parte deles procedia da classe média das cidades – como foram os pilotos do Primeiro Grupo de Caça. Há, até hoje, quem faça reparos à nossa participação no grande conflito. Resumo de um livro em que os brasileiros são desdenhados, editado na Itália há algum tempo, está circulando na internet, “Il Brasile in guerra. La partecipazione de la Força Expedicionária Brasileira alla campagna d’Itália, 1944-45”, de Andréa Giannasi.
Diz o autor que mais de dois terços dos recrutas foram dispensados com os primeiros exames médicos do Exército ainda no Brasil: eram portadores de verminose, alguns estavam tuberculosos e havia muitos sifilíticos. Isso era verdade entre nós, mas, pelo que sabemos, a sociedade da Itália Meridional de então não era mais saudável. O autor procura menosprezar a necessidade e a importância do Brasil no conflito, e – como muitos analistas – busca atribuir a participação a uma questão de vaidade nacional, que teria custado tantas perdas humanas ao país. Vamos admitir essa razão de natureza política e, em algum momento, de planejamento histórico. Se os aliados ganhassem a guerra, como esperávamos – e ocorreu – o Brasil emergeria do conflito em posição destacada no continente, e no mundo. Não se tratava de razão menor, e procurava afastar um grande risco: se os nazistas ganhassem o conflito, o Sul do Brasil se transformaria, com a Argentina, o Uruguai, o Paraguai e parte da Bolívia, na desejada “Germânia Austral”, o mais obsessivo dos projetos de Hitler. Não nos esqueçamos do que ocorria nos estados meridionais, de poderosa presença alemã e italiana. Além dos representantes diplomáticos e consulares, havia, na região, os delegados do Partido Fascista italiano e do Partido Nacional-Socialista da Alemanha. Os dois governos financiavam centenas de escolas em que se ensinavam o alemão e o italiano. Em São Paulo era numerosa a presença japonesa. Era poderosa pressão interna para que nos juntássemos ao Eixo, contra os aliados. E havia ainda os integralistas de Plínio Salgado, e outros.
Havia razões não só morais, na reação ao racismo germânico, como de geopolítica, para ficar ao lado dos aliados ocidentais. A declaração de guerra, no entanto, só veio depois da agressão abjeta que sofremos, na costa de Sergipe, com o afundamento de navios nacionais. Tive o privilégio de examinar os documentos alemães do período, e o que mais me tocou foi o Diário de Guerra do submarino U-507 que exerceu, sob a ordem direta de Hitler, a “caça livre” às embarcações brasileiras no quadrado marítimo escolhido. O comandante Harro Schacht anotou em seu Tageskrieg que, ao emergir na área, avistou um veleiro precário (tratava-se de um pequeno saveiro), cujo “capitão” saudara, sorrindo, o submarino, acenando com seu chapéu de palha. Schacht não o poupou: como a caça fosse diminuta, não gastou com ela torpedo: mergulhou e soltou uma bomba de profundidade, emergindo em seguida. De acordo com suas ordens de guerra, não se dispôs a salvar nenhum dos náufragos.
A agressão da costa de Sergipe provocou irada reação do povo brasileiro. Propriedades de alemães e italianos foram destruídas e saqueadas. O povo foi às ruas para exigir a guerra aos atacantes. E foi a morte de mais de mil brasileiros nesses ataques que nos levou à imediata declaração de guerra e à preparação do corpo expedicionário que enviamos à Itália.
Os nossos combatentes foram de extraordinária bravura na Europa. Eles, em sua maioria mestiços e homens do campo, eram rapazes simples. Não tinham o porte atlético dos nibelungos nórdicos, embora também participassem da FEB brasileiros descendentes de alemães e italianos, como o Sargento Wolff, um dos mais bravos heróis de nossas tropas. E foram esses homens simples que, com a sagrada ira da vingança contra a agressão traiçoeira e a bravura nos olhos e na alma, tomaram Monte Castelo, depois de duas tentativas frustradas, com terríveis baixas de nosso lado e se fizeram ainda mais valentes na conquista de Montese. Esses mesmos combatentes, em poucos dias, capturaram dois generais, oitocentos oficiais e 14.700 soldados alemães, em suma, a inteira 148ª. Divisão da Wehrmacht.
O mesmo heroísmo tiveram os jovens pilotos da FAB, quase todos da pequena classe média brasileira. Eram rapazes que haviam adquirido seus brevês pilotando leves aviões de lona, ou que aprenderam a voar para participar da expedição à Itália. Vinte e dois deles tombaram durante as missões.
O editor Leo Christiano reeditou, recentemente, os 34 números de “O Cruzeiro do Sul”, jornal dos pracinhas na Itália. Em seu segundo número, de 7 de janeiro de 1945, o jornal publica crônica de Rubem Braga que deve ser relida sempre. Depois de narrar o dia a dia de duro sacrifício do soldado da FEB, em sua “toca de raposa”, em terreno congelado - buraco onde deviam situar-se para o combate - o grande cronista lembra o dever dos cidadãos brasileiros para com o pracinha sem nome:
“Vocês são responsáveis pelo país dele, para onde ele voltará. Vocês, e não ele, são responsáveis por uma vida de decência, de liberdade do homem, de justiça social verdadeira. Que o sacrifício dele não seja em vão”.
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