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25/7/2011, Asia Times Online
Al-Qaeda cristã
Por Pepe Escobar
Imaginem se Anders Behring Breivik, louro, branco, 32 anos, olhos azuis, 100% norueguês, doido varrido cristão fundamentalista de direita e fascista, responsável pela explosão em Oslo e pelo assassinato deliberado (= targeted assassinations, diria a CIA) na ilha de Utoya que matou 76 pessoas… fosse imigrante e muçulmano.
Nem é preciso imaginar – porque os círculos concêntricos da indústria ocidental de islamofobia imediatamente atribuíram o massacre na Noruega à “al-Qaeda”. Depois, os fatos impuseram-se. Mas, esperem… “Targeted assassinations”? Assassinatos deliberados, uma bala milimetricamente em cada cabeça? Ninguém pode duvidar, nem por um instante, que o assassino tenha pensado numa fórmula segundo a qual, se o governo de Barack Obama pode fazer – no Af-Pak, no Iraque, no Iêmen, na Somália, e sempre em nome da civilização ocidental – nada poderia impedir que um escandinavo sarado exercesse idênticos direitos de matar, em sua terra.
As tendências sobrepostas da ideologia da al-Qaeda podem ser examinadas em detalhes, em livros como Al-Qaeda in Its Own Words [Al-Qaeda em suas próprias palavras], editado por Gilles Kepel e Jean-Pierre Milelli, publicado em inglês pela editora da Universidade de Harvard. Breivik, o solitário, também escreveu seu próprio tratado-manifesto de ódio [1]. São 1.500 páginas[1] e leva o título de 2083: Declaração de Independência Europeia. Aí também detona a democracia, o multiculturalismo e “o marxismo cultural” que estariam, para ele, destruindo a civilização cristã europeia.
Quer dizer, dado que a al-Qaeda – agora sob a liderança ideológica do Dr. Ayman al-Zawahiri –, já está em guerra de jihad defensiva (vez ou outra ofensiva) contra cristãos e judeus, Breivik convoca nada menos que uma jihad cristã para defender a Europa de nova invasão de muçulmanos.
A volta dos cruzados cristãos
O que comprova que Breivik não é doido solitário é que a ideologia que há por trás do manifesto não condena só todo o Islã per se, a imigração de muçulmanos para a Europa e o multiculturalismo, mas também as soluções neonazistas e raciais suprematistas que se usaram contra esses “males”. Breivik, assassino de massa que adora canções do [festival] Eurovision e o seriado norte-americano The Shield [um esquadrão da morte: policiais que fazem justiça pelas próprias mãos], e que tem porte autorizado de arma para uma Glock, um rifle automático e outra pistola, é típico apóstolo da nova narrativa da ultra-direita paneuropeia mais sofisticada – segundo a qual a batalha pela alma da Europa será disputada no campo da cultura. Depois de rápida visita à Dinamarca e sul da Suécia no outono de 2010, escrevi sobre essas questões mais amplas (“Letter from Islamophobistan”, Asia Times Online, 22/10/2010, http://www.atimes.com/atimes/ Front_Page/LJ22Aa01.html).
Breivik dá um passo adiante, porque acrescenta armas ao novo pensamento –, porque não se trata de os muçulmanos serem biologicamente inferiores ao ocidente cristão; o problema é que os princípios do Islã são absolutamente incompatíveis com o ocidente. É questão cultural. “Eles” não partilham “nossos valores” nem nosso modo de vida. Em esperto movimento de ‘marketing’ (ou de “Relações Públicas” como se diz nos EUA), essa explicação culturalista visa a atrair também os moderados europeus.
Breivik e sua gangue culpam a democracia parlamentar ocidental como um todo – aí incluído o ‘politicamente correto’ – por permitir que os muçulmanos estabeleçam-se na Europa como cavalos de Tróia. Tudo e todos são ameaças – a al-Qaeda, tanto quanto a burocrática União Europeia e a ONU multicultural. Breivik e os dele são, todo o tempo, Huntingtonianos – temendo um choque de civilizações bem ali, em casa. Não surpreende que o passo lógico tenha sido para Breivik tornar-se versão moderna dos Cavaleiros Templários em seu manifesto incongruente – e, assim, cria um caso exemplar. A agenda dos Templários: “tomar o controle político e militar dos países da Europa Ocidental e implementar uma agenda política e cultural conservadora”.
“Al-Qaeda” – ou a nuvem de franquias e simulacros rotulada como “al-Qaeda” – não tem os recursos necessários para atacar a Europa e, além do mais, essa não é sua prioridade”; prioridade é o Af-Pak, a Ásia Central e a Índia, como já declarou Ilyas Kashmiri, principal comandante militar da al-Qaeda. Mas a prioridade do terror fundamentalista cristão é, declaradamente, a Europa. E os ataques virão tanto de loucos solitários, como Breivik, quanto de grupos organizados.
Progressistas ocidentais devem acender o alerta vermelho. Tabus terão de ser superados – principalmente para que se identifiquem as estratégias misturadas mas quase sempre violentas empregadas pelo fundamentalismo cristão de ultra-direita e pelos sionistas, para fomentar a islamofobia no ocidente. Por exemplo, os islamofóbicos, como os sionistas hardcore veem a opressão dos palestinos como defesa que Israel mobiliza num choque de civilizações. Breivik, discípulo modelo, elogia norte-americanos islamófobos notórios, como Pam Geller e Daniel Pipes, tanto quanto fustiga o apoio da Noruega à independência da Palestina e o reconhecimento como estado soberano.
Breivik escreveu: “É hipocrisia tratar muçulmanos, nazistas e marxistas como se fossem diferentes. Todos apoiam ideologias do ódio. Nem todos os muçulmanos, os nazistas e os marxistas são conservadores. Muitos são moderados. E que diferença faz?”
Não faz diferença: todos os fascistas são sedutores oportunistas. Haverá sangue – muito mais sangue, agora que a Europa terá de enfrentar o coração de suas trevas. Cuidado com o retorno – em massa – do cristão cruzado de olhos azuis.
Nota
1. Principais excertos retirados Repubblica, Itália, em http://download.repubblica.it/ pdf/2011/memoriale_oslo1.pdf? ref=HREA-1.
Tradução do coletivo da Vila Vudu
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