terça-feira, 12 de julho de 2011

História com durex

São Paulo, terça-feira, 12 de julho de 2011

História com durex

Carolina Vila-Nova/Folhapress

Funcionária faz triagem de documentos da época do comunismo na Alemanha Oriental (hoje extinta) para restauração


CAROLINA VILA-NOVA
EM BERLIM

Mais de 20 anos depois da queda do Muro de Berlim, um pequeno grupo ainda tenta reconstituir à mão, pedaço por pedaço, documentos secretos parcialmente destruídos nos momentos finais do regime da antiga República Democrática Alemã (RDA, ou Alemanha Oriental) e assim desvendar uma parte da história do país hoje unificado.
No outono de 1989, enquanto o regime ruía, funcionários da Stasi, a poderosa polícia secreta da Alemanha Oriental, tentaram destruir os registros de décadas de espionagem e de repressão.
Os chamados "colaboradores extraoficiais" - estimados em 180 mil naquele ano - também participaram da tentativa, temendo que familiares e amigos viessem a descobrir seu papel no regime. Em 15 de janeiro de 1990, aos gritos de "fora, Stasi", a população invadiu o complexo de prédios da polícia secreta em Berlim, pondo fim à destruição dos papéis.
Hoje, 14 pessoas se debruçam, em Berlim e em Zindorf (Baviera), sobre os sacos de papéis picados recuperados após a invasão. Elas participam do projeto Reconstrução Manual, financiado pelo governo e mantido pelo Comissariado Federal para Documentos da Stasi desde 1995.
Parece um quebra-cabeças impossível. Mas os pequenos recortes deixam pistas sobre sua importância, como explicaram à Folha o diretor do projeto, Andreas Petter, e outros pesquisadores.
Com frequência, os informes têm um cabeçalho que indica seu autor por siglas. A sigla IMF, por exemplo, identifica um "colaborador informal inimigo" - ou seja, um espião com acesso a países europeus não comunistas, uma das categorias mais altas. Indicam também seus possíveis destinatários: onde se lê "amigos", entende-se que a KGB soviética esteve a par do assunto. Além disso, os sacos são identificados pela sigla do "departamento" da Stasi que os originou.
A maioria dos papéis data dos períodos finais do regime comunista. Porém os pesquisadores reconstituíram papéis do nazismo obtidos pelo governo da Alemanha Oriental após o fim de guerra. Crê-se que eram usados pela Stasi para expor ou pressionar pessoas que haviam colaborado com os nazistas.
Há ainda documentos reconstituídos que evidenciam a cooperação entre os espiões da RDA e de regimes da esfera soviética - como um memorando de 1955 com a assinatura original de Walter Ulbricht (então chefe do partido oficial) e de autoridades tchecas, visto pela Folha.
Outros papéis, preparados pelo "departamento da igreja" da Stasi, mencionam declarações do papa Pio 12.

RECONSTRUÇÃO VIRTUAL

De 1995 para cá, os trabalhadores manuais conseguiram recompor 900 mil páginas. Mas isso é só 2% do total estimado: ainda há 15,5 mil sacos de papéis recortados.
Em 2000, o Parlamento alemão determinou que fosse encontrado um modo de acelerar os trabalhos. Numa parceria com o Instituto Frauenhof, em Berlim, foi criado então o projeto-piloto Reconstrução Virtual, com a participação de 50 pessoas. O projeto visa reconstruir, dentro de três anos, o conteúdo de 400 sacos, com estimadas 1,5 milhão de páginas. Para isso, está sendo aperfeiçoado um "software-quebra-cabeças" que busca combinar os pedaços digitalizados pela análise de contornos, letras, linhas e cores.
Para Petter, porém, o projeto virtual não deve substituir a reconstrução manual. Ele cita o caso da recomposição de diversas cartas originais, escritas pelos presos políticos para as suas famílias, mas que foram apreendidas pela Stasi e nunca entregues.
"São conteúdos altamente emocionais. Cartas que o preso espremia em uma letra minúscula, porque era o permitido. Para isso, a reconstrução virtual não serve. O filho quer ver a carta escrita pelo pai, com a letra do pai." Os resultados do piloto devem ser levados ao Parlamento, e daí depende o futuro da reconstrução. Na crise, há pressão por corte de gastos.
Petter faz uma defesa apaixonada do seu trabalho. "A sociedade precisa de uma fonte confiável para entender a história, dar-se conta de onde viemos e como o passado influencia nossa vida hoje."

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