quarta-feira, 20 de julho de 2011

Governo anuncia medidas para proteger setor textil da desindustrialização

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São Paulo, quarta-feira, 20 de julho de 2011


Governo não age para evitar a desindustrialização, diz Ivo Rosset

Rodrigo Capote/Folhapress

Ivo Rosset, dono da Valisére e da Cia. Marítima, em seu escritório no Bom Retiro

MORRIS KACHANI
DE SÃO PAULO

A indústria têxtil brasileira vive sua maior crise e, se nada for feito pelo governo no sentido de reavivá-la, 2,5 milhões de empregos correm o risco de evaporar em questão de poucos anos.
O alerta é de Ivo Rosset, proprietário do Grupo Rosset, que detém 65% do mercado de produção de tecidos no país e também as marcas Valisère e Cia. Marítima.
O elo fraco da cadeia que alimenta essa indústria, de acordo com ele, está no setor das confecções (corte e costura dos tecidos para a produção de roupas), que têm sofrido com a concorrência das mercadorias chinesas, mais baratas e nem por isso com qualidade inferior.
"Nada foi feito nos últimos 20 anos. O país está caminhando para a desindustrialização e o governo não está agindo", afirma.
Rosset é um dos empresários com melhor trânsito em Brasília. Encontrou-se com Lula e com Dilma diversas vezes. Conversa frequentemente com o ministro Guido Mantega. Foi um dos primeiros empresários a apoiar o PT e filiou-se ao partido em 2009.
Há um mês, esteve na capital federal como representante do setor têxtil, quando apresentou uma proposta de aliviar a carga tributária das confecções adotando o regime do Simples como imposto único, independentemente do faturamento.

 
Folha - Como vai a indústria têxtil no país?
Ivo Rosset -
De um lado, temos a produção de tecidos, que também sofre com a concorrência chinesa. Como o segmento de tecido plano (produção de tecidos para camisas sociais, por exemplo). Várias fecharam em Americana, que é um grande centro de produção.
Existia também um mercado enorme para produtos como a viscose com fio elastano. Mas os chineses entraram a um preço que não dava para competir. Todos que produziam pararam. E as grandes malharias no Sul estão com problema, elas eram muito mais fortes do que hoje.

E as confecções?
A confecção é o polo que está mais focado na competição com a China. Se não resistir, vai atingir o setor como um todo, pois são as confecções que compram os tecidos que produzimos. Comparando a situação de uma costureira brasileira com a chinesa, a distorção é enorme. Aqui, um funcionário custa para o empregador 2,4 vezes a mais que o salário dele. Por isso propomos o regime do Simples - dessa forma as confecções pagariam 12% sobre tudo.

Por que só as confecções?
Conversando com a presidente, dei um exemplo. Uma empresa de confecção com 2.000 pessoas talvez fature o equivalente a 5% de uma indústria automobilística que também tem 2.000 pessoas. E a confecção não vai suportar a concorrência chinesa. É uma cadeia que emprega muita gente e está destinada a desaparecer caso não se faça algo com muita urgência. Estamos falando de 2,5 milhões de empregos diretos e um universo de 8 milhões.

Em que estágio estamos?
Crítico. Toda rede varejista importava de 5% a 10%, agora é de 35% a 40%.

Há gente quebrando?
O pessoal vai fechando. Muitos estão saindo do Brasil e indo para a China. Outro dia conversei com um fabricante de um outro setor, da Mundial, do Rio Grande do Sul. A ação dele disparou na Bolsa porque sua rentabilidade aumentou. Ele fechou tudo que tinha de produção no país e foi fabricar na China. Estamos matando emprego nosso e dando emprego pra chinês.
A Marcopolo [fabricante de ônibus] foi embora, está produzindo em outro lugar e mandando os ônibus para cá. Vai chegar um momento em que ou transfiro as atividades da Rosset para fora ou sei lá o que vai acontecer.

O que mais pode ser feito?
Nós estamos dentro de um modelo que não muda há 20, 30 anos e que só teve aumento de carga tributária. Na China, eles têm quase 80 milhões de pessoas empregadas nesse segmento. Não sou favorável ao método deles. Dão albergue e comida às pessoas, mas não pagam previdência. E o salário não passa de US$ 100, enquanto aqui é de US$ 1.000, fora a carga tributária. Nosso funcionário é mais eficiente que o chinês. Só que o sistema não ajuda.

O sr. está se referindo à moeda forte e à taxa de juros?
Estamos assistindo ao filminho sem fazer nada. Pior que isso, há Estados como Santa Catarina que incentivam a importação baixando o ICMS. Essa é a maior afronta ao Brasil que já vi.

O país está caminhando para a desindustrialização?
Total. A questão é: queremos ou não ser um país industrializado? Se sim, as medidas precisam ser imediatas. Se não, vamos nos tornar um país de serviços. Só que vamos pagar um preço muito alto lá na frente. Veja o que aconteceu com os Estados Unidos, com o desastre da indústria automobilística, por exemplo. O país agora chora os empregos perdidos e não consegue reempregar.

Existe abandono do setor pelo governo?
Não diria abandono, mas diria que o governo está sem saber direito o que fazer. Eles ouvem, mas não vejo ação. Não sei qual a dificuldade que existe, se é burocracia.

E o BNDES?
Não adianta dar cortisona, é preciso repensar o modelo. Aplicar o Simples a todas as confecções, sem limite de faturamento, é uma mudança radical. Daí, sim, o BNDES pode entrar. E não são grandes investimentos, é coisinha pouca, bem menos do que a fusão do Abilio [Diniz, do Pão de Açúcar].

Ásia pressiona setor têxtil em todas as fases, diz CNI

CAROLINA MATOS
DE SÃO PAULO

FELIPE VANINI BRUNING
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Com custos de produção muito menores, a concorrência asiática pressiona o setor têxtil brasileiro em todas as fases, da indústria de tecidos à de confecções, afirma a CNI (Confederação Nacional da Indústria).
Assim, embora o segmento venha aumentando o número de trabalhadores e de empresas, perdeu importância relativa na economia.
"É a grande frustração da indústria têxtil: por falta de políticas de apoio, perdeu a chance de expansão internacional, que a Ásia aproveitou, e corre o risco de não dar conta do crescimento da demanda interna", diz Flávio Castelo Branco, gerente-executivo de política econômica da CNI.
Hoje, o setor representa 3,5% do PIB (Produto Interno Bruto) do país, segundo dados da Abit (Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção).
Alguns itens, como tecidos para camisas, ternos e jaquetas, deixaram de ser produzidos no Brasil porque grande parte das tecelagens fechou, diante de falta de condições para competir com os produtos importados.
Além disso, roupas prontas vindas da Ásia, tanto feitas por empresas estrangeiras como por brasileiras instaladas lá, ganham a disputa com produtos nacionais.
A CNI destaca que a situação foi agravada pela valorização do real, que barateou as importações.
O economista Alexandre Schwartsman afirma que a crise em dois dos principais mercados consumidores de confecções e têxteis e brasileiros -EUA e Europa- tem impacto negativo na indústria nacional. "Eles ainda não recuperaram a demanda."

FINANCIAMENTO
De acordo com Roberto Chadad, presidente da Abravest (Associação Brasileira do Vestuário), faltam alternativas de financiamento para a cadeia de confecções, pulverizada em mais de 23 mil micro e pequenas empresas.
"Esses empresários não dispõem de uma estrutura administrativa para apresentar projetos ao BNDES. Desse modo, ficam reféns de financiamentos caros", diz.


OPINIÃO


Com novas medidas, indústria têxtil vislumbra 'contra-ataque'

AGUINALDO DINIZ FILHO
ESPECIAL PARA A FOLHA

A desoneração da folha de pagamentos e a unificação da alíquota do ICMS para mercadorias importadas foram as boas notícias que a indústria têxtil e de confecção recebeu do ministro da Fazenda, Guido Mantega.
Também foi instituído grupo técnico a fim de analisar propostas para ampliar a competitividade setorial: intensificar fiscalização do comércio de importados e criar linhas de financiamento.
As medidas respondem à perda de competitividade do setor, abalado pelo custo Brasil e pelo câmbio sobrevalorizado, que o expõem ao ataque internacional e a práticas comerciais pouco éticas.
Resultado: foi de US$ 5 bilhões o deficit da balança setorial em 2010 -US$ 2,17 bilhões do intercâmbio bilateral com a China. O problema se agrava: o saldo negativo do comércio multilateral no ano (até maio) já foi de US$ 1,89 bilhão -46,2% maior que no mesmo período de 2010).
A despeito de todas essas dificuldades, que nos custaram a criação de 135 mil empregos no ano passado, o setor continua investindo (mais de US$ 2 bilhões em 2010) e priorizando diferenciais competitivos civilizados e politicamente corretos, como o respeito a direitos trabalhistas e ao ambiente, design avançado, tecnologia, inovação e serviços de qualidade.
O Brasil tem a quinta maior indústria têxtil e de confecção. Possivelmente, passaremos ao quarto lugar em 2011.
As empresas estão em todo o território nacional e mesclam uma base produtiva forte, ampla, diversificada e fomentadora de conhecimento e inovação. Temos semanas de moda com importância global, cadeia de distribuição com mais de 100 mil pontos de venda e um dos maiores mercados consumidores.
Portanto, a partir das medidas anunciadas, o setor agregará melhores condições para se defender do assédio de concorrentes estrangeiros.
Assim, delineiam-se novas perspectivas, viabilizadas pelo diálogo e o entendimento entre sociedade e governo. Pode-se vislumbrar até mesmo um contra-ataque, mirando o universo de consumo das economias com as quais temos hoje desvantagem no comércio bilateral.

AGUINALDO DINIZ FILHO é presidente da Abit (Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção).

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