Jornal do Brasil, 03/07/2011
Itamar: um honrado patriota
Por Mauro Santayana
O homem que morreu neste sábado não pertencia às elites políticas ou empresariais de Minas. Engenheiro, filho de descendentes de imigrantes (o pai, de alemães, e a mãe, de italianos) Itamar teve uma infância de classe média modesta. Não chegou a conhecer o pai, que morreu pouco antes que nascesse. Formado, com as dificuldades da situação familiar, em engenharia, aos 24 anos, trabalhou no saneamento básico na periferia de Juiz de Fora, antes de integrar os quadros do DNOCS. Esse contato com o povo o levou à vida pública.
Itamar não foi um político definido pelos estereótipos. Destacaram-se em sua personalidade e ação política os dois sentimentos que orientam os grandes homens públicos de Minas: o do nacionalismo – que vem da Inconfidência - e o da justiça social. Não há como negar a Itamar o alinhamento ideológico à esquerda. Um de seus ídolos desde a adolescência foi o gaúcho Alberto Pasqualini, dos mais importantes pensadores políticos brasileiros e conselheiro de Getúlio.
Como é de conhecimento público, prestei assessoria informal ao Presidente, e, mais tarde, ao governador. Pude acompanhar, de perto, seu empenho na defesa dos interesses nacionais e da moralidade no governo. Acompanhei, de perto, as suas preocupações, quando decidiu adotar, a conselho de membros da equipe econômica, o expediente antiinflacionário da Alemanha dos anos 20 – o Plano Schacht. Era a segunda vez que se tentava, no continente, a mesma estratégia contra a hiperinflação, bem conhecida como matéria de estudos financeiros. A primeira fora a do Plano Austral, da Argentina. Também o Plano Cruzado, de Sarney, contemplava algumas de suas medidas.
Conhecedor de matemática, Itamar reviu o plano, ponto a ponto, fez correções que lhe pareceram apropriadas e, só depois disso, assinou a medida provisória que o implantou.
Poucos dias antes de sua internação, estive em seu gabinete, em companhia do Embaixador Jerônimo Moscardo, que foi seu Ministro da Cultura. Ao nos cumprimentar, visivelmente gripado, Itamar reclamou do ambiente frio do Senado. “Esse ar acondicionado é de matar”. E disse que estava com uma gripe que não cedia.
Convidou-nos para uma visita ao gabinete do presidente José Sarney, ao lado do seu. Conversamos os quatro, alguns minutos, sobre a situação do país e do mundo. Relembramos a personalidade de Tancredo Neves e episódios menos conhecidos do processo de transição democrática que, pelas circunstâncias do tempo, Sarney e este jornalista haviam vivido mais de perto.
Itamar estava preocupado com a situação do país, e a necessidade de que se formassem líderes capazes de enfrentar as dificuldades internacionais do futuro próximo. Naquele mesmo dia, ele solicitara da Mesa do Senado a transcrição de um artigo meu, publicado neste jornal, de reparos ao seu sucessor.
O grande êxito de Itamar pode ser explicado pela renúncia pessoal às glórias e pompas do poder. Não foi açodado em assumir o governo, depois do impeachment de Collor. Coube a Simon instá-lo a isso, sob o argumento da razão de Estado: o poder não admite o vazio. Logo que assumiu a Presidência, reuniu todos os dirigentes partidários e líderes no Congresso, sem excluir ninguém, nem mesmo o folclórico Enéas Cardoso. Disse-lhes que estava disposto a convocar eleições imediatas para a Presidência e Vice-Presidência, se estivessem de acordo. Silenciou-se, à espera da resposta – e ninguém concordou. Por duas ou três vezes, ele me disse que, apesar daquela recusa unânime, talvez tivesse sido melhor consultar o povo, naquela difícil circunstância.
Quando se pôs o problema de sua sucessão, tendo em vista a sua altíssima popularidade – de mais de 80% - alguns líderes políticos lhe propuseram a apresentação de emenda constitucional permitindo a sua reeleição. Itamar recusou, com veemência, a proposta. O democrata não poderia admitir o golpe que seu sucessor desfecharia.
Mais do que sanear a moeda, Itamar ficará na História por haver recuperado a credibilidade da Presidência da República junto ao povo brasileiro. Poucos, muito poucos, dos que exerceram o alto cargo ao longo da História, ficarão na memória da Nação com a mesma e sólida presença de Itamar Franco, modesto homem do povo, intransigente patriota, severo guardião do bem público. São Paulo, domingo, 03 de julho de 2011
O Real é de Itamar
CLÓVIS ROSSI
Sergio Lima - 6.out.10/Folhapress
ATENAS - O Plano Real, aquele que finalmente domou a intratável inflação brasileira, é sempre atribuído a Fernando Henrique Cardoso. Há certa lógica nisso: foi a equipe que FHC montou na Fazenda que, de fato, elaborou o plano e deu início à sua execução.
Contudo é injusto omitir que o presidente da República naquele momento chamava-se Itamar Franco - que, se não leva a glória de tê-lo concebido, merece a homenagem pela coragem de bancar uma ideia ousada. É justo, pois, resgatar esse papel, não porque todo morto sempre vira santo, mas porque ele é real, historicamente verdadeiro.
Do meu ponto de vista, vale lembrar outro aspecto relevante: de todos os presidentes com os quais lidei nos 24 anos em que ocupo este espaço, foi o que menos críticas recebeu, mas de longe, de muito longe. Não por condescendência ou por amizade ou qualquer coisa do gênero, mas porque o governo de Itamar Franco produziu poucos escândalos e anomalias, mesmo assim menores.
Conto um episódio singelo para demonstrar, no detalhe, como Itamar Franco respeitava o cargo que ocupou no Planalto. Durante uma cúpula qualquer em Santiago, no Chile, ele não quis participar do almoço tradicional. Foi para o hotel, e lá ficamos os jornalistas no indefectível plantão, esperando uma palavra ou uma saída.
Itamar, de fato, queria sair para ir a um shopping center, mas não queria que o seguíssemos, porque achava que não ficava bem um presidente ser visto -e, acima de tudo, fotografado- em um local comercial, como um turista qualquer.
Coisinha banal, eu sei, mas ilustrativa de uma personalidade singela, presidente por acaso.
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