09/07/2011
EM PLENO COMBATE
Por Mauro Santayana
Itamar Franco morreu em sua hora mais forte, ao retornar ao Senado em plena maturidade, para uma vigorosa batalha na resistência nacionalista. Ele tinha a consciência de que essa seria a sua última missão política. Desde a campanha eleitoral, ele me confiara o seu projeto obstinado, desde a emenda da reeleição: fazer Minas voltar à direção da República. Sua convicção era a de que os mineiros têm uma posição nacionalista mais arraigada do que os brasileiros de outros estados, a partir de uma constatação elementar: “nós fomos muito mais roubados do que os outros”. Menos otimista, eu lhe lembrava que nascer em Minas não basta para garantir o patriotismo nem a ética de ninguém. Ele concordava, embora dissesse que, pelo menos entre os governantes mineiros, os entreguistas foram ínfima minoria. Seu otimismo o levava a sonhar que o retorno de Minas ao governo da União significaria a reestatização da Vale do Rio Doce e de outras empresas públicas, privatizadas durante o governo de seu sucessor.
No caso da Vale do Rio Doce, Itamar se somou ao grande pernambucano Barbosa Lima Sobrinho, na campanha contra a privatização, reunindo, em seu escritório de Juiz de Fora, representantes dos movimentos nacionalistas para redigir e divulgar um manifesto à nação. Infelizmente as forças contrárias, nutridas pelo poder econômico e pela avassaladora pressão internacional em favor do Consenso de Washington e da globalização financeira, foram mais poderosas.
Sua experiência diplomática reafirmou-lhe a idéia de que todos os povos levam a sério a sua própria soberania, e que as nações mais fortes têm como norma desdenhar a soberania alheia. Embora as circunstâncias da vida política, em país de partidos ocos de idéias e de programas, o tenham conduzido a mudar de legendas e a firmar alianças eleitorais exigidas pelas circunstâncias, ele manteve, em sua atuação pessoal, no poder legislativo e no poder executivo, intransigente coerência ética e doutrinária. Ao contrário do que muitos supunham, Itamar confiava mais do que talvez lhe conviesse. “Ninguém me engana, se olhar nos meus olhos”, era uma de suas frases prediletas. Quando descobriu que o haviam enganado de forma pesada, sorriu, e colocou a culpa nos óculos.
Ele tinha real admiração pelos intelectuais, mas preferia ouvir, antes de tomar decisões fortes, seu grupo de amigos de Juiz de Fora, que o acompanhavam desde moço, alguns de sua mesma idade e outros um pouco mais jovens. Entre eles nem sempre havia unanimidade. Itamar pesava os argumentos e resolvia agir de uma ou outra forma, muitas vezes contra a opinião de todos.
Seu grande orgulho foi o de haver impedido, de forma corajosa, a privatização do complexo hidrelétrico de Furnas. A desestatização da grande empresa já estava decidida, quando Itamar reuniu o alto comando da Polícia Militar de Minas e deixou claro que iria resistir - com a força de que dispunha - à alienação das usinas instaladas em Minas. Ele sabia como agir: a cota da represa só fora alcançada mediante um dique, que continha as suas águas na divisa entre a bacia do Rio Grande – tributário do Paraná – e a do São Francisco. Se o dique se rompesse, mediante uma carga de explosivos, as águas da represa verteriam no São Francisco, e não moveriam as turbinas da usina principal à jusante. A fama de que ele era louco, difundida pelos jornais, quando ele decretou a moratória das dívidas de Minas, conteve seus adversários.
A organização francesa ATTAC e o jornal Le Monde Diplomatique convidaram-no a participar de reunião internacional na França, contra a globalização financeira. Ele foi o único governante estrangeiro a participar do encontro, em razão de sua resistência à ditadura do novo capitalismo liberal.
Outra medida que tomou, e que o fez merecedor da gratidão dos mineiros, foi recuperar o controle sobre a Cemig. A Cemig é a primeira e grande realização de Juscelino, e início da grande tarefa de modernização do Brasil nos anos que se seguiram. Mais do que uma empresa, a Cemig significa, para os mineiros, um ato de inteligência técnica e autonomia política. O governo anterior, submisso ao Planalto, entregara um terço da empresa aos norte-americanos, mediante a intervenção do Banco Opportunity. Dantas, com 3% do capital, e mediante um acordo de acionistas, tinha o poder de veto sobre as decisões da empresa. Como só lhes interessassem os lucros, esses acionistas minoritários imobilizavam a empresa e impediam o reinvestimento em novas hidrelétricas. Itamar foi à Justiça, ao mesmo tempo em que tomava outras providências de caráter político. Os escândalos de Wall Street, que atingiram os investidores norte-americanos da Cemig, levaram-nos a não pagar os empréstimos obtidos junto ao BNDES, o que facilitou a transferência de suas ações a investidores brasileiros.
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