sexta-feira, 15 de julho de 2011

Duas críticas ao "Chico", do Chico

Pré-Venda: CD Chico Buarque - Chico


O Globo, 15/07/2011
às 01h16m

crítica

'Chico': novos encantos a cada audição

 
João Máximo 

 

RIO - Com parceiros novos ou antigos, fazendo música para letra ou letra para música, seja com quem for ou, mais ainda, sozinho, Chico Buarque há de ser sempre Chico Buarque. É o que seu novo disco, simplesmente "Chico" (Biscoito Fino), prova mais uma vez.
Como nos dois anteriores - sobretudo o último, "Carioca", de cinco anos atrás -, se sua poesia tem a mesma excelência, a mesma inventiva, a mesma força que o mantém no topo dos melhores nomes de nossa lírica, a música que veste suas palavras continua exigindo cada vez mais atenção. Ou melhor, novas e novas leituras. Quanto mais ouvida, mais encantos se descobre nela (ao contrário das mais antigas, que eram casos clássicos de amor à primeira audição).
O clima das canções do novo disco varia ao longo das dez faixas - marcha, valsa, samba, samba-canção, blues, baião -, mas nada impede que quem as criou não pare acrescentar personagens à sua galeria de tipos, ou casos à sua coleção de histórias. Em Chico Buarque, como em nenhum outro, poeta e cronista (ou romancista) andam sempre juntos. O que o novo disco também prova mais uma vez.
O primeiro personagem, um caminhante solitário, quase um morador de rua, está em "Querido diário", toada que abre o disco. Sem amor, sem fé, sem nada, apanha da vida, mas, por ser macio, não quebra. Tipo familiar a quem quer que tenha olhos para nossa miséria urbana, mas novo na obra de Chico.
As quatro músicas seguintes cantam o amor de diversas maneiras. Em "Rubato", o cantor faz ou plagia ou retoca música para a amada. O baixista Jorge Helder é o parceiro da vez. "Essa pequena" funciona como novo tratamento para um tema a que volta e meia o autor retorna: o desencontro amoroso. A música e a voz de Chico, mais o violão, provavelmente de Luiz Claudio Ramos, acentuam a levada blues da canção. "Tipo um baião", claro, é quase um baião. Como a história é quase um romance.
Em "Se eu soubesse", Chico e Thais Gulin cantam um começo de namoro menos romântico e mais moderno do que "A noite dos mascarados" - lá se vão 35 anos. "Sem você 2" é outra canção de amor. Mas, ao contrário da número 1, de Tom & Vinicius, a ausência do outro é encarada com tocante resignação: "Sem você é um silêncio tal / Que ouço uma nuvem a vagar no céu / Ou uma lágrima cair no chão/Mas não tem nada, não..."
"Sou eu", novo samba com Ivan Lins, já teve gravação anterior do próprio Chico. Só que, desta vez, a voz de sambista que canta com ele é a de Wilson das Neves, ainda empenhado em dividir as baquetas com o gogó. O refrão contagia: "Sou eu, só quem sabe dela sou eu / Quem dança com ela sou eu / Quem manda no samba sou eu."
"Nina" é menos personagem do que parceira do poeta em sua entrada no mundo do amor virtual. Como observa Arthur Nestrovski, no texto de apresentação do disco à imprensa, o Google Maps entra aqui como o orelhão em "Bye, bye, Brasil" e a secretária telefônica em "Anos dourados". Mas, sendo uma bela valsa, faz pensar no que teria sido o disco só de valsas que em certa época Chico pensou em fazer, ideia que abandonou talvez por receio de parecer datado, talvez por preferir projeto mais variado.
Em "Barafunda", outro samba, a memória roda, perdendo-se entre nomes, lugares, cores, fotos, fatos, para tudo acabar em Garrincha, Cartola e Mandela.
"Sinhá" fecha o disco com uma história como só Chico Buarque sabe contar - é verdade que muito ajudado pelo tom afro da música de João Bosco. O negro talhado no pelourinho, por ter enfeitiçado a sinhá branca, é teatro puro, uma das paixões de nosso melhor compositor-letrista teatral.
Luiz Claudio Ramos é, como tem sido há anos, o arranjador que melhor entende Chico Buarque. Cercado de músicos de primeira, dá ao disco a unidade que sublinha a variedade de climas. Uma discreta, mas valiosa contribuição para que Chico Buarque seja, sempre, Chico Buarque.

Marcos de Paula/AE
 Marcos de Paula/AE

O Estado de São Paulo, 15/07/2011
 

Chico o tempo e as canções

 
Lauro Lisboa Garcia - O Estado de S.Paulo
 
Num dos vídeos postados no site chicobastidores.com.br, como forma de criar interesse antecipado (os modernos teasers) pelo novo álbum de Chico Buarque, o violonista e diretor musical Luiz Cláudio Ramos comenta que uma das faixas do CD, Barafunda, é "um samba de velho". "São as lembranças que não são mais claras. É o Chico lidando com o amadurecimento dele." O personagem da canção lembra o velho doente do livro Leite Derramado, mas não é o único momento do bom CD Chico (que chega aos consumidores em forma física no dia 20, com 4 mil exemplares vendidos antecipadamente pela gravadora Biscoito Fino) em que o autor lida com a ação do tempo e sua adaptação de homem maduro à modernidade do século 21.

O uso da internet como plataforma de divulgação de seu CD não é a descoberta da pólvora, mas para ele é uma ferramenta nova e um tanto difícil de lidar. Até porque foi dessa forma que descobriu, confessadamente espantado, mas com altivez e bom humor, que não é mais a "unanimidade nacional" da década de 1970 - alvo inclusive dos ataques de internautas recalcados.
Nas canções, essa questão do tempo se manifesta, sempre com leveza poética, em Essa Pequena ("meu tempo é curto, o tempo dela sobra/ Meu cabelo é cinza, o dela é cor de abóbora"), falando da relação de um homem maduro com uma mulher jovem; e Tipo Um Baião, em que utiliza vícios de linguagem da geração shopping center-MP3 para expressar conflito próximo ao das personagens da outra canção, contrapondo-se à "pequena", garota no sentido figurado, fora de uso há décadas no vocabulário masculino.

http://contigo.abril.com.br/resources/files/image/2009/7/50645-1-original.jpg?1283303056


Se Eu Soubesse, outra canção amorosa, tem a participação da novata cantora Thaís Gulin , que especula-se ser sua nova namorada, com menos da metade da idade dele. O guitarrista Frado (Fernando Monteiro), da banda de Thaís, dá seu toque de modernidade introduzindo distorções na parte final de Tipo Um Baião.

http://www.robdigital.com.br/releases/Thais_Gulin_capa.jpg

Enfim, tipo moderno, Chico alude ao contemporâneo - como na letra de Nina ("Nina diz que seu eu quiser eu posso ver na tela/ A cidade, o bairro, a chaminé da casa dela"), em que sugere penetrar na intimidade da personagem, indo além da capacidade invasiva do Google Maps. Porém, experimenta a diversidade sonora, com ritmos e gêneros todos considerados "velhos" - choro, canção, samba, baião, valsa, blues, marchinha, toada, afro-samba. O próprio formato de canção como se conhece, de acordo com o que o próprio Chico já alertou, é típico do século passado. E daí?
No formato e nos arranjos, Chico abre discretamente caminhos divergentes de seu habitual universo criativo, como na desconcertante Rubato, parceria com o baixista Jorge Helder, uma das melhores faixas. "Não é baião, não é blues, não é samba, é tudo tipo alguma coisa, tipo baião, tipo samba. É um tipo disco", brinca Chico.
Sem Você 2, outra canção de amor das mais elaboradas, também tem ligação com outros tempos. A referência óbvia é Sem Você, uma das primeiras parcerias de Tom Jobim e Vinicius de Moraes, de que Chico gosta "desde sempre". Chico teve a oportunidade de gravá-la com o próprio Tom, no songbook dele. "Enfim, eu me apropriei um pouquinho dessa música, coloquei no meu penúltimo show, é uma música muito presente", diz, num depoimento em vídeo. "Então quando veio essa minha música, a letra falava "sem você", quis dar um outro título pra ela, mas não cabia", prossegue. Então Chico propôs a Luiz Cláudio Ramos a introduzir a música com uma lembrança da canção original de Tom e Vinicius.
Amadurecimento. Para Ramos, esse trabalho reflete o "amadurecimento mesmo", tanto em termos de letra e desenvolvimento literário. De fato algumas faixas são histórias em forma de canção, como é o caso do sensacional afro-samba Sinhá, parceria com João Bosco, que narra o açoite de um negro no pelourinho por supostamente ter visto a tal sinhá despida. Autor da melodia, Bosco contribuiu com seu violão inconfundível, assovio e vocal.
Rubato, que significa roubado em italiano, é uma letra "espelhada" sobre um compositor que rouba a música de outro, que foi roubada de outro. "Ele aproveita e já adapta a música para a namorada dele, a primeira era Aurora, essa aí já adapta a música pra Amora, que por coincidência rimava com a namorada do primeiro compositor e no fim já tem um terceiro compositor, um terceiro ladrão, que fez a música pra Teodora", diz Chico.
O compositor também revela-se mais apurado como instrumentista, além da riqueza melódica e harmônica do CD, com a contribuição de sua impecável banda. Segundo Ramos, Chico não gravava tocando violão, como nesse disco. "Acho que possivelmente ele está se sentindo mais seguro em participar como músico mesmo com a gente", diz o violonista. "A gente começou a ensaiar e eu fui tocando. Ninguém falou nada, ninguém tirou o violão da minha mão", diz Chico. "Aí, pra minha surpresa, quando eu vi, tinha no estúdio um microfone pra gravar. Não falei nada." Ele brinca, aludindo a seus dotes futebolísticos, que se tivesse com as mãos a metade da habilidade que tem com os pés seria um Paco de Lucia. "Eu literalmente meto os pés pelas mãos. O ideal pra mim seria isso, seria poder ser um melhor instrumentista, confiar mais nas minhas mãos e gravar à vera, violão e voz junto com os músicos. Como se fosse um show ao vivo."
Outro fator que contribuiu para o impecável resultado sonoro foi a possibilidade de ensaiar sem pressão. A ideia de trabalhar nessa linha foi do maestro, "um pouco pelo fato de Ramos ter agora um estúdio em casa", explicou o compositor. Isso facilitou as coisas,pois geralmente quando se chega a um estúdio para gravar há uma contagem do tempo ("tem um "taxímetro" rodando ali"), que é sinônimo de custo. No estúdio de Ramos não havia tal cobrança. "Tínhamos o nosso horário, a gente ficava mais à vontade para trabalhar. Quando chegamos aqui as músicas já estavam prontas, entrávamos no estúdio mais conscientes do que era o disco."

http://www.quepuxa.com.br/wp-content/uploads/2011/06/chico_buarque.jpg



São Paulo, sexta-feira, 01 de julho de 2011

Ódio on-line

RUY CASTRO
 
RIO DE JANEIRO - Na esteira de seu novo disco, à venda num site para o qual as pessoas podem escrever o que quiserem, Chico Buarque fez uma grave constatação. "Eu achava que era amado, porque as pessoas iam ao show, me aplaudiam, e, na rua, me cumprimentavam", ele disse. "Descobri, na internet, que sou odiado. As pessoas falam o que lhes vem à cabeça. Agora entendi as regras do jogo."

Sim, são as novas regras. Chico Buarque, possivelmente, nunca foi a unanimidade que se pensava - ao lado das multidões que lhe são gratas pela beleza que espalha em letra e música há quase 50 anos, sempre devem ter existido os inconformados com seu sucesso, com seu talento, com suas rimas, talvez até com seus olhos claros.

A diferença é que os que não gostavam dele não se dariam ao trabalho de ir a seus shows para hostilizá-lo e, se passassem por ele na rua, não se disporiam a desfeiteá-lo. A vida real tem seus códigos de convívio - nela, para melhor andamento dos trabalhos, somos mais tolerantes e evitamos dizer o que pensamos uns dos outros. Mas a internet está fora desses códigos.

Nesta, ao sermos convidados a "interagir" e a "postar" nossos comentários, podemos despejar tudo que pensamos contra ou a favor de quem quer que seja. Quase sempre, contra. Uma sequência de comentários - que, em poucas horas, são milhares - a respeito de qualquer coisa nas páginas on-line é uma saraivada de ódios, despeitos, rancores, recalques e ressentimentos. E, não raro, num português de quinta. Pode-se ofender, ameaçar e agredir sem receio, como numa covarde carta anônima coletiva.

Alguns dirão que isso tem um lado bom - com a internet, acabou a hipocrisia e, agora, as pessoas podem se revelar como realmente são. Que ótimo. Resta perguntar quando elas passarão à prática - do ódio on-line contra X ou Y para sua manifestação concreta na rua.

Nenhum comentário:

Postar um comentário