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sexta-feira, 15 de julho de 2011
Choque de classes
São Paulo, sexta-feira, 15 de julho de 2011
Choque de classes
MOISÉS NAÍM
A teoria do "choque de civilizações", popularizada por Samuel Huntington, reza que, uma vez esgotado o conflito entre comunismo e capitalismo, os principais conflitos internacionais ocorrerão entre países com identidades culturais e religiosas diferentes. Muitos pensaram que o terrorismo islâmico e as guerras no Afeganistão e Iraque confirmavam essa teoria. Mas os conflitos têm se dado mais no interior de civilizações que entre elas.
Devotos terroristas islâmicos assassinam mais inocentes muçulmanos que quaisquer outros. E o conflito entre xiitas e sunitas continua a produzir vítimas - quase todas muçulmanas.
Uma das principais fontes de conflitos destes tempos não guarda relação com choques entre civilizações, mas com expectativas frustradas. Os conflitos têm se originado cada vez mais pelo fato de que, em certas partes do mundo, a classe média cresce, enquanto em outras partes ela se reduz. As frustrações de ambas terão fortes repercussões políticas internas e internacionais. Os países pobres de crescimento econômico acelerado hoje têm a classe média mais numerosa de sua história. É o caso de Brasil e Gana, China e Chile, Índia e Indonésia.
Estas novas classes médias não são tão prósperas quanto as dos países ricos, mas têm níveis de renda sem precedentes. Enquanto isso, em países como Espanha, França e Estados Unidos, a renda da classe média está em declínio. Em 5 milhões de famílias espanholas, todos os membros em idade economicamente ativa estão desempregados. Apenas 8% dos franceses opinam que seus filhos terão vida melhor que a deles. Em 2007, 43% dos americanos diziam que seu salário era o suficiente apenas para chegarem ao fim do mês. Hoje, 61% afirmam estar nessa situação.
As classes médias que crescem rapidamente geram tanta instabilidade política quanto aquelas que decrescem. As aspirações insatisfeitas da classe média chinesa ou brasileira são tão politicamente inflamáveis quanto a nova insegurança econômica da classe média que está deixando de sê-lo no mundo desenvolvido.
Isso não significa que a classe média de um país vá se engalfinhar com a classe média de outro. Significa que os respectivos governos estarão submetidos a pressões enormes ou para satisfazer as aspirações crescentes da nova classe média ou para proteger a classe média que já existe. Políticos nos países avançados aproveitaram a situação para declarar que a decadência da classe média se deve ao crescimento de outros países. Que os empregos perdidos nos EUA ou na Europa, ou os salários estagnados, devem-se à China, à Índia ou ao Brasil.
Isso não é verdade. A deterioração da classe média nos países desenvolvidos se deve às mudanças tecnológicas e a outros fatores domésticos, e não ao crescimento dos emergentes.
Já nos países pobres, a nova classe média vai rapidamente exigir mais e melhores escolas, água, hospitais, transportes e todo tipo de serviços públicos.
Não existe governo no mundo que atenda a essas exigências na mesma velocidade em que elas se produzem. A instabilidade política provocada por esse abismo já é visível em muitos países.
As consequências internacionais ainda não são tão evidentes. Mas serão.
MOISÉS NAÍM é associado sênior do Carnegie Endowment for International Peace, em Washington. Ele passa a escrever em Mundo às sextas-feiras
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