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sexta-feira, 8 de julho de 2011
O escândalo do 'News of the World': Fecha jornal inglês de 168 anos
São Paulo, sexta-feira, 08 de julho de 2011
Escândalo acaba com jornal de 168 anos
Scott Olson/France Presse
O magnata Rupert Murdoch
VAGUINALDO MARINHEIRO
DE LONDRES
O escândalo das escutas telefônicas ilegais fez o magnata Rupert Murdoch fechar o jornal dominical de maior circulação no Reino Unido.
Depois de amanhã será publicada a última edição do "News of the World", que foi criado em 1843 e vende em média 2,7 milhões de exemplares a cada domingo.
Para muitos, é uma tentativa de Murdoch esfriar o caso e acabar com um título que parecia condenado após os principais anunciantes do Reino Unido cancelarem contratos de publicidade.
Havia também uma campanha para que os leitores boicotassem a publicação. Tudo provocado pelas revelações de que repórteres do jornal acessaram a caixa postal do telefone de ao menos 4.000 pessoas, entre elas políticos, celebridades, membros da família real, vítimas de crimes e até familiares de soldados mortos nas guerras do Iraque e do Afeganistão.
O mais provável é que o conglomerado de Murdoch, que edita quase 200 jornais pelo mundo, lance em breve um novo tabloide dominical. A aposta é que se chame "Sun on Sunday" ou "The Sunday Sun". "The Sun", tabloide que circula de segunda a sábado e vende 2,8 milhões de exemplares por dia, também pertence a Murdoch.
O escândalo começou em 2005, quando surgiram suspeitas de escuta ilegal de mensagens em telefones de funcionários da família real. A polícia investigou e dois anos depois concluiu que era um caso isolado. À época, um repórter e um detetive que trabalhavam no jornal foram presos. Mas novas denúncias e investigações provaram que as escutas eram rotina no jornal, em sua busca por informações exclusivas de casos policiais ou escândalos sexuais de celebridades.
"O negócio do 'News of the World' é chamar os outros à responsabilidade. Mas o jornal não foi capaz de agir assim com relação a si mesmo", disse James Murdoch, vice-diretor de operações da News Corporation.
O fechamento do jornal não acaba com o inquérito público que será aberto para apurar os crimes cometidos pelo "NoftW". A polícia também continuará com suas investigações e há expectativa de que executivos da News Corporation, de Murdoch, sejam detidos. Andy Coulson, que era editor do jornal em 2005 e depois foi secretário de Comunicação do primeiro-ministro, David Cameron, pode ser preso ainda hoje.
O "News of the World" tem uma importância simbólica para Murdoch. Foi o primeiro jornal a ser comprado por ele no Reino Unido, em 1969. A partir dele, o empresário criou seu império de comunicação no país, que inclui os jornais "The Times" e "Sunday Times", os canais Sky e 39% da BSkyB, a maior provedora de TV por assinatura no Reino Unido. Murdoch quer agora o controle total da BSkyB, num negócio de 12 bilhões de libras (R$ 30 bilhões).
A compra precisa ser aprovada pelo governo porque proprietários de meios de comunicação rivais afirmam que fere leis da concorrência. A decisão do governo deveria sair nesta semana, mas deve ficar para setembro.
A justificativa oficial é que há muitos documentos a serem analisados, mas o governo é pressionado a vetá-la.
Jornal tem sexo, crimes e crianças sumidas
DE LONDRES
O "News of the World" se gabava de ser o jornal em inglês mais lido do mundo. Segundo dados oficiais, a circulação aos domingos chega a 2,7 milhões de exemplares. Nos anos 1960, quando começaram a ser auditadas as vendas, alcançava mais de 6 milhões. Sua receita de sucesso sempre foi sexo, crime e algumas histórias humanas (crianças desaparecidas ou doentes, por exemplo).
Aos domingos, as pessoas iam às bancas para saber que um jogador famoso traía a mulher com prostitutas (Wayne Rooney), que um campeão olímpico fumou maconha (Michael Phelps), que um dirigente da Fórmula 1 participava de orgias (Max Mosley) ou que Sarah Ferguson vendia acesso ao príncipe Andrew, seu ex-marido. Havia também reportagens mais sérias, como a de corrupção na Fifa (federação internacional de futebol) ou de jogadores paquistaneses que combinavam o resultado de jogos de críquete em troca de dinheiro, que valeu um prêmio ao jornal.
Para obter essas informações, valia quase tudo. Repórteres se disfarçavam, usavam identidades falsas e câmeras escondidas e, agora se sabe, alguns faziam escutas ilegais.
Não há dados oficiais sobre o faturamento do jornal. Os números mais citados por analistas giram em torno de 180 milhões de libras por ano (R$ 460 milhões). Dois terços vêm de circulação, e um terço de publicidade.
Ainda não foi definido o destino dos 200 profissionais da redação. Eles continuam a receber salário por ao menos 90 dias. (VM)
Ator se vinga de jornalista com gravação oculta
DE SÃO PAULO
O ator britânico Hugh Grant, um dos alvos dos grampos do "News of the World" ("NotW"), amargou vários dias como caça, mas não hesitou à chance de se promover a caçador.
Após uma infeliz coincidência em dezembro de 2010, na qual, ao ter problemas com seu carro em uma estrada no condado de Kent (sudeste da Inglaterra), foi "socorrido" por Paul McMullan - ex-editor do tabloide, que confessou tê-lo grampeado -, ele não resistiu ao desejo mais visceral por vingança.
Meses depois, quando convidado para escrever um artigo para a revista semanal "New Statesman", lembrou do convite feito por McMullan e foi visitá-lo em seu pub, na cidade de Dover. Levou consigo um gravador escondido.
"Pensei que poderia conseguir mais [informações sobre as escutas] e que poderia ser mais divertido se eu o gravasse secretamente. O autor do grampo, grampeado", afirma Grant em texto publicado no último dia 12 de abril na revista. Ele, contudo, confessa: "O mais absurdo é que me senti um pouco culpado por gravá-lo".
No artigo, ele reproduz a conversa com McMullan, que descreve com indisfarçável sarcasmo a dinâmica de trabalho de tabloides como o "NotW". Segundo o jornalista, Andy Coulson, ex-porta-voz do primeiro-ministro britânico David Cameron, e também ex-editor do "NotW", sabia das escutas telefônicas e "regularmente encomendava" os grampos.
O próprio premiê, de acordo com McMullan, "devia saber". "Este é o grande escândalo. Ele [Cameron] teve de 'ir para a cama' com [o dono do conglomerado News Corporation, Rupert] Murdoch, como todo o mundo, começando pela [ex-primeira-ministra Margaret] Thatcher, Tony Blair", disse o jornalista a Grant.
McMullan, no entanto, inocenta Murdoch, dizendo que o "meio puritano" empresário possivelmente não sabia da prática de seus funcionários.
O jornalista defendeu as escutas como uma forma de garantir uma "sociedade razoavelmente justa" e livre de políticos "corruptos e criminosos".
Mas admitiu a Grant que o negócio é lucrativo: só pela foto que fez do ator com o carro enguiçado no meio da estrada recebeu 3.000 libras (R$ 7.500) do "Daily Mail".
Editoriais
Imprensa criminosa
Jornais tabloides britânicos se tornaram sinônimo de leviandade na apuração dos fatos, exagero nos relatos e espetacularização da notícia. Após 168 anos em circulação, o dominical "News of the World" - um dos mais bem-sucedidos na exploração do sensacionalismo - desaparece das bancas vitimado pelos próprios excessos.
O caso não se restringe a mau jornalismo. Em causa está uma sucessão de atos criminosos que já levou envolvidos à prisão e deve resultar em novas punições para funcionários da News International, de Rupert Murdoch.
O caso chama a atenção pela extensão, pela aparente certeza de impunidade e pelo grau de desconexão dos editores e repórteres com boas práticas do jornalismo e com regras triviais de decência.
Já se sabia há anos que o tabloide havia contratado um investigador particular para grampear e invadir caixas postais telefônicas de celebridades. O anticlímax, contudo, veio nesta semana: a revelação de que, em 2002, o jornal invadira a caixa postal de uma adolescente de 13 anos desaparecida, o que deflagrou a ira do público.
Os violadores do sigilo ouviram recados deixados por amigos e parentes, gente desesperada em busca de um ente querido. Não bastasse isso, apagaram mensagens para abrir espaço para novas gravações, o que levou a família a crer que a jovem estivesse viva, quando já havia sido assassinada.
Ao todo, estima-se que 4.000 pessoas tenham sido atingidas pelo esquema, inclusive familiares de militares mortos no Iraque e no Afeganistão e de vítimas dos atentados de 2005 em Londres.
Ultrapassou-se, como é óbvio, toda e qualquer fronteira de privacidade. A imprensa não tem o direito de promover escutas clandestinas nem de violar correspondências. Só se admite que veicule conteúdo assim obtido se seus agentes não forem os autores da quebra de sigilo e caso a informação seja de interesse público.
"O "News of the World" está no negócio de chamar os outros à responsabilidade. Mas falhou quando se tratava de si próprio", resumiu comunicado da direção do jornal. Um epitáfio apropriado.
ANÁLISE
Caso diz mais sobre a elite do poder do que sobre mau jornalismo
NELSON DE SÁ
ARTICULISTA DA FOLHA
Filho de Rupert e principal executivo da News Corp., James Murdoch deu entrevista à Sky News, canal de notícias da própria corporação, e foi questionado se vai "apenas substituir o 'News of the World' pelo 'Sun' de domingo". O "Sun" é o tabloide do grupo para dias de semana. Respondeu que "agora o foco está em preparar a última edição" do tabloide dominical "e quaisquer decisões sobre o futuro são para a próxima semana".
Mas o domínio thesunonsunday.co.uk e outros foram registrados três dias atrás. E o "Sun" sai hoje com a manchete "World's end", fim do mundo ou do "World", sua primeira capa para o escândalo do "jornal irmão".
Para a consultoria Enders Analysis, "é certo como o dia segue a noite que o 'Sun on Sunday' estará entre nós nos próximos meses", até porque o "World" deixa para trás cerca de 10 milhões de leitores - e anunciantes ansiosos para atingi-los.
O tabloide dominical era o jornal mais rentável da News Corp. no país. O jornal de 168 anos foi comprado pelo então australiano Rupert Murdoch em 1969, iniciando o império global de mídia que hoje abrange também o "Times" e pode alcançar a BSkyB, serviço inglês de TV por satélite em que a News é sócia minoritária, mas fez oferta para ter o controle.
Para a Enders, a decisão de fechar o "World" foi tomada visando garantir que os reguladores aprovem a aquisição do controle da BSkyB, de faturamento muito superior. O governo britânico sinalizou ontem que pode ceder à pressão e adiar a aprovação.
E o escândalo não dá sinais de ceder. O "Guardian", jornal londrino que revelou e investigou o caso quase sozinho nos últimos três anos, informou que um ex-editor do "World", também ex-porta-voz do primeiro-ministro David Cameron, deverá ser preso hoje.
Também segue sob pressão outra ex-editora, Rebekah Brooks, hoje principal executiva do braço internacional da News.
Segundo o repórter Nick Davies, que comandou desde o início a cobertura no "Guardian", Brooks é vista por Rupert Murdoch como "a filha que não teve", daí a resistência em aceitar seus supostos pedidos de demissão.
Davies foi também o jornalista que negociou com o WikiLeaks a divulgação dos segredos militares e diplomáticos americanos pelo "Guardian". Sobre o caso, ele dizia ontem, em vídeo:
"Não é uma história sobre jornalistas se comportando mal. É uma história sobre a elite do poder, sobre a organização de notícias mais poderosa do mundo, sobre o partido mais poderoso do país. E como todos presumiram que a lei não valia para eles".
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