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Ferreira revisita Jango. Espártaco não era petista. Gaspari leva um tiro
- Publicado em 18/07/2011
Ferreira faz Gaspari jogar uns chapéus no lixo (sobram outros)
“João Goulart – uma biografia”, de Jorge Ferreira, editado pela Civilização Brasileira, Rio, 2011 é um murro no estômago no historialismo brasileiro – essa cruza de Jornalismo e História, que resulta na diminuição dos dois.
Ferreira demonstra que o esquecimento de Jango foi uma política deliberada. Desqualificar um Governo que lutou pelas Reformas de Base dentro da Constituição. Um herdeiro de Vargas. Um Governo que lançou as bases para a política de reformas dos Governos Lula e Dilma.
Para esquecer Jango, os conservadores, explica Ferreira, aplicavam o desqualificativo “populista”. Vargas, JK (que teve menos votos que seu vice, Jango), Jango, Brizola, Lula – todos cometeram o pecado da “tentação populista”, segundo os conservadores. Ferreira mostra que “populista”, em si, não quer dizer nada – é apenas forma de preconceito contra o objeto das políticas reformistas e seus autores. Serve para desqualificar quem defende as reformas que beneficiam os pobres.
“Populista” é o equivalente a “incompetente” – que é como Cerra chamou Lula e agora Dilma – clique aqui para ler “Cerra é candidato se si mesmo – que bom!”. Ferreira, porém, mostra que Cerra não foi sempre assim. Na pagina 420, Ferreira revela que Cerra, presidente da UNE, no Comício da Central que precipitou o Golpe contra Jango, Cerra condenou de “forma contundente” as ameaças a uma central sindical, depois de pregar o fim da vitaliciedade de cátedra na universidade. A “contundência” sobrevive. Noutra direção: da extrema direita.
O livro de Ferreira merece mais do que análise num post da internet. É uma obra de recuperação não só de Jango, mas também da geração dele e das idéias que levaram para o exílio e as salas de tortura, como Rubens Paiva, que Fernando Henrique não tem a coragem de reparar. Porém, cabe, de saída, aproveitar o lançamento de “João Goulart” para dar relevo a um aspecto que analista da Folha, neste sábado, menosprezou.
O “esquecimento” de Jango e sua desqualificação serviram para legitimar a intervenção militar de 1964. O mais prolífico historialista da intervenção militar é Elio Gaspari, autor de trabalho jornalístico que culmina com a tese de que Geisel e Golbery foram Washington e Jefferson da democratização brasileira. Washington e Jefferson puseram ordem na matroca em que se tinha transformado a intervenção militar.
Gaspari usa vários chapéus. Um deles é precisamente este que Ferreira flagra logo na primeira pagina da Introdução. O Jango de Gaspari era por si próprio motivo para justificar o Golpe militar:
“Sua biografia raquítica fazia dele um dos mais despreparados – Gaspari é dos que consideram Cerra “o mais preparado”, PHA – e primitivos governantes da história nacional. Seus prazeres estavam na trama política e em pernas, de cavalos ou de coristas”
“ … condicionantes de classe (sic) interferem na conduta política dos homens públicos, podendo levá-los da temeridade à vacilação e dela ao imobilismo …”
(A banalidade se aplica tanto a Napoleão quanto a Stalin. Mas, vamos adiante.)
“No caso de João Goulart”, diz o colonista (*) da Folha (**), “independentemente da classe em que estivesse (sic), ele seria sempre um pacato vacilante“.
(Estabelece-se aí uma relação entre Psicologia e Sociologia que faria Max Weber morder-se de inveja !)
Logo, rasgue-se a Constituição ! Que venham os militares iluminados pela teoria da Segurança Nacional. E pau no povo!
(Gaspari, porém, é contra a tortura. Geisel e Golbery são geniais, mas, a tortura foi “um erro”.
É mais ou menos assim: Gaspari chegou para a secretária de Hitler e garantiu em troca dos bilhetinhos: eu faço a melhor biografia possível dele, mas, com os campos de concentração, não concordo !)
O “esquecimento” de Jango e sua desqualificação para legitimar o Golpe se constroem, com perfeição, na súmula vinculante de Gaspari. A “crítica” da Folha poupa o colonista (*) da casa.
Porém, o “mal” está feito: a biografia de Ferreira é um passo gigantesco na obra de reconstrução desse passado. Deveria sensibilizar, também, os arrogantes ideólogos do petismo de São Paulo, que se acreditam inventores do trabalhismo.
O PT de São Paulo descobriu Vargas no Governo Lula, mas não sabe quem foi Jango. Nem Celso Furtado, Evandro Lins e Silva, Darcy Ribeiro, Hermes Lima, San Tiago Dantas, Araújo Castro, Dr. Tancredo, Almino Afonso, Baby Bocaiúva, Raul Ryff, Doutel de Andrade, Sérgio Magalhães, Waldir Pires, Roberto Silveira, Paulo de Tarso …
Desconhecem os que trabalharam sob a liderança de Jango e iniciaram a obra que os heróis de Gaspari interromperam em 64: trazer a patuléia (como diz o de muitos chapéus) ao proscênio. O PT de São Paulo acredita que Espártaco era afiliado ao partido, da corrente do José Dirceu.
Ferreira vai desconstruir a obra que “esqueceu” Jango. Os (são muitos) Gaspari serão a maior vítima. Mas o PT de São Paulo vai tomar um susto.
O copyright perdeu a validade.
Paulo Henrique Amorim
(*) Não tem nada a ver com cólon. São os colonistas do PiG que combateram na milícia para derrubar o presidente Lula e, depois, a presidenta Dilma. E assim se comportarão sempre que um presidente no Brasil, no mundo e na Galáxia tiver origem no trabalho e, não, no capital. O Mino Carta costuma dizer que o Brasil é o único lugar do mundo em que jornalista chama patrão de colega. É esse pessoal aí.
(**) Folha é um jornal que não se deve deixar a avó ler, porque publica palavrões. Além disso, Folha é aquele jornal que entrevista Daniel Dantas DEPOIS de condenado e pergunta o que ele achou da investigação; da “ditabranda”; da ficha falsa da Dilma; que veste FHC com o manto de “bom caráter”, porque, depois de 18 anos, reconheceu um filho; que matou o Tuma e depois o ressuscitou; e que é o que é, porque o dono é o que é; nos anos militares, a Folha emprestava carros de reportagem aos torturadores.
Joaõ Goulart e Leonel Brizola
Memória de Jango
Por Mauro Santayana
Não tive ainda a oportunidade de ler o livro do professor Jorge Ferreira sobre o Presidente João Goulart, mas a simples evocação do grande brasileiro me conduz a algumas lembranças pessoais de um homem solidário com seu povo e que conquistava todos os que o conheciam.
Em 1953, logo depois de nomeado Ministro do Trabalho, Jango visitou Belo Horizonte. Fui encarregado pelo Diário de Minas, onde trabalhava, de acompanhá-lo, em seus contatos oficiais e com os líderes sindicais mineiros. Jango vestia um terno branco, de linho irlandês (S120, para os que ainda se lembram daquele tempo). Em determinado momento alguém lhe fez um pedido, ele não encontrou caneta nem papel em seus bolsos e apelou para o jovem repórter que se encontrava ao lado. Ofereci o que tinha, uma folha de papel e uma caneta Sheaffers, de tinta azul. Por uma dessas imprevisíveis fatalidades, a caneta começou a soltar a tinta, sujando as mãos do Ministro. Jango, em ato contínuo, limpou suas mãos no próprio paletó, até então imaculadamente limpo. Fiquei constrangido, e ele me disse que não me incomodasse – continuaria usando a caneta – e retirou do bolso um lenço, passando a usá-lo para limpar os dedos, a cada vez que escrevia.
Em 1975, estive em Buenos Aires para redigir um livro sobre a Argentina. Visitei o escritório comercial de Jango, instalado no centro da cidade. Conversamos sobre os dois países e a situação política. O presidente se lembrou do nosso exílio em Montevidéu – quando nos vimos algumas poucas vezes – de Belo Horizonte e de minha caneta esbodegada.
– Tu me deves um terno de linho irlandês, lembrou para o meu desconforto, e sorriu. Como eu estivesse em companhia de Wania, minha mulher, cujo sofrimento nos meses que se seguiram ao golpe ele conhecia, bateu-me afetuosamente no ombro, enquanto a olhava, e disse:
Por Mauro Santayana
Não tive ainda a oportunidade de ler o livro do professor Jorge Ferreira sobre o Presidente João Goulart, mas a simples evocação do grande brasileiro me conduz a algumas lembranças pessoais de um homem solidário com seu povo e que conquistava todos os que o conheciam.
Em 1953, logo depois de nomeado Ministro do Trabalho, Jango visitou Belo Horizonte. Fui encarregado pelo Diário de Minas, onde trabalhava, de acompanhá-lo, em seus contatos oficiais e com os líderes sindicais mineiros. Jango vestia um terno branco, de linho irlandês (S120, para os que ainda se lembram daquele tempo). Em determinado momento alguém lhe fez um pedido, ele não encontrou caneta nem papel em seus bolsos e apelou para o jovem repórter que se encontrava ao lado. Ofereci o que tinha, uma folha de papel e uma caneta Sheaffers, de tinta azul. Por uma dessas imprevisíveis fatalidades, a caneta começou a soltar a tinta, sujando as mãos do Ministro. Jango, em ato contínuo, limpou suas mãos no próprio paletó, até então imaculadamente limpo. Fiquei constrangido, e ele me disse que não me incomodasse – continuaria usando a caneta – e retirou do bolso um lenço, passando a usá-lo para limpar os dedos, a cada vez que escrevia.
Em 1975, estive em Buenos Aires para redigir um livro sobre a Argentina. Visitei o escritório comercial de Jango, instalado no centro da cidade. Conversamos sobre os dois países e a situação política. O presidente se lembrou do nosso exílio em Montevidéu – quando nos vimos algumas poucas vezes – de Belo Horizonte e de minha caneta esbodegada.
– Tu me deves um terno de linho irlandês, lembrou para o meu desconforto, e sorriu. Como eu estivesse em companhia de Wania, minha mulher, cujo sofrimento nos meses que se seguiram ao golpe ele conhecia, bateu-me afetuosamente no ombro, enquanto a olhava, e disse:
– Se os militares te fazem a vida impossível, vem com tua família. Na estância haverá um lugar para todos, e não faltará uma ovelha para carnear.
Foi a última vez que o vi. Fiquei preocupado porque ele mantinha sempre à mão comprimidos de trinitrina: sofria de cardiopatia, e o remédio, poderoso, serviria para, em caso de urgência, dilatar os vasos até o socorro médico. No ano seguinte, em dezembro de 1976, quatro meses depois de Juscelino, Jango morreria no exílio. Cinco meses mais tarde, em maio de 1977, seria a vez de Lacerda. Tancredo duvidava daquela coincidência: em menos de um ano, os três morreriam, a seu ver, de forma estranha. Segundo informações posteriores, um agente, a serviço da Operação Condor, teria trocado o vasodilatador por outra droga, o que o teria matado em sua estância argentina.
Jango não escolhera seu destino. Filho de rico estancieiro, ao aproximar-se de Vargas, comoveu-se com a vida austera e discreta do ex-presidente, confinado em sua fazenda do sul. Não era um intelectual, como Lacerda, nem um visionário, como foi Juscelino, com os quais tentou a famosa Frente Ampla contra a ditadura. Aprendera, com Getúlio, a respeitar os trabalhadores e dava real importância às organizações sindicais, como contraponto às sólidas e poderosas instituições patronais.
Em 1954, ao cobrir os fatos que se seguiram à morte de Vargas, vi quando Jango – que morava em um hotel de Copacabana – chegou ao Catete, tirou do bolso um documento e leu em silêncio, o rosto tenso. Provavelmente se tratava de cópia da carta-testamento que Getúlio lhe entregara antes de terminar a reunião ministerial, da noite anterior, com a observação de que se tratava de um assunto a ser resolvido no dia seguinte – como se soube depois. Essa foto ilustrou, se não me falha a memória, a matéria que redigi sobre os fatos, e foi publicada na edição de 26 de agosto do Diário de Minas.
Ele estava desolado, como o filho que perde o pai, o viajante que perde o caminho. Mas, no dia seguinte, logo depois do sepultamento de Getúlio, em São Borja, reuniu-se a Oswaldo Aranha e a Tancredo Neves. Os três avaliaram a situação e concluíram que era necessário colocar nas ruas uma candidatura presidencial, a fim de coibir o golpe antinacional que estava em marcha, sob o governo frouxo e cooptado de Café Filho. Ali se decidiu que a candidatura de Juscelino – um dos favoritos de Vargas – fosse lançada em seguida.
Jango tinha uma visão de Estado que continua válida até hoje. Se ele houvesse conseguido realizar as reformas de base – principalmente a agrária e a bancária – o Brasil teria chegado a seu futuro mais cedo. Os trabalhadores do campo escapariam das brutais condições impostas pelo latifúndio, aumentaria a produção de alimentos e, como ocorreu em outros países, seria ampliado o mercado interno para a indústria nacional. A reforma bancária colocaria ordem no sistema financeiro – providência a cada dia mais necessária, aqui e em todas as partes. O golpe de 1964 atrasou o processo de construção nacional, que só foi retomado com Itamar, para em seguida frustrar-se durante oito anos, e ser retomado por Lula, com sua política social que libertou milhões de brasileiros da miséria.
Jango, estancieiro rico, que chegara à política pela solidariedade pessoal para com Vargas, tornou-se, pelos seus atos, corajosos e patrióticos, um homem de seu povo.
Foi a última vez que o vi. Fiquei preocupado porque ele mantinha sempre à mão comprimidos de trinitrina: sofria de cardiopatia, e o remédio, poderoso, serviria para, em caso de urgência, dilatar os vasos até o socorro médico. No ano seguinte, em dezembro de 1976, quatro meses depois de Juscelino, Jango morreria no exílio. Cinco meses mais tarde, em maio de 1977, seria a vez de Lacerda. Tancredo duvidava daquela coincidência: em menos de um ano, os três morreriam, a seu ver, de forma estranha. Segundo informações posteriores, um agente, a serviço da Operação Condor, teria trocado o vasodilatador por outra droga, o que o teria matado em sua estância argentina.
Jango não escolhera seu destino. Filho de rico estancieiro, ao aproximar-se de Vargas, comoveu-se com a vida austera e discreta do ex-presidente, confinado em sua fazenda do sul. Não era um intelectual, como Lacerda, nem um visionário, como foi Juscelino, com os quais tentou a famosa Frente Ampla contra a ditadura. Aprendera, com Getúlio, a respeitar os trabalhadores e dava real importância às organizações sindicais, como contraponto às sólidas e poderosas instituições patronais.
Em 1954, ao cobrir os fatos que se seguiram à morte de Vargas, vi quando Jango – que morava em um hotel de Copacabana – chegou ao Catete, tirou do bolso um documento e leu em silêncio, o rosto tenso. Provavelmente se tratava de cópia da carta-testamento que Getúlio lhe entregara antes de terminar a reunião ministerial, da noite anterior, com a observação de que se tratava de um assunto a ser resolvido no dia seguinte – como se soube depois. Essa foto ilustrou, se não me falha a memória, a matéria que redigi sobre os fatos, e foi publicada na edição de 26 de agosto do Diário de Minas.
Ele estava desolado, como o filho que perde o pai, o viajante que perde o caminho. Mas, no dia seguinte, logo depois do sepultamento de Getúlio, em São Borja, reuniu-se a Oswaldo Aranha e a Tancredo Neves. Os três avaliaram a situação e concluíram que era necessário colocar nas ruas uma candidatura presidencial, a fim de coibir o golpe antinacional que estava em marcha, sob o governo frouxo e cooptado de Café Filho. Ali se decidiu que a candidatura de Juscelino – um dos favoritos de Vargas – fosse lançada em seguida.
Jango tinha uma visão de Estado que continua válida até hoje. Se ele houvesse conseguido realizar as reformas de base – principalmente a agrária e a bancária – o Brasil teria chegado a seu futuro mais cedo. Os trabalhadores do campo escapariam das brutais condições impostas pelo latifúndio, aumentaria a produção de alimentos e, como ocorreu em outros países, seria ampliado o mercado interno para a indústria nacional. A reforma bancária colocaria ordem no sistema financeiro – providência a cada dia mais necessária, aqui e em todas as partes. O golpe de 1964 atrasou o processo de construção nacional, que só foi retomado com Itamar, para em seguida frustrar-se durante oito anos, e ser retomado por Lula, com sua política social que libertou milhões de brasileiros da miséria.
Jango, estancieiro rico, que chegara à política pela solidariedade pessoal para com Vargas, tornou-se, pelos seus atos, corajosos e patrióticos, um homem de seu povo.
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