França celebra o 14 de Julho. Saiba por que o país é uma potência gastronômica
Reinaldo Paes Barreto
Hoje é o dia da Festa Nacional da França: parabéns! Só que com todo o respeito, em vez de celebrar a Queda da Bastilha e entoar a Marseillaise – todos os franceses estão a postos para cumprir o seu dever e eu não vou fazer falta! – prefiro traçar um ponto de aproximação entre o poder e a gastronomia, e esquecer os ferozes soldados “que vêm degolar nossos filhos", etc.
Adiante: por que, então, certos países são mais gourmets do que os outros?
Meu ponto de vista: primeiro, porque se beneficiam de um território em que a agricultura e a agro-indústria se complementam. A França possui um relevo onde predominam as planícies, que cobrem cerca de 2/3 do território e que se situam no sopé de três cadeias de montanhas: o Maciço Central, os Pireneus e os Alpes. Possui, também, uma extensa rede hidrográfica, que compreende quatro rios importantes para o desenvolvimento industrial e urbano do seu ecossistema. O Loire, a Garonne, o Sena - que atravessa Paris - e o Rôhne.
A França tem relevo onde predominam planícies, que cobrem de 2/3 do território
Se somarmos a isso quatro estações bastante definidas, teremos uma agricultura e uma vida animal campestre variada e rica, e matérias-primas que vão dos frutos, frutas, legumes, tubérculos, peixes, mariscos e aves, a caprinos, bovinos, patos e gansos.
Por isso - e entra aí o meu segundo ponto de vista - vocês já pensaram na criatividade que era exigida dos chefs para contentar os reis e a corte durante quase quinhentos anos?
Fixemos, como exemplo, Luis IV - o Rei-Sol. Vocês acham que ELE aceitaria repetir o prato do almoço no jantar? Ou vice-versa.
E ele governou quase 60 anos, encastelado em Versailles, preocupado com o que preocupava os reis do seu tempo: guerras, sexo, intrigas e...gastronomia.
Perfil: Luis XIV não era um homem alto – media 1.61 m – mas era elegante e "fazia presença", porque era fisicamente forte por natureza (imaginem morrer com 77 anos depois de todas as esbórnias que praticou). Combateu na cama, nos campos de batalha e... na mesa! Nunca se cansava. Não sentia nem calor, nem frio. Além disso, amava a dança e os espetáculos de balé: era um pé-de-valsa inesgotável.
Pintava as maçãs do rosto e usava cabeleiras postiças, pois ficou careca cedo. E teve trinta amantes e outras tantas favoritas. Além da esposa, espanhola. E, como todos os Bourbons, dono de um apetite voraz.
Vatel
Foi assim: Condé era riquíssimo, vaidoso e ambicioso. E Vatel (maravilhosamente interpretado por Depardieu, no filme que leva o seu nome) o seu chef de banquetes e grande pâtissier (doceiro) - tanto que criou um creme leve como uma núvem e batizou-o com o nome do castelo: creme Chantilly.
Em 1671, Condé convidou o rei Luís XIV para um fim de semana de caçadas no seu castelo. Vatel teve duas semanas para preparar a recepção. Estressado, passou 12 dias sem dormir. No dia da chegada do Rei, apareceram mais convidados do que o esperado (natural). Vatel errou a mão pela primeira vez: o faisão assado não foi suficiente. Muitos convidados não o provaram. "Minha honra está perdida", comentou. O príncipe de Condé tentou consolá-lo: "Vatel, nunca houve um jantar tão magnífico como o de hoje". Mas não adiantou. O cozinheiro estava cada vez mais preocupado com o banquete de sábado, o maior da sua carreira. Menu: filé de linguado, anchovas, melão com presunto de Parma, lagosta com molho de camarão e mariscos, pernil de carneiro, pato ao molho de vinho Madeira e, de sobremesa, bombas de morango.
Luix XIV, o rei-sol
Castelo de Chantilly
Voltou para o quarto, trancou a fechadura e se matou com um punhal. Uma hora depois da tragédia, diversos pescadores começaram a chegar com suas cargas: tinha havido um atraso nos portos. À noite, o banquete foi um sucesso. Em respeito a Vatel, não serviram o linguado. Finalmente, o Rei Luís XIV se rendeu aos dons do cozinheiro. Mas era tarde demais.
Allons enfants de la Patrie...
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