domingo, 17 de julho de 2011

A direita ensandecida dos EUA

Do José Simão, na sua coluna da FSP de 16/07:

"
E o Obama vai dar calote. Essa é a melhor definição pra situação dos Estados Unidos: todo galo tem seu dia de canja! Os Estados Unidos viraram um país socialista: querem socializar os prejuízos com o resto do mundo!"




São Paulo, domingo, 17 de julho de 2011


A fé ameaça quebrar os EUA
 
CLÓVIS ROSSI

O ENROSCO entre o presidente Barack Obama e os republicanos, em torno do aumento do teto de endividamento, não é uma questão política, econômica, contábil.
Trata-se de fé, de fundamentalismo religioso de parte dos integrantes do chamado Tea Party, o grupo de extrema-direita que emergiu com força na eleição de 2010. Estão sempre possuídos de uma Estado-fobia que supera o que Paul Krugman, ontem neste mesmo espaço, chamava de loucura antiga dos republicanos.
Ajuda-memória: até o dia 2, o Congresso tem que autorizar o aumento do teto de endividamento, que está em US$ 14 trilhões, número inimaginável. Dá cerca de sete vezes tudo o que o Brasil produz por ano de bens e serviços.
Sem a autorização, o governo quebra.
Não poderia mandar, por exemplo, o cheque para o velhinho aposentado de Utah ou o dinheiro, bem mais suculento, para os investidores chineses que compram aos cachos papéis do Tesouro norte-americano. Nem mesmo para o Brasil, terceiro maior comprador da dívida dos EUA.
A contrapartida da autorização terá que ser um ajuste fiscal de cerca de US$ 4 trilhões
(dois Brasis). Ajuste fiscal, em qualquer lugar do mundo, compõe-se de duas fatias não necessariamente iguais: corte de gastos e aumento das receitas do governo.
Até a emergência do fundamentalismo do Tea Party, loucos ou não, os republicanos discutiriam com os democratas até que as duas partes se convencessem de que nada mais poderiam extrair da outra. O acordo sairia, na undécima hora, mas sairia.
Aí é que surge o fundamentalismo com que os republicanos do Tea Party abordam a negociação. Ela já começou desequilibrada a favor do corte de gastos: Obama, em abril, propunha US$ 1,5 trilhão de aumento de impostos (em 10 anos). Ou seja, 37,5% do ajuste viria do aumento de receitas; os dois terços restantes do corte de gastos.
Os republicanos refugaram, e a mais recente proposta do presidente, já em julho, passou a ser de US$ 750 bilhões. Ou seja, menos de 20% do ajuste viria do aumento de impostos e mais de 80% do corte de gastos.
Nem assim os republicanos estão aceitando. Não é que Obama queira, por exemplo, aumentar o imposto sobre valor agregado, que machuca todos os contribuintes, independentemente de sua renda. Não.
Acha apenas, como disse sexta-feira, que "milionários e bilionários podem fazer um pouco mais", que é possível fechar "os buracos corporativos de forma que as companhias de petróleo não consigam desnecessárias isenções fiscais ou que os donos de jatinhos corporativos delas se beneficiem".
Enfim, nada que não seja o mais clássico preceito tributário segundo o qual paga mais quem pode mais. Mas não basta para a turma do Tea Party, que quer zero de aumento de impostos e, de quebra, aleijar um presidente que consideram "socialista".
Torna-se por isso possível o cenário assim descrito para o "Financial Times" por Steve Wieting, analista do Citigroup: "Perguntar como poderia se parecer a economia norte-americana após um eventual calote equivale a perguntar o que você faria depois de cometer suicídio".


São Paulo, domingo, 17 de julho de 2011

O verão da anarquia direitista
 
VINICIUS TORRES FREIRE

SUPONHA-SE que a hipótese de calote do governo dos Estados Unidos não venha a passar de um delírio da direita americana. Que o Congresso eleve o teto do endividamento do governo, que poderá pagar as contas.
Tudo não terá passado então de um momento caricato e sem consequências da história americana, um surto demencial da direita?
Parece que não. O curto verão da anarquia do Tea Party, a direita louca do Partido Republicano, tem raízes mais profundas e terá efeitos imediatos na economia.
Os republicanos chantageiam Barack Obama. Só elevam o teto da dívida federal se houver redução de deficit sem aumento de impostos. Em parte da liderança e no médio escalão republicanos, isso é só mais um modo de fritar Obama e marcar posição para a eleição de 2012.
Mas os republicanos "baixo-clero" querem mesmo botar fogo no circo. Calote. Em suma, querem dar um golpe "político-fiscal" a fim de reduzir o tamanho do Estado. A maioria desse pessoal é do Tea Party.
Além do mais, como diz Paul Krugman, Nobel de economia e democrata, desde Bill Clinton a direita americana deixou de aceitar que governos democratas são legítimos.
O Tea Party não é um raio num dia de céu azul. É resultado de um movimento popular algo xenófobo, elitista e contra o "Estado grande". Em parte deriva da degradação da classe média dos EUA, onde a desigualdade cresce e a renda mediana estagnou faz década.
Mas o que é "Estado grande" nos EUA? A receita federal é 14,4% do PIB ""a do governo federal brasileiro é 24% do PIB (de uns 20% do PIB, descontados os repasses a Estados e municípios). A despesa é de 25,3% do PIB ""deficit de 10,9% do PIB.
Uns 24% da receita vão para gastos militares e de segurança. Uns 19,5% , para seguridade social (aposentadorias). Assistência médica para muito pobres e idosos leva outros 19,5%. Outros gastos obrigatórios (salários, "fome zero" e seguro-desemprego) levam 18,5%. Para os juros da dívida pública vão 5,5%. Logo, sem corte de gastos militares, tende a sobrar para a saúde de deserdados e outros gastos sociais.
De onde veio o deficit? George Bush, filho (2001-2008) acabou com os superavit da era Bill Clinton via aumento de gastos em guerras e redução de impostos para ricos. Em 2007, o ano anterior à crise, o deficit era de 1,2% do PIB. Foi a 3,2% do PIB em 2008; a 9,9% do PIB em 2009. Mais de metade do deficit veio da queda da receita (de 18,5% do PIB em 2007 para 14,5% em 2009) e de gastos antirrecessão. Falta, pois, crescer: mais PIB e receita.
No curto prazo, não há bomba fiscal nos EUA, que aliás podem se financiar com juro anual de 3% (para títulos de dez anos). O país não cresce agora em parte devido ao endividamento das famílias e da reticência do investimento privado.
A chantagem republicana vai levar Obama mais para a direita. Vai tolher sua capacidade de reanimar a economia. A queda do estímulo fiscal e o fim do estímulo monetário farão com que os EUA cresçam menos, pois o gasto privado é tímido.
O conservadorismo de Obama até aqui já havia minado a base popular e jovem de sua campanha, a grande novidade de 2008; seu apoio entre "democratas autênticos" vai diminuir mais. O Tea Party floresce.
No curto prazo, esse é o resultado do verão da anarquia direitista.

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